No final de 2002, o empresário Humberto Zica, sócio da Delp Engenharia, corria contra o tempo. A empresa mineira especializada, na época, em projetos de engenharia para siderurgia e mineração, perdia encomendas e corria o risco de fechar as portas. Naquela tempo, a indústria do aço passava por um processo de desnacionalização e, na mineração, os pedidos também vinham minguando. ?Mudamos completamente o foco de atuação e isso garantiu nossa sobrevivência?, disse ele à DINHEIRO.
 

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José Sérgio Gabrielli: ?A empresa brasileira tem preferência, mas sem abrir mão do padrão global de qualidade?

 

A guinada estratégica da Delp, localizada em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, esteve diretamente relacionada com uma decisão tomada a quase 500 quilômetros dali, no número 65 da avenida Chile, no centro do Rio de Janeiro, onde funciona o QG da Petrobras. Ainda em 2003, a maior empresa brasileira definiu que iria ampliar drasticamente a nacionalização de suas compras.

Em decorrência disso, 60% do faturamento da Delp hoje vem do setor de óleo e gás. E o empresário mineiro apenas lamenta que a política da Petrobras não seja seguida por outros setores. ?Na mineração e no aço não há esta preocupação. Eles simplesmente importam?, diz Zica.

Qualquer mexida da Petrobras em sua política de compras provoca reflexos profundos em uma empresa, um setor ou na própria economia. Afinal, a estatal adquire bens e serviços por ano estimados em R$ 31,6 bilhões, o equivalente a pouco mais  que o orçamento de uma cidade como São Paulo. Até 2013, os investimentos da Petrobras somarão o incrível montante de US$ 174 bilhões, dos quais US$ 158 bilhões serão gastos no Brasil.

Entre 2003 e 2009, o conteúdo local das encomendas da Petrobras passou de 57% para 75%. Agora, de acordo com o presidente da companhia, José Sérgio Gabrielli, a ordem é ir além. ?Queremos desenvolver fornecedores para que a expansão da oferta de equipamentos se dê com produção no Brasil?, disse ele à DINHEIRO.

Mais do que uma simples intenção, a declaração de Gabrielli faz parte de um plano concreto, que acaba de ser finalizado pela companhia e pode facilitar a entrada de novos fornecedores no bilionário mercado de óleo e gás, como aconteceu com a Ativa Tecnologia, fundada pelos amigos André Souza, Daniel Camarins e Rodrigo Carvalho, ainda na faculdade de engenharia.
 

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?Estamos migrando do setor siderúrgico para o de petróleo e gás natural? Márcio Kac, sócio da Simper

 

Em 2006, a empresa recebeu o desafio de desenvolver uma barreira de contenção de óleo, que evitasse desastres ambientais no caso de vazamento de combustível no mar. Hoje, ela já fatura R$ 2 milhões e se prepara para dobrar o faturamento este ano. ?Eles nos chamaram para trabalhar em outros projetos e, quando descobrimos a necessidade de criação de ferramentas submarinas, nosso mundo começou a se abrir ainda mais?, diz Souza.

Para que exemplos como o da Ativa se multipliquem, será preciso formar novas empresas. No plano traçado pela Petrobras, uma das medidas prevê a formação de mão de obra especializada para atuar no setor. Nos últimos dois anos, foram formados 50 mil técnicos. Até 2013, serão 207 mil.
 

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?Quando nos chamaram para fornecer para a Petrobras, nosso mundo se abriu? André Souza, sócio da Ativa Tecnologia

 

Mas a companhia também está se comprometendo a criar mecanismos financeiros que deem suporte às empresas do setor de óleo e gás. Já existem dois FIDCs (fundos de investimento em direitos creditórios) voltados para essa indústria e outros 14 sendo estruturados. A própria Petrobras vai colocar R$ 10 milhões num desses fundos, administrado pelo HSBC, que deve atingir R$ 1 bilhão no curto prazo.

Outro fundo, administrado pelo banco BTG Pactual, tem previsão de chegar a R$ 3 bilhões, e visa facilitar o crédito no setor. De posse de um contrato de fornecimento para a Petrobras, a empresa pode obter um adiantamento de 50% da receita prevista, para fazer os investimentos em equipamentos e insumos necessários à produção.

 

?Quando a Petrobras diz que vai comprar tantos bilhões em equipamentos, muitas empresas não se reconhecem nisso, acham que não podem participar?, disse à DINHEIRO o diretor de relações institucionais da empresa, Almir Barbassa. ?Queremos mudar essa percepção.?
 

De acordo com a Organização Nacional da Indústria do Petróleo, o cadastro de empresas do setor aumentou dez vezes nesta década, de 210 empresas em 2000 para 1.985 companhias no fim do ano passado. São dados que mostram o crescimento do mercado petroleiro e a importância da Petrobras na cadeia e na economia brasileira.

No ano passado, o impacto dos investimentos da empresa na economia, incluindo seus fornecedores, era equivalente a 10% do PIB brasileiro, o dobro de 2002. Nos próximos anos, deve crescer ainda mais, já que a empresa planeja dobrar a produção de petróleo até 2020 e elevar em mais de 50% a capacidade de refino, com aumento da participação de fornecedores brasileiros.
 

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Conteúdo nacional: nas plataformas marítimas da Petrobras, a participação mínima dos componentes fabricados no País é de 65%

 

Isso sem contar a exploração do pré-sal, que deve atrair para o País empresas de várias partes do mundo. O conteúdo nacional mínimo, definido pela empresa, é de 65%. Mas não existe um limite máximo. ?Vai depender da capacidade de produção da indústria brasileira?, diz Gabrielli.

Um portal lançado pela Petrobras em dezembro enumera todos os componentes das peças que serão compradas até 2014. Lançado em dezembro, o portal já teve 800 empresas cadastradas, que podem visualizar a quantidade e especificação de cada peça que será comprada e ?anunciar? no site o produto que fabrica.

Entre os equipamentos que serão comprados nos próximos quatro anos estão 18,3 mil bombas, 834 mil válvulas e 3,2 mil compressores, além de oito milhões de parafusos, 15,4 mil toneladas de metais forjados e 70 mil toneladas de fundidos. Se for necessário, a estatal pode até entregar o gabarito para a produção.
 

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?Existe muito espaço até para as pequenas empresas nas encomendas bilionárias feitas pela Petrobras? Almir Barbassa, Diretor da Petrobras

 

?É uma das coisas mais importantes na cadeia de petróleo e gás nos últimos anos?, disse a coordenadora nacional da carteira de projetos de petróleo e gás do Sebrae, Eliane Borges. ?A maior dificuldade para inserir a pequena empresa na cadeia é a falta de informação?, diz Eliane. Hoje, vários pequenos e médios empresários estão despertando para o imenso potencial de mercado gerado pela Petrobras.

Foi o que fez Hebert José França, sócio da Sudpar, uma indústria de parafusos. Desde que passou a fornecer para a companhia, em 2004, ele quadruplicou seu faturamento. ?Em 2010, o volume de consultas tem sido tão grande que devemos crescer mais 30%?, diz ele.

O impacto positivo não ocorre apenas nas encomendas diretas da Petrobras, mas em vários outros setores da economia, como a indústria naval. A estatal vai comprar 296 novas embarcações até 2020, a grande maioria de estaleiros brasileiros. Das 58 sondas que serão adquiridas até 2018, apenas nove serão contratadas em licitação internacional, enquanto a indústria nacional se prepara para atender às encomendas. As demais terão que ser produzidas no País.

Mas mesmo os equipamentos importados trazem oportunidades para a indústria nacional. As peças de reposição para maquinário importado renderam um faturamento de R$ 10 milhões no ano passado à Etep Indústria Metalúrgica, que começou a vender para a Petrobras em 1981 e espera um crescimento de 15% este ano.

Na Eneltec, que elabora projetos e estudos técnicos para refinarias e plataformas, o crescimento também se deve à estatal. ?Nossos maiores projetos estão sendo fomentados pela Petrobras?, diz Rodrigo Martins Fernandes, um dos três sócios da empresa de consultoria, que faturou R$ 1,7 milhão no ano passado e deve chegar a  R$ 2,5 milhões em 2010.

Com tantas encomendas, as oportunidades estão abertas tanto a empresas novas quanto a indústrias, que viram seu mercado antigo minguar na crise. É o caso da Simper Parafusos. A empresa fornecia para cimenteiras e siderúrgicas quando em 2003 resolveu se qualificar para atender a Petrobras.

?No começo não tínhamos interesse, por estarmos em Minas Gerais, longe de produção, mas atendemos ao convite de um parceiro?, conta Márcio Kac, um dos sócios. Desde então, o faturamento cresceu 20% ao ano, com exceção de 2009, quando houve queda de 40% por causa do setor siderúrgico.

A política de desenvolvimento de fornecedores da Petrobras também serve a outras empresas. O empresário Raul Sanson, presidente do fórum de metal mecânica da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) e dono da PWR Mission Indústria Mecânica, que já vende para a Petrobras, entrou no portal da estatal interessado em ampliar o seu próprio cadastro.

?Já tenho meus fornecedores, mas quero descobrir outros, que podem ser melhores?, diz ele. Com o portal, ele acha que terá oportunidade de entrar em contato com empresas de outros Estados, que podem ajudar a reduzir custos e tornar a empresa mais competitiva.

No entanto, há também críticas ao eventual excesso de nacionalização das compras da Petrobras. O presidente do Centro Brasileiro de Infraestrutura, Adriano Pires, diz que uma política exagerada de conteúdo nacional pode gerar ineficiências, fazendo com que a empresa pague mais por produtos que seriam produzidos em outras partes do mundo. Os empresários, no entanto, discordam: ?Vamos ser eficientes no longo prazo porque queremos continuar fornecendo para a Petrobras por muito tempo?, diz Zica, da Delp Engenharia.

 

?Nosso volume de compras é o maior do mundo?


Em entrevista exclusiva à DINHEIRO, o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, diz que a indústria brasileira está pronta para aproveitar as oportunidades que estão sendo criadas na indústria petroleira do País. E afirma que a companhia não abrirá mão dos padrões mundiais de qualidade.
 

DINHEIRO ? Por que a Petrobras quer aumentar o número de fornecedores brasileiros?

JOSÉ SÉRGIO GABRIELLI ? A cadeia de fornecedores sempre foi muito importante para a Petrobras, porque envolve o desenvolvimento de tecnologia e de certificações. A partir de 2003, implantamos uma padronização e uma política mais ativa para buscar novos fornecedores nacionais, mas sempre com o objetivo de melhorar as condições competitivas.

DINHEIRO ? Não há risco de que a Petrobras compre mais caro?

GABRIELLI ? A nossa política é clara: até entendemos que num momento inicial a indústria brasileira pode ter preço maior. Mas, depois que fornecem para a Petrobras, é preciso ter competitividade internacional.
 

DINHEIRO ? A indústria brasileira está respondendo ao desafio?

GABRIELLI ? O aumento da capacidade internacional de petróleo está sendo feito no Brasil. Temos um volume de compras que em alguns setores é o maior do mundo. Queremos desenvolver a indústria nacional e atrair fornecedores para que a expansão da oferta de equipamentos e serviços se dê no Brasil.


DINHEIRO ? Com privilégios ao capital nacional?

GABRIELLI ? O que importa é produzir no Brasil, seja com empresas nacionais, seja com  estrangeiras.

DINHEIRO ? A participação nacional nos fornecedores da Petrobras já chega a 80%. Existe uma meta ou um limite?

GABRIELLI ? Temos um conteúdo nacional mínimo de 65% nas plataformas, mas não um teto. Depende da capacidade da indústria brasileira. Ha alguns equipamentos  que ainda não é possível produzir aqui porque não existe escala. Mas há outros com muita demanda e que o Brasil pode produzir.