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Na segunda-feira 15, o rosto do presidente da Embratel Jorge Rodriguez apareceu na tela dos computadores de todos os funcionários da empresa. Utilizando o sistema interno de TV, o mexicano Rodriguez, bem humorado, anunciou que seu conterrâneo Carlos Slim Helú, dono da Telefonos de Mexico, Telmex, acabara de arrematar o controle da Embratel por US$ 360 milhões. O comunicado foi breve e Rodriguez o encerrou com uma brincadeira: ?Esqueçam o italiano e comecem a aprender espanhol?, numa referência a antigos boatos de que a Telecom Italia ficaria com a companhia brasileira. Sim, os antigos boatos estavam enterrados, mas, enquanto Rodriguez falava a seus subordinados, uma intensa rede de ataques, lobbies e intrigas começou a se movimentar no Brasil e nos EUA. A cada lance, o desfecho do negócio parece mais e mais distante e expõe um violento conflito entre dois gigantes: a própria Telmex e outro concorrente no leilão, a Geodex, um consórcio formado pelas três maiores operadoras de telefonia fixa do País, a Telemar, a Telefônica e a Brasil Telecom. Um terceiro interessado, o fundo de pensão Telos, acompanha à distância o desenrolar da briga.

O negócio ainda depende de um sinal verde da Corte de Falências dos EUA. A MCI, dona da Embratel, está mergulhada em uma concordata desde 2002, quando um escândalo financeiro envolvendo seus executivos estourou e levou a companhia à bancarrota. Um dos pontos do plano montado para salvar a MCI é justamente a venda da Embratel, maior operadora de longa distância do Brasil, com faturamento de R$ 7 bilhões, e líder no setor de transmissão de dados e voz corporativo, um dos filés mignon do setor.

A disputa por essa pérola detonou o conflito entre Telmex e Geodex assim que as três propostas foram entregues ao banco Lazard Frères, contratado pela MCI para coordenar a venda. O prazo final esgotou-se na sexta-feira 12 de março. Menos de 48 horas depois, no domingo 14, o ministro das Comunicações Eunício Oliveira recebeu um telefonema em sua casa. Do outro lado da linha, um executivo da MCI anunciou que a venda da Embratel estava sacramentada. Quando souberam, acionistas e executivos das três fixas não se conformaram. Eles haviam oferecido US$ 550 milhões pela Embratel, ou seja, US$ 190 milhões a mais do que a proposta vencedora. ?Eles estavam certos da vitória?, diz um consultor que acompanhou de perto o assunto. Tão certos que já haviam contratado a supermodelo Gisele Bündchen para estrelar um comercial apresentando a Geodex, um cachê de US$ 600 mil.

Atordoados, os representantes do trio das fixas passaram os dias seguintes mergulhados em reuniões a portas fechadas. Houve bate-bocas e acusações carregadas de ironia. Um dos principais articuladores do consórcio, Fersen Lambranho, da Telemar, passou a ser chamado pelos parceiros de Fersen Lambança, numa referência aos erros cometidos no processo. A lavagem de roupa suja não reverteu o resultado, mas serviu para identificar alguns dos equívocos cometidos pelo consórcio. O principal deles veio de uma espécie de mania dos três grupos empresariais, o apelo às autoridades. Num setor fortemente regulamentado, qualquer decisão de negócios passa pelos gabinetes de Brasília. Por isso, nas semanas anteriores à entrega das propostas, eles fizeram um intenso trabalho de convencimento junto às autoridades da capital federal. ?Eles não perceberam que o centro de decisão do negócio não estava no Planalto Central, mas sim próximo ao Central Park, em Nova York, onde fica a sede da MCI?, diz o assessor.

Depois do impacto inicial, a linha de frente das fixas saiu a campo. Passaram a falar com a imprensa, estamparam comunicados nos jornais e retomaram os contatos em Brasília. Lá, o anúncio da compra da Embratel pela Telmex provocou duas sensações distintas nas autoridades. A primeira foi de alívio. Controladora no País da operadora de telefonia celular Claro, a Telmex provavelmente não irá enfrentar obstáculos para obter o rol de autorizações necessários. ?Até os concorrentes dos mexicanos sabem que não cabe alegação de concentração de mercado?, comenta um técnico da Anatel ouvido pela DINHEIRO. Mas diante da postura das operadoras brasileiras de insistirem em desfazer o negócio, esse alívio virou apreensão. Na quinta-feira 18, o consórcio Geodex enviou uma trinca de pesos-pesados para abrir uma cruzada sobre o governo brasileiro. Fernando Xavier, presidente da Telefônica, Arthur de Carvalho, representante no banco Opportunity (leia-se Daniel Dantas) na Brasil Telecom, e Otávio Azevedo, presidente do conselho da Telemar, foram ao gabinete do ministro das Comunicações explicar seu plano de ação e, ao mesmo tempo, adiantar que, se conseguirem reverter a vitória dos mexicanos, a Geodex não irá tisnar a complexa Lei Geral de Telecomunicações.

À tarde, na mesma quinta, o ministro recebeu no sofá de seu gabinete o CEO da Telmex para a América Latina, Jaime Chico Pardo, levado até lá pela atuante embaixadora do México, Cecília Soto. Com ar de felicidade, ambos imprimiram à conversa o ritmo de um encontro inaugural de uma longa série de reuniões de trabalho. Pardo abriu as primeiras cartas do jogo da Telmex ? e alguns ases foram baixados. Entre eles, estava o destino de uma dívida de US$ 370 milhões que a Claro possui no BNDES. O executivo mexicano garantiu ao ministro a disposição da companhia em saldar todas as dívidas da Embratel e realizar novos investimentos no País. Num ponto alto da conversa, ele deixou escancarada a disposição da Telmex negociar com o governo brasileiro uma golden share (ação com direito a veto) na StarOne, o braço da Embratel que controla a rede de satélites. Trata-se de um ponto nevrálgico para o governo, já que esses satélites concentram as comunicações militares e de segurança nacional. ?O governo não tem de se meter na negociação das empresas privadas?, disse o ministro durante entrevista coletiva, saindo do fogo cruzado. ?Ficare-
mos apenas na posição de negociadores do satélite?. Já existe a idéia de usar os débitos da Claro no BNDES para comprar a golden share.

Uma ala do governo já demonstrou simpatia em relação à proposta das três operadoras. Em meados do ano passado, enquanto as chamas da falência nos EUA da controladora MCI faziam as ações da Embratel se derreterem no Brasil, o ministro chefe do Gabinete Civil, José Dirceu, chegou a dizer que levar a companhia o mais próximo possível da área de influência de grupos nacionais era uma questão estratégica para o governo. Isso representou um incentivo para os executivos das teles irem em frente na confecção da proposta. De acordo com ela, a Embratel seria dividida em três partes. Uma seria a Star One. As três ofereceriam ao governo uma golden share ou a possibilidade de adquirir 40% do capital da companhia, via BNDES. O segundo pedaço da Embratel abrigaria as chamadas de longa distância, o 21, e a Vésper, a empresa de telefonia fixa adquirida no ano passado. ?Nela, nunca (repito nunca) teremos participação no controle?, garante Azevedo, da Telemar. A terceira parte englobaria as atividades de comunicação de dados e voz corporativa. Os clientes e a infra-estrutura seriam divididos em três grupos e entregues às fixas. Mas cada uma delas receberia clientes e infra-estrutura fora de sua área de atuação. ?Hoje, cada operadora fixa concorre com a Embratel em sua região. A partir desse modelo, vai competir com a própria Embratel e as outras duas fixas?, diz Azevedo.

Desde janeiro, quando as três grandes operadoras de telefonia começaram a desenhar essa proposta, o ministro Luiz Gushiken, da Secretaria de Comunicações, foi informado de seus principais movimentos. Nas contas do pessoal da Geodex, foram três reuniões com Gushiken. A assessoria do ministro confirma que ele foi procurado, e ressalva que sua postura sempre foi a de encaminhar os interlocutores a fazerem consultas técnicas na Anatel e no ministério das Comunicações. Apesar de o consórcio Geodex ter obtido na Anatel uma autorização para a prestação de serviços em comunicação e multimídia, o ASCM, isso foi apenas uma etapa de uma romaria que sempre se anunciou acidentada. ?Só é possível permitir que esse consórcio opere a Embratel se a Lei Geral de Telecomunicações for rasgada?, avalia um técnico da Anatel. O mesmo técnico lembra que a convivência das operadoras com a agência é marcada por longas pendengas jurídicas. Só a Embratel possui 30 processos contra elas em diversas instâncias jurídicas. Tantos atritos despertaram na agência uma postura defensiva em relação aos pleitos da operadoras, e um eventual pedido de concessão para a Geodex já vai sendo visto como o maior abacaxi a ser descascado em toda a história do órgão.

Enquanto os representantes das fixas se desdobravam em viagens e reuniões dentro do Brasil, seu principal adversário Carlos Slim atuava intensamente junto a quem decidiria a venda da Embratel: os membros do comitê de credores da MCI e o board da companhia. O acesso a esses personagens não era uma tarefa complicada. Slim possui cerca de US$ 1 bilhão em títulos da dívida do conglomerado americano ? e por isso tem assento no comitê. Azevedo, da Telemar, afirma que o consórcio nunca chegou tão próximo do centro de decisões. ?Nossos contatos eram feitos com o Lazard Frères?, conta ele. ?Uma vez, um executivo da MCI esteve no Brasil e falamos com ele. Temos desconfiança de que houve uma simulação de leilão.?

O principal argumento de Slim para bombardear a proposta dos adversários residia justamente naquilo que as fixas procuraram evitar, os riscos de desrespeito à regulamentação do setor de telecomunicações no Brasil. ?Eles fizeram relatórios a partir das notícias publicadas no Brasil e os entregaram aos executivos?, diz Azevedo. Os mexicanos também teriam batido em outra tecla. A proposta da Telmex era no formato ?porteira fechada?, ou seja, a Embratel seria absorvida do jeito que está, independentemente de esqueletos que possam surgir. Já a Geodex condicionaria a conclusão do negócio a uma ?due dillegence? (auditoria) na Embratel. No final de semana, depois de contatos com o Lazard Frères, os representantes da Geodex fizeram mudanças na proposta. Por isso, Azevedo e seus parceiros esperam receber um convite da Corte de Falências dos Estados Unidos para apresentar sua proposta. ?Estamos divulgando nossa proposta para que o juiz tome conhecimento e nos chame?, afirma Azevedo. Os executivos da Geodex admitem que a disputa nos EUA pode durar, inicialmente, de 30 a 60 dias. Caso percam, prometem recorrer à justiça comum, sempre em foros americanos. Se finalmente vencerem, terão de comprar efetivamente a Embratel e quebrar a resistência dos órgãos de defesa da concorrência no Brasil e da agência reguladora. Ou seja, há um longo caminho a ser percorrido antes que a Embratel efetivamente mude de dono.

A REAÇÃO DE AZEVEDO, DA TELEMAR

A decisão da MCI surpreendeu?
Esse processo de venda foi virtual,
não formal. Ou seja, o sr. Slim, ou
melhor, a Telmex é credora da MCI
e teve uma oportunidade negocial
que não nos foi dada.
Que tipo de oportunidade?
Eles fazem parte do comitê de credores, que tem peso na decisão de venda, e puderam falar com os credores e com os executivos da empresa.

Qual o argumento que eles utilizaram?
O que pudemos perceber é que foram preparados relatórios que não teríamos viabilidade do negócio ser aprovado pela Anatel.

Vocês estiveram com o comitê?
Não. Apresentamos tudo para o Lazard Frères, o banco que representava a MCI.

Houve ilegalidade no processo?
Não. Fomos usados de maneira pouco transparente nas
negociações paralelas que foram conduzidas com a Telmex.
Não recebemos a comunicação de que não fomos escolhidos.
A delicadeza que eles tiveram em nos convidar, não estão
tendo em nos informar da decisão.

Diziam que sua proposta estava condicionada a uma ?due dillegence? e isso desestimulou a MCI.
Nossa proposta era de US$ 550 milhões. Daríamos US$ 50 milhões de sinal e levaríamos o negócio para avaliação da Anatel. Se a Anatel não aceitasse, perderíamos os US$ 50 milhões.
 

 

A BRIGA PELA EMBRATEL

O VENCEDOR
Carlos Slim faz parte do comitê de credores da MCI. Ali, no centro de decisões da massa falida da empresa, ele trabalhou em silêncio nos últimos meses para comprar a Embratel.
Oferta pelo controle da Embratel:
US$ 360 milhões

A CONTESTAÇÃO
Coordenado pelos presidentes do conselho de administração da Telemar, Otávio Azevedo, e da Telefonica, Fernando Xavier, o consórcio Geodex, que conta ainda com a Brasil Telecom,anunciou que não aceita a vitória da Telmex. A alegação é a de que a sua oferta pela Embratel é US$ 190 milhões mais alta.
Valor oferecido pela companhia:
US$ 550 milhões

O ALVO
A Embratel presidida por Jorge Rodriguez opera o mais avançado sistema digital de tramissão de dados, detém a StarOne, empresa que controla cinco satélites, e conta com 25% do mercado de telefonia fixa.
Lucro em 2003:
R$ 2,4 bilhões

OS JUÍZES
Se a Geodex reverter o resultado nos EUA, o caso será analisado tecnicamente pela Anatel, de Ziller, e politicamente pelo ministro Luiz Gushiken, da Secom.
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