O Partido Novo entrou nesta sexta-feira, 10, com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a suspensão da execução de R$ 6,5 bilhões em emendas de comissão do Orçamento deste ano. O valor está, na prática, sendo administrado pelo presidente da Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR) do Senado, o senador Marcelo Castro (MDB-PI), que é também o relator do Orçamento deste ano. Assim como nas emendas de relator, é impossível saber quem destinou qual verba.

As emendas parlamentares são modificações feitas pelos deputados e senadores ao Orçamento da União, geralmente para enviar recursos para os municípios onde eles têm votos. O dinheiro é, então, usado para pequenas obras ou para serviços públicos. Atualmente, as emendas podem ser de três tipos: individuais, de bancada (dos Estados) e de comissão – neste último caso, o dinheiro é indicado pelas comissões permanentes da Câmara e do Senado, como as de Educação, Direitos Humanos etc.

Em 2023, porém, o valor dessas emendas aumentou abruptamente (em 316% em relação a 2022) e foi quase todo direcionado para um único colegiado: a Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo do Senado, presidida por Marcelo Castro. No ano passado, ele foi o relator da Lei Orçamentária de 2023, vigente neste ano. Portanto, coube a ele decidir alocar o dinheiro na comissão hoje presidida por ele próprio, acusa o Novo.

Formalmente, argumenta o Novo, um único congressista – Marcelo Castro – detém o poder de indicar 85% do valor das emendas de comissão, perfazendo R$ 6,5 bilhões. Enquanto isso, há “obscuridade em relação aos reais patrocinadores da indicação de recursos” – outros parlamentares decidem para onde vai o dinheiro, em acordo com Castro. É o mesmo problema do Orçamento Secreto: na época, todas as emendas eram assinadas pelo relator do Orçamento, enquanto os nomes dos verdadeiros responsáveis pelas indicações permaneciam ocultos.

“Nestes termos, os recursos do RP8 (emendas de comissão) em 2023 estão hiperconcentrados na Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo do Senado Federal, presidida pelo mesmo parlamentar que relatou o Orçamento. A referida comissão, vale dizer, foi escolhida a dedo: conforme já demonstrado, enquanto era relator-geral do orçamento de 2023 o parlamentar (Marcelo Castro) avalizou, no final de 2022, a destinação de R$ 6,5 bilhões em 2023 para esta que viria a ser a ‘sua’ comissão”, diz um trecho da petição.

“Em termos práticos, as emendas de comissão passaram a constituir valores efetivamente irrelevantes (menos de 15% do total), sobrevivendo, de fato, as emendas da comissão do relator-geral (do Orçamento, Castro).”

“A RP8 é o Orçamento Secreto de volta, sem qualquer transparência e vinculação com políticas públicas, o que é totalmente incompatível com os princípios constitucionais orçamentários. Uma emenda literalmente ‘pix’, sem qualquer controle da sociedade, que arca com todos esses custos”, diz o advogado Paulo Roque Khouri, que é professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e autor da ação.

“O uso do Orçamento Secreto, por meio das RP8, escancara a hipocrisia do governo. Lula criticou o orçamento secreto nas eleições e, pasmem, chegou a dizer que era pior que o Mensalão (de 2005), escândalo que ele mesmo protagonizou. E agora, depois de tudo isso, mantém as mesmas práticas. Emendas sem transparência precisam ser extintas”, disse o presidente do Novo, Eduardo Ribeiro.

A reportagem do Estadão procurou Marcelo Castro por meio de sua assessoria, mas não houve resposta até a publicação desta reportagem.

Distribuição desigual entre municípios

Ao longo deste ano, a distribuição das emendas de comissão foi feita por critérios apenas políticos, sem levar em conta nem mesmo o número de habitantes das cidades – alguns lugares recebem grande quantidade de recursos e outros ficam de fora, assim como ocorreu com o Orçamento Secreto. O resultado é, mais uma vez, o tratamento desigual entre as cidades.

“A distribuição de recursos não segue critérios populacionais – um Estado recebeu R$ 88 por habitante enquanto outro recebeu apenas R$ 2 – tampouco critérios socioeconômicos”, diz um trecho da ação do Novo. Em termos proporcionais, o Estado mais beneficiado até agora é o Acre, com R$ 88,37 empenhados (isto é, reservados para pagamento) por habitante. Já na Bahia, por exemplo, o valor per capita é de apenas R$ 3,47. Em Roraima, Estado de características similares ao Acre, o valor por habitante está em R$ 15,71.

A mesma coisa ocorre com municípios: Ivolândia, em Goiás, teve empenhos de R$ 1.133,00 por habitante, até agora, enquanto centenas de cidades brasileiras ficaram de fora. O valor destinado a Ivolândia é quase o dobro daquele da segunda colocada, Japurá, no Paraná, com R$ 600 per capita. Os dados são de uma nota técnica da Consultoria Legislativa da Câmara.

Outro problema, argumenta a ação, é que as emendas de comissão são destinadas a ações orçamentárias genéricas, como “Apoio a projetos de desenvolvimento sustentável local integrado” ou “Apoio à Política Nacional de Desenvolvimento Urbano Voltado à Implantação e Qualificação Viária”. Ações orçamentárias são como “etiquetas” usadas para controlar o uso dos recursos. As escolhidas para as emendas de bancada possibilitam “o enquadramento de praticamente todas as modalidades de obras e serviços, verdadeiras ‘ações guarda-chuva’”.

“As emendas RP8 (de comissão) padecem das mesmas mazelas que tornaram o RP9 (emendas de relator, do Orçamento Secreto) inconstitucional: a falta de transparência a respeito dos reais patrocinadores, no âmbito do Congresso Nacional, das indicações de recursos; a inexistência de critérios objetivos e específicos aptos a orientar com clareza e especificação o uso dos recursos e as políticas públicas a serem contempladas; e a inobservância de parâmetros populacionais e/ou sociais para a escolha dos Estados e municípios beneficiários dos recursos das emendas de comissão em 2023. Por isso, não restam dúvidas que o RP8, da forma como tendo sido utilizado em 2023, tem lesionado preceitos e princípios constitucionais”, diz um trecho da ação do Novo.