DINHEIRO ? Nos últimos dias, o preço do petróleo e das principais commodities agrícolas e minerais começou a cair. Isso antecipa uma retração global?
STEPHEN KING
? A questão que vem sendo colocada pelos mercados financeiros globais é outra: devemos nos preocupar com a inflação ou com o crescimento da economia? No primeiro semestre deste ano, o foco dos bancos centrais esteve centrado na inflação, em razão da alta do petróleo e das commodities. E houve apertos monetários consideráveis promovidos pelo Federal Reserve, o banco central americano. A conseqüência disso foi um desaquecimento acelerado do mercado imobiliário nos Estados Unidos. Isso é suficiente para provocar uma queda razoável no consumo e também uma desaceleração da economia mundial.

DINHEIRO ? De que intensidade será essa desaceleração?
KING
? Bom, o que nós projetamos para os Estados Unidos em 2007 é um crescimento de 1,9%, bem abaixo da média dos últimos anos, que foi próxima a 4%. Em função disso, o Fed deverá reduzir os juros no próximo ano.

DINHEIRO ? Ben Bernanke, o chefe do Fed, exagerou na dose?
KING
? Não avalio dessa forma. Eu diria que, se a queda no ritmo de crescimento dos Estados Unidos é uma má notícia para 2007, a boa é que o Fed irá reduzir os juros. É possível imaginar uma taxa de 4% ao ano para os títulos do Tesouro americano no fim de 2007.

DINHEIRO ? Qual será o impacto dessa retração para os países emergentes?
KING
? Desde 2000, após uma série de mudanças de regimes cambiais, de fixos para flutuantes, os países emergentes vêm tendo um desempenho muito favorável e a participação dessas nações no PIB global saltou de pouco mais de 30% para cerca de 38% do total. Isso mostra que os emergentes vêm conseguindo crescer acima da média mundial e de forma independente, ou seja, sem muita conexão com o desempenho dos Estados Unidos. E isso se deve a fundamentos internos, como o controle da inflação, o registro de grandes saldos comerciais e uma certa estabilidade nas taxas de câmbio.

DINHEIRO ? Mas e agora?
KING
? Se você olhar o que aconteceu com a taxa de juros americana de um ano para cá, houve uma alta substancial. E o que aconteceu nos países emergentes? Praticamente nada. Veja, se países como a China e a Índia continuarem crescendo no ritmo atual, a demanda por commodities continuará firme, apesar da retração norte-americana. O que eu enxergo para os próximos 18 meses é uma desaceleração suave no preço desses produtos.

DINHEIRO ? Quão suave? 10%? 15%?
KING
? É algo nessa direção, e não quedas abruptas de 50% ou 60%. No fim dos anos 90, o preço das commodities caiu não em função de uma desaceleração dos Estados Unidos, mas sim porque os emergentes entraram em colapso.

DINHEIRO ? E o que acontece com a China quando o ritmo de expansão nos Estados Unidos cai pela metade? Pergunto isso porque a China é quem mais exporta para lá e também um dos principais importadores do Brasil.
KING
? Esse é um ponto interessante. Nos últimos anos, a China continuou crescendo mesmo nos anos de recessão nos Estados Unidos. E, recentemente, as autoridades chinesas tentaram esfriar a economia, sem muito sucesso. Neste ano, eles estão crescendo 10%. Se no ano que vem crescerem 8,5% sobre uma base que será maior, a expansão do produto será praticamente a mesma, em termos absolutos. E talvez essa desaceleração americana seja até uma boa notícia para os chineses, uma vez que eles pretendem fazer um pouso suave.

DINHEIRO ? Um dos seus concorrentes, o banco Goldman Sachs, criou o termo BRIC?s, que inclui Brasil, Rússia, Índia e China. O sr. acredita nesse conceito?
KING
? BRIC é uma palavra bonita e fácil de lembrar. E é um conceito que faz sentido, uma vez que esses países poderão ser beneficiários do processo de globalização. Acho que nos próximos anos iremos enxergar uma globalização ao inverso.

DINHEIRO ? Como assim?
KING
? Até agora, a globalização era entendida por muitos como um fenômeno que permitia a internacionalização de companhias americanas ou européias. Mas é uma via de mão dupla. E o tráfego tende a ser crescente no sentido inverso.

DINHEIRO ? Casos como a compra da siderúrgica francesa Arcelor pela indiana Mittal serão mais comuns?
KING
? Eu imagino que sim, e isso tem criado um debate intenso na Europa e nos Estados Unidos. Uma das conseqüências dos megassuperávits comerciais dos países emergentes é o fato de que suas empresas agora têm a capacidade de investir em companhias americanas ou européias. Meu receio é que isso crie reações contra a globalização.

DINHEIRO ? Uma espécie de neoprotecionismo?
KING
? Exatamente. Há pouco tempo, os chineses tentaram adquirir a Unical, uma empresa de energia nos Estados Unidos, e foram barrados. O mesmo aconteceu quando uma empresa de Dubai tentou adquirir um porto nos EUA. Ficou claro que não interessa ao governo americano que ativos na infra-estrutura caiam em mãos de regimes políticos considerados instáveis ou não confiáveis. E isso, na minha visão, é um sinal negativo.

DINHEIRO ? O que o sr. faria se estivesse na Casa Branca?
KING
? Bom, eu não estou na Casa Branca e por isso posso refletir livremente sobre essas questões. O que fica claro para mim é que, embora a globalização seja um fenômeno sem fronteiras, os políticos sempre agem em nível nacional, onde estão seus eleitorados. Uma globalização plena sem instituições multilaterais ainda é uma utopia.

DINHEIRO ? Qual o poder de fogo dos emergentes hoje?
KING
? Se isso for medido pelas reservas internacionais, só a China tem mais de US$ 1 trilhão. E o aumento do déficit comercial dos Estados Unidos, que cresceu quase US$ 400 bilhões, se deve em grande parte à expansão dos superávits dos países emergentes. São nações que ficam mais ricas e que começaram a gastar.

 

DINHEIRO ? A sua tese é que irão ?comprar? o mundo desenvolvido?
KING
? Terão capacidade para começar a fazer isso. E isso pode criar reações protecionistas, diante da percepção de que os ?campeões nacionais? estariam caindo em mãos estrangeiras. Uma outra conseqüência da globalização é o aumento da desigualdade de renda em países ricos, uma vez que a barganha entre capital e trabalho hoje favorece o capital e as empresas têm cada vez mais capacidade de reduzir custos e produzir fora de seus países de origem.

DINHEIRO ? Crises de grandes companhias americanas como GM e Ford são parte dessa história?
KING
? Sim. São empresas que ofereceram grandes benefícios aos seus empregados num período em que os mercados eram mais fechados e que, hoje, têm encontrado dificuldade para se ajustar.

DINHEIRO ? Voltando aos BRIC?s, por que o Brasil tem um desempenho tão inferior ao dos outros parceiros da lista?
KING
? Embora eu não seja um especialista em Brasil, eu diria que essa performance ruim se deve em grande parte a questões internas. O Brasil é um país que ainda deve perseguir novos ganhos de produtividade e que tem uma situação fiscal não muito confortável.

DINHEIRO ? É também o país que vem sendo exposto há mais tempo a uma taxa de juros de dois dígitos.
KING
? Isso se deve, em grande medida, a uma questão de credibilidade. Nas últimas décadas, o Brasil teve um retrospecto ruim em termos de inflação e respeito aos contratos. Restaurar a credibilidade é algo que leva tempo.

DINHEIRO ? Rússia e a Argentina, que decretaram moratórias recentes, estão crescendo bem mais. Não existe um atalho para o crescimento?
KING
? A reversão extraordinária que houve na Rússia se deve muito mais ao preço do petróleo do que à moratória. Se o valor do barril não tivesse saltado de 20 dólares para mais de 60 dólares, a história não seria tão bonita. Não foi a moratória que salvou o país.

DINHEIRO ? Mas e a Argentina?
KING
? Os números de crescimento recentes são muito positivos, mas a queda anterior foi tão brutal e veio acompanhada de um conflito social duríssimo. Não me parece que seja um exemplo.

DINHEIRO ? De qualquer forma, há a impressão de que o Brasil vem sendo o melhor aluno da classe, mas sem as recompensas devidas.
KING
? Eu penso que o melhor que o Brasil tem a fazer é criar um ambiente estável e seguro para os investimentos. Quanto mais sólidas forem as instituições e maior a confiança, maior será o crescimento no futuro.

DINHEIRO ? Alguns dizem que o Brasil hoje vive a chamada ?doença holandesa?. Preços altos de commodities geram um superávit comercial que aprecia o câmbio e reduz a competitividade de outras indústrias. É esse o caso?
KING
? A doença holandesa é um fenômeno que altera as oportunidades de investimento em vários setores da economia e que nem sempre é totalmente ruim. A Inglaterra passou por algo semelhante nos anos 90, o que enfraqueceu bastante a indústria automobilística local. Mas hoje nós produzimos muito mais carros do que antes, só que com empresas mais eficientes, como Toyota e Mercedes-Benz.

DINHEIRO ? Mas se a China será o grande país manufatureiro da economia global, qual o papel reservado ao Brasil? Produzir grãos e minérios?
KING ?
O Brasil claramente tem vantagens comparativas nessas áreas, mas não é só isso. É um país que também tem uma indústria diversificada. Eu diria apenas que não é conveniente para qualquer país ? e não só o Brasil ? competir com a China numa indústria de baixo custo. Lá, os custos trabalhistas são tão baixos que eles são praticamente imbatíveis. O Brasil deve buscar desenvolver uma indústria que agregue cada vez mais valor e que tenha capacidade de inovação. No fim dos anos 80, alguns diziam que os Estados Unidos estavam liquidados. De repente, surgiu um Bill Gates, no fundo de uma garagem, que inventou um sistema operacional e mudou o mundo.