16/11/2001 - 8:00
DINHEIRO ? O pacote da Argentina foi ou não um calote?
Michael Geoghegan ? Há leituras diferentes e nem mesmo as agências de rating chegam a um consenso. Umas classificaram
como default, outras não. Obviamente há um risco, seria
absurdo dizer que não. Até porque um calote acontece quando a população do país decide não pagar mais ou os financiadores não se dispõem mais a financiar. Não há como impedir as forças do mercado de agir. A Inglaterra tentou fazer isso em 1992, quando sustentou a libra num valor irreal. O final é conhecido: Soros apostou contra a moeda e ganhou.
DINHEIRO ? E o dólar, cai de vez no Brasil?
Geoghegan ? O que acho mais positivo é que o mercado separou claramente o Brasil da Argentina. Isso é encorajador. Ficou claro que o risco de contágio não era material. A balança comercial também mostra sinais positivos. Havia muitas dúvidas, nos mercados globais, sobre o Brasil. Cada vez que aparecia uma manchete negativa sobre a Argentina, a frase seguinte era sobre o Brasil, com uma série de afirmações fortes.
DINHEIRO ? Há chances de a Argentina se recuperar?
Geoghegan ? É uma tarefa difícil. Quando você tem gente apostando contra sua moeda, é necessário um esforço muito maior para gerar confiança. A situação é daquelas nas quais ninguém ganha, nem a Argentina nem a comunidade financeira. Por isso todos estão dispostos a ajudar. Mas será necessário fazer mais do que já vimos até agora.
DINHEIRO ? Se a atual situação da Argentina permanecer, que efeito isso pode ter sobre o Brasil?
Geoghegan ? Em muitos aspectos, falando francamente, é bom. Os bens produzidos aqui são mais baratos que os produzidos na Argentina, o custo do trabalho é menor. Felizmente o Brasil tem grande capacidade de multimanufatura, empresas podem mudar o que produzem de forma ágil, para atender o mercado. Isso é importante num momento em que existe excesso de capacidade instalada em todo o mundo.
DINHEIRO ? Vai haver uma recessão global?
Geoghegan ? Sim. Não tenho dúvida que teremos crescimento negativo nos próximos dois trimestres, e não vejo nenhum país do mundo mostrando crescimento substancial. Deve ficar feliz quem atingir 1% ou 1,5% no próximo ano. A Alemanha, o país mais rico da Europa, reduziu sua previsão de aumento do PIB em 2002 para 0,7%. O maior problema é a situação nos EUA, a maior economia do mundo. Há uma falta de confiança generalizada, e não há noção clara do que está por vir. O problema estava lá antes de 11 de setembro. Havia uma grande diminuição nos gastos de pessoas e empresas, a qualidade dos empréstimos se deteriorou no segmento dos consumidores. Eram indicadores que já apontavam para problemas que não se resolveriam no curto prazo.
DINHEIRO ? Como isso afeta o Brasil?
Geoghegan ? A economia mundial está na situação mais frágil que já vi, com todos os países ricos em clima de recessão. Se a situação nos Estados Unidos não melhorar, sofreremos impactos. Não adianta pensar que o Brasil está isolado da economia mundial, porque não está. Se os americanos pegam um resfriado, nós pegamos pneumonia. A Ásia não vai crescer, o Oriente Médio não cresce, a Europa está numa pasmaceira comercial. Os gastos de capital devem se reduzir dramaticamente. Não vi nenhuma empresa, em todo o mercado global, dizendo que pretende investir. Todos vão cortar. É um fenômeno global, o desemprego está chegando.
DINHEIRO ? Qual a maior preocupação, a guerra ou a recessão que já se anunciava?
Geoghegan ? Acho que a chamada ?guerra? é especialmente preocupante, porque não se sabe o que acontecerá no próximo estágio. Antes de 11 de setembro, era visível que o investimento global iria se reduzir, e isso é fundamental para o Brasil, que precisa de US$ 40 bilhões no ano ? não estou muito confiante de que eles virão. O impacto da guerra é um elemento novo nessa equação. Há excesso de capacidade instalada em toda a indústria global ? dos bancos às fábricas de brinquedos. Muita gente produz muitas coisas que você não precisa realmente. Quantas televisões você pode ter em sua casa, quantos DVDs? Veja a montanha de eletrônicos que você tem em casa. PC, laptops, telefones celulares. Esse processo atingiu a exaustão. Ninguém compra mais. Se você tem um celular, não vai trocá-lo só porque apareceu outro novo. Você faz isso quando o orçamento está folgado. Senão, você adia a troca. E o que acontece com a indústria, que tem excesso de produção? A Suécia tem mais celulares que habitantes. Para quem eles vão vender? Os estoques estão se empilhando.
DINHEIRO ? A economia pontocom se recupera?
Geoghegan ? Isso me parece conversa de analista. Eu não vejo essa tendência. Se você olhar para os preços das ações em geral, ao redor do mundo, elas ainda estão muito caras. Quando você compara o preço com a lucratividade das companhias ? e eu sei que não está na moda fazer isso ? ainda estão muito caras. Acho que ainda está para acontecer uma correção para baixo nas cotações. Por causa da queda dos juros no mundo, principalmente nos Estados Unidos e na Europa, as pessoas estão olhando cada vez mais para os dividendos que os papéis pagam. Há muitas ações na Bolsa de Nova York e na Nasdaq que nunca pagaram dividendos. Vão ter de se acostumar ao fato de os donos das ações quererem dinheiro, e se o preço delas não subir, é bom que paguem dividendos. E que sejam acima dos juros do mercado.
DINHEIRO ? O sr. acha que a sobrevalorização de ações é geral?
Geoghegan ? Acho que sim. Desculpe se desapontei os analistas. Acho que o exagero é menor nas indústrias mais maduras, mas ainda assim existe. E acho que o mercado fará essa correção. Há um contra-argumento, que diz que as taxas de juros estão tão baixas que as pessoas devem se conformar e comprar ações que pagam poucos dividendos. Mas para o investidor profissional isso é inaceitável. É necessário contrabalançar os riscos. Alguém só compra ações caras se possui uma expectativa firme de que as vendas irão crescer e haverá lucros fantásticos pela frente. Ninguém espera isso agora.
DINHEIRO ? O dinheiro dos americanos está em ações. Se elas estão sobrevalorizadas, devem cair. Isso significa que a economia americana vai encolher… Não há esperança, então?
Geoghegan ? Você não é a primeira pessoa que me pergunta isso. Acho que, realisticamente, passaremos por um período de reflexão e tomada de consciência. Ninguém discutiria hoje que o crescimento atingido pela América na segunda metade dos anos 90 era insustentável. Haverá um choque de realidade no mercado, haverá desemprego e será preciso fazer um ajuste de expectativas. Nos Estados Unidos, as pessoas não estavam economizando porque havia dinheiro fácil. Você punha dinheiro em pontocom. Comprava na segunda, vendia na sexta e ia para Las Vegas torrar o dinheiro. Existe um limite para quanto tempo esse cenário pode subsistir.
DINHEIRO ? E as ações no Brasil, que já estão deprimidas?
Geoghegan ? O desafio para o mercado de capitais brasileiro
é criar confiança no investidor. É irônico que, quando
olhamos para os investidores profissionais, os fundos de pensão, eles têm apenas 16% investidos em ações. É pouco. O mercado é fundamental. A lei das S/As, que reforça os direitos dos
minoritários, é um passo fundamental para tentar dar essa partida. E ao mesmo tempo é preciso convencer a todos que investir em ações cria riqueza. O mercado global não está bom para países emergentes. É importante criar um mercado que estimule a poupança interna, e que dependa menos do especulador internacional, que não está lá para investir nas empresas, mas para aproveitar oportunidades e depois ir embora. Há companhias muito boas no Brasil, pelos critérios internacionais. Precisaremos de dedicação dos fundos de pensão, para participar do processo, e de coragem dos bancos. Estamos num momento crucial. Também será preciso paciência e educar os investidores.
DINHEIRO ? Vai faltar dinheiro para mercados emergentes?
Geoghegan ? O HSBC está nesse negócio há 135 anos. Temos 50% de nossas operações em países emergentes. Se estivéssemos errados não teríamos sobrevivido nesse negócio durante tanto tempo. Mercados emergentes passam por períodos difíceis, mas depois eles voltam à tona, crescem, e os resultados são sempre impressionantes. Veja o Brasil, nessa atual administração. Se você dissesse, no tempo do real a um dólar, que seria possível quebrar a paridade sem causar inflação, diriam que era impossível. Mas aconteceu. O Brasil é maduro, como país e como economia. Por isso é estimulante. Investimos US$ 1 bilhão aqui, compramos três bancos, e foi um excelente negócio. Não sou negativo, de maneira alguma, sobre mercados emergentes. Eles são um grande negócio.
DINHEIRO ? Companhias globalizadas precisam se preocupar mais com o terrorismo?
Geoghegan ? Não, na verdade não. Veja só: o back office do banco no Reino Unido é feito na Índia, e é pouco provável que haja ataques terroristas lá. O conceito de descentralizar sua operação em vários lugares diferentes é benéfico. Em São Paulo temos problemas de energia, mas nossos computadores centrais estão em Curitiba, onde não existe esse tipo de crise ? e o custo é 33% menor. O back office da Argentina também é feito em Curitiba. Tínhamos operações no World Trade Center e também no centro de Manhattan. Nosso back office para Nova York fica em Buffallo. Isso significa que 30 minutos depois do atentado, estávamos em condições de trabalhar.
DINHEIRO ? Quais são os planos do banco para o Brasil?
Geoghegan ? Vamos crescer organicamente, com foco no cliente. E ficaremos de olho em outras aquisições, por exemplo de gente que está saindo de operações no País.
DINHEIRO ? Os investidores têm medo de uma vitória da oposição nas próximas eleições?
Geoghegan ? Pessoalmente, acho que quando você está na oposição por muito tempo e chega ao poder não vai desperdiçar seu tempo fazendo besteiras. O melhor exemplo é o Tony Blair, que vinha de um partido totalmente inelegível, o Partido Trabalhista inglês. Inelegível, não dava para votar. Bem, ele esteve aqui, você o viu, e você dificilmente o chamaria de esquerdista, no sentido clássico. Ele é um político pragmático. Seu governo tem muito pouco da histórica visão esquerdista. Ele não conseguiria implementar uma agenda desse gênero ? assim como a extrema direita também não conseguiria. Não basta chegar ao poder; daí em diante é preciso governar, e aí você tem de ser pragmático. Eu identifico nessa pergunta um clássico nervosismo brasileiro, medo de que o dinheiro deixe o País, algo assim. Mas não vejo perspectiva de mudança da atitude dos investidores internacionais em relação ao País. Não acho que a política doméstica influencie tanto.