Sem novos projetos em carteira e caixa limitado para honrar os compromissos assumidos nos tempos de bonança da economia, as empreiteiras adotaram uma estratégia agressiva e arriscada para se manter de pé. Do ano passado para cá, os deságios oferecidos nas licitações de obras públicas têm beirado os 50% – movimento que já acendeu um sinal de alerta nos tribunais de contas da União e dos Estados. A preocupação é que a aparente vantagem competitiva se transforme num amontoado de problemas no futuro, com a paralisação das obras por falta de dinheiro.

A redução dos preços tem sido uma tática tanto das pequenas como das grandes construtoras, que surfaram na onda dos megaempreendimentos de infraestrutura construídos no início da década. Com a crise econômica e aperto fiscal dos governos, os investimentos despencaram e as obras diminuíram, pegando muitas empresas no contrapé, uma vez que elas tinham inchado suas estruturas e se endividado no mercado.

Para as companhias envolvidas na Operação Lava Jato, da Polícia Federal, a situação foi pior. Além da falta de obras, elas tiveram de lidar com a perda de reputação no mercado. Agora, para honrar compromissos, estão tendo de disputar com as empreiteiras menores obras que no passado eram ignoradas pelo tamanho e pelo valor. “Quando uma construtora de grande porte disputa concorrências de menor valor, ela tem a seu favor a capacidade logística já instalada, expertise de trabalho e tecnologias adequadas aos serviços”, explica a Camargo Corrêa, que deu lances ousados nas últimas licitações.

A empresa deu desconto de quase 40% para construir a Estação Morumbi do Metrô de São Paulo, com proposta de R$ 107 milhões; 30% nas obras do Sistema de Saneamento Billings, da Sabesp, de R$ 89 milhões; e 44% no corredor de ônibus de Salvador, de R$ 212 milhões. Nesse caso, a construtora justifica que foi responsável pelo projeto básico da obra, o que possibilitou a redução dos custos e melhora da eficiência.

A construtora OAS, em recuperação judicial, também derrubou os preços nas últimas licitações. Na Barragem de Pedreiras, do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE-SP), a empresa – que não quis comentar o assunto – ofereceu um deságio de 45% e na Barragem Duas Pontes, 38%. O valor das duas obras caiu de R$ 740 milhões para R$ 427 milhões. Na Bacia do Rio Itapanhaú, a proposta da empresa foi 46% inferior ao orçado pela Sabesp, responsável pela obra, que agora custará R$ 90 milhões.

Os exemplos acima são apenas uma amostra do que tem ocorrido no mercado de construção, uma vez que as empreiteiras menores estão no mesmo ritmo das grandes empresas. Mas o que poderia significar elevado grau de competitividade também pode ser um alerta, um risco maior para o empreendimento. “Um desconto de 50% numa obra acende a luz amarela para a fiscalização. Essa obra vai exigir um grau maior de atenção (para que o contrato seja cumprido)”, afirma o coordenador geral de Fiscalização de Infraestrutura do Tribunal de Contas da União (TCU), Nicola da Costa.

Com base em auditorias, ele diz que há vários riscos para o Poder Público. Um deles é o chamado superfaturamento de qualidade, em que o contrato prevê materiais de uma determinada qualidade e a empresa vencedora usa outros produtos com qualidade inferior.

“Há também aqueles que apostam nos aditivos para recompor o valor dos contratos”, diz o presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE) de São Paulo, Renato Martins Costa. Segundo ele, esse é um mecanismo legal, limitado a 25% do valor do contrato, mas que nos últimos anos foi usado de forma inapropriada. A Camargo Corrêa, em nota, frisou que é contra os aditivos, mas, caso ocorram, precisam ser tecnicamente detalhados e justificados.

Executivos ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo afirmam que os deságios altos têm surpreendido o setor e tirado muita gente do páreo nas disputas. Antes desse movimento atual, os descontos ficavam na casa entre 10% e 20%, afirma o presidente da Associação dos Empresários de Obras Públicas (Apeop), Carlos Eduardo Lima Jorge.

Reação

Muitas empresas preferem sacrificar os lucros e deixar que as obras cubram apenas os custos fixos, que caíram muito desde o início da crise e da Lava Jato, destacam os advogados Fabio Gil e Daniel Stein, do escritório Barros Pimentel, Alcantara Gil e Rodriguez Advogados. As construtoras também precisam mostrar reação aos bancos para conseguir refinanciar suas dívidas. “Estamos vivendo um período atípico, de ajuste”, diz Gil.

Procurados, Sabesp, DER, DAEE e Secretaria de Estado dos Transportes Metropolitanos (STM) afirmaram que seguiram todos os critérios da legislação para declarar os vencedores das licitações. Disseram ainda que acompanham e fiscalizam com rigor as obras. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.