Companhias aéreas estão cobrando uma nova taxa para garantir que a bagagem de mão do passageiro tenha espaço dentro da cabine do avião e que não seja despachada. Embora a prática não seja proibida pelo Código de Defesa do Consumidor, especialistas acreditam que a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) poderia regulamentar melhor o mercado de transporte aéreo de pessoas.

A Latam é uma das empresas que oferece este tipo de serviço. Para garantir espaço para sua bagagem de mão dentro da aeronave, o cliente pode pagar pelo “Embarque Premium”, que custa R$ 10 e permite ao consumidor entrar antes dos demais viajantes.

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Ou seja, os que optarem por esse serviço poderão embarcar no terceiro grupo, logo após os passageiros com embarque preferencial sem custo adicional descritos pela Lei 10.048/2000, a qual prevê que pessoas com deficiência, idosos com idade igual ou superior a 60 anos, gestantes, lactantes, pessoas com crianças de colo e obesos terão atendimento prioritário.

A GOL, por sua vez, oferece prioridade na acomodação da bagagem de mão em um compartimento exclusivo para os clientes com assentos GOL+ Conforto em voos domésticos e clientes da classe “GOL Premium Economy” em voos internacionais operados pela GOL. A Azul não informa se possui serviços com oportunidades parecidas.

Legislação brasileira

Segundo o professor doutor Lourenço de Miranda Freire Neto da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o Código do Consumidor veda uma série de práticas abusivas, mas a regulamentação da prática específica de cobrança por prioridade de bagagem não se encontra objetivamente descrita como conduta vedada. “A forma de regulamentar tais práticas de maneira pormenorizada é por meio dos atos normativos da Anac”, afirma.

Para Igor Britto, diretor de relações institucionais do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), faltam regras claras sobre o assunto porque a Anac estaria sendo omissa em relação ao que as empresas reguladas podem cobrar.

“Além disso, não temos no Brasil nenhuma norma que trate sobre programas de fidelidade e milhagem, o que torna ainda mais aberto para as companhias aéreas criarem novos serviços, privilégios e cobranças”, critica.

No mesmo sentindo entende Stéfano Ribeiro Ferri, advogado especialista em Direito do Consumidor e Saúde. “Não há nenhuma norma no Código do Consumidor sobre a prioridade na alocação de bagagens. Este vazio normativo permite que as companhias aéreas criem estratégias, sem qualquer limitação, para lucrar com a própria prestação defeituosa dos serviços, transferindo o ônus ao consumidor”.

Em nota, a Anac informa que “sob as disposições da Resolução ANAC 400/2016, as empresas aéreas podem oferecer serviços opcionais, e o serviço de prioridade de embarque é uma dessas possibilidades. Vale lembrar que a cobrança desses serviços específicos é prática comum nos principais países do mundo e possibilita a atuação de empresas aéreas com diferentes modelos de negócios, o que, a médio e longo prazo, tende a atrair mais concorrência para o setor”.

Ainda segundo a agência, “no que tange ao transporte de bagagem de mão, é importante destacar que todo passageiro tem direito a uma franquia de bagagem de mão, que é de, no mínimo, 10 quilos, nos termos da Resolução 400/2016, que dispõe sobre as condições gerais de transporte aéreo. Contudo, o transportador poderá restringir o peso e as dimensões da bagagem de mão por motivo de segurança ou de capacidade de aeronave, conforme informações obrigatoriamente contidas no contrato de transporte. Nesses casos, as bagagens deverão ser despachadas sem cobranças adicionais ao passageiro”.

Possíveis soluções

Ferri acredita que é preciso criar mais limites para a atuação das empresas aéreas. “Apesar da Anac reconhecer a possibilidade de que as companhias ofereçam serviços adicionais, é fundamental a imposição de limites, sempre observando as disposições do Código de Defesa do Consumidor, conferindo previsibilidade e segurança jurídica aos usuários”, afirma.

Freire Neto destaca que a falta de qualidade e os altos preços dos serviços no Brasil tem como principal fator a concentração de mercado. “A saída mais razoável seria empreender mudanças normativas que permitam uma maior competitividade, com a facilidade de ingresso de operadoras estrangeiras nas diversas rotas nacionais”, defende.

Para Britto, se o consumidor foi obrigado a se adaptar a novas regras adquirindo malas dentro dos limites estabelecidos para que sejam acomodadas dentro da cabine, é preciso tratar isso como um direito que as pessoas passaram a exercer. “Mesmo porque todos tiveram que aceitar a cobrança pela bagagem despachada. A Anac e os órgãos de defesa do consumidor deveriam garantir que as companhias aéreas parem de criar formas de desrespeitar esses nossos direitos”, avalia.

“As empresas aéreas cobram por ‘serviços extras’, mas parecem reconhecer que seus serviços são ruins, pois cobram por aquilo que deveria ser um diferencial competitivo. São cobranças que elas vendem como um ‘serviço premium’, um ‘diferencial para quem quer mais conforto e praticidade’, mas que no fundo são formas de cobrar para a pessoa conseguir ‘entrar primeiro no avião’, ‘garantir um espacinho da sacola e da mochila no bagageiro superior’ ou para ‘evitar sentar na poltrona do meio’”, complementa o diretor do Idec.

Por fim, ele afirma que cobranças adicionais até poderiam ser toleradas se a qualidade dos serviços prestados fosse melhor. “Se o serviço básico fosse minimamente confortável e respeitoso, até toleraríamos cobranças extras, mas viajar de avião é caríssimo e desconfortável, sendo uma alternativa apenas para os que podem evitar as longas e perigosas estradas brasileiras”.