A concessão de uma liminar, pelo ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendendo a desoneração da folha de pagamentos de 17 setores da economia provocou uma forte reação dos setores envolvidos. A avaliação é que a decisão gera uma situação de insegurança jurídica e coloca em risco empregos e o equilíbrio econômico-financeiro das empresas. Um cálculo da União Geral dos Trabalhadores (UGT) aponta para a possibilidade de perda de 1 milhão de empregos no País sem a desoneração. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, prometeu recorrer da decisão de Zanin.

“Esperamos que no julgamento do mérito da ação impetrada pelo governo contra os efeitos da Lei 14.784/2023, que prorrogou a desoneração até 2027, esta seja mantida pelo STF”, disse, em nota, a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit). “Caso contrário, as consequências econômicas e sociais serão graves, com agravamento do desemprego.”

De acordo com a associação, cabe considerar que “as empresas, embasadas na promulgação soberana de uma lei pelo Congresso Nacional, já fizeram investimentos, contrataram pessoas e se planejaram para um ambiente regulatório, até 2027, no qual os custos trabalhistas referentes à contribuição previdenciária patronal seriam menores. Portanto, um retrocesso da legislação seria altamente nocivo, evidenciando por que a insegurança jurídica tem sido um dos fatores mais corrosivos da competitividade e agravamento dos custos das empresas que operam no Brasil”.

Segundo a Abit, ao judicializar essa questão, “o Executivo cria um cenário de total imprevisibilidade, que gera incertezas, abala a confiança dos setores produtivos e conspira contra a manutenção e criação de empregos”.

Para a presidente da Federação Nacional de Call Center, Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e de Informática (Feninfra), Vivien Mello Suruagy, a decisão de Zanin mostra falta de sensibilidade com as empresas e, principalmente, com os trabalhadores. “Estamos em choque com essa decisão, que vai estimular a quebra de empresas e causar demissões. Haverá paralisação de investimentos essenciais e uma perda de credibilidade do País, por causa da insegurança jurídica”, disse, em nota.

Vivien Suruagy lembra, ainda, que a decisão liminar contraria a vontade de grande parte do Congresso. “Onde está o respeito à maioria dos parlamentares, que aprovaram no ano passado a continuidade da desoneração até 2027 e, posteriormente, derrubaram o veto presencial que restringia seus efeitos?”

A executiva ressaltou, na nota, que o próprio Supremo, por meio do então ministro Ricardo Lewandowski, já julgou em 2021 a constitucionalidade da desoneração. “O governo está alegando, agora, a inconstitucionalidade da medida. Vai mudar o que já foi decidido por Ricardo Lewandowski, que agora é ministro da Justiça?”, argumentou. “É uma incoerência de um governo que, historicamente, sempre defendeu a bandeira do emprego.”

Outro setor atingido, o calçadista, também reagiu. O presidente executivo da Abicalçados, Haroldo Ferreira, disse que a medida é um retrocesso, já que a desoneração da folha de pagamentos já havia sido amplamente discutida – e aprovada – no Congresso Nacional, inclusive com parlamentares da base de apoio do Governo Federal.

“É um balde de água fria para o setor calçadista, que recentemente reportou a criação de mais de 5 mil empregos no primeiro bimestre do ano, no que parecia ser o início de uma recuperação lenta e importante depois de um ano de 2023 de dificuldades”, disse, em nota. Segundo o executivo, a decisão do STF ilustra o crescimento dos custos produtivos no Brasil. “O assunto estava pacificado após ampla mobilização e discussões no Congresso Nacional, mas infelizmente o Governo Federal não respeitou a vontade do parlamento. É uma medida que enfraquece a política e a própria democracia.”

O presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech, foi outro que criticou a decisão de Zanin. “O entendimento geral é que a extensão da desoneração dos 17 setores é plenamente constitucional. A manutenção da desoneração tem sido decisiva na geração e preservação de empregos”, disse.

Flavio Roscoe, presidente da Federação das Indústrias dos Estados de Minas Gerais (Fiemg), disse que a decisão liminar de Zanin é um equívoco e gera insegurança jurídica. “A desoneração já existe há mais de 10 anos, foi aprovada pelo Congresso e criada pelo próprio governo que está questionando. Essa questão está mais do que fundamentada. Na nossa leitura, isso cria uma instabilidade jurídica enorme e acreditamos que esse não é o melhor caminho.”

Para ele, na prática, esse valor não estava previsto no Orçamento federal, já que a desoneração existe há uma década. Nesse caso, não há supressão de receita, que é o argumento do governo ao STF. “O governo apenas manteve um incentivo já vigente, não houve uma isenção adicional. Nesse sentido, a inconstitucionalidade não existe, tanto é que o governo não a adotou na primeira iniciativa, ele tentou mudar a medida no Congresso. Como não deu certo, ele decidiu judicializar.”

Trabalhadores

Além das empresas, a suspensão da desoneração também preocupa sindicatos de trabalhadores, por seus potenciais efeitos nos empregos. “A desoneração da folha permite que as empresas mantenham e, principalmente, aumentem o nível de emprego”, disse, em nota, Ricardo Patah, presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT). “Até um estudante de economia em formação sabe que emprego gera renda, renda impulsiona o consumo, e o consumo resulta em impostos, os quais o governo afirma perder com a desoneração da folha. Logo, há uma incoerência na decisão.”

Para Patah, a decisão do ministro Zanin tem efeito imediato. “Já na próxima semana é possível que ocorra um aumento no volume de demissões em todo o país. A UGT, representando 12,5 milhões de trabalhadores de todos os setores econômicos, espera que o STF julgue a ação de forma definitiva, rejeitando os argumentos do governo e restabelecendo o projeto aprovado pelo Congresso, evitando assim milhares de demissões”, disse.

Municípios

A decisão de Zanin, que foi acompanhada nesta sexta-feira, 26, pelos ministros Flávio Dino e Gilmar Mendes, provocou reação também dos prefeitos – a decisão suspendeu a desoneração das folhas dos municípios. Em nota, o presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, disse “repudiar profundamente” que o governo federal “atue pela retirada de uma conquista estimada em R$ 11 bilhões por ano ao judicializar a Lei 14.784/2023?.

“É lamentável retirar a redução da alíquota para aqueles que estão na ponta, prestando serviços públicos essenciais à população, enquanto há benefícios a outros segmentos, com isenção total a entidades filantrópicas e parcial a clubes de futebol, agronegócio e micro e pequenas empresas”, disse. “O movimento municipalista reitera que a Lei 14.784/2023, nesses três primeiros meses do ano, garantiu uma economia de R$ 2,5 bilhões, do total de R$ 11 bilhões estimados para o ano.”

Estudo do governo

A Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda, porém, divulgou um novo estudo nesta sexta-feira, 26, colocando em xeque a eficiência da política de desoneração da folha de pagamentos do setor privado. “Dado o elevado custo fiscal da medida (R$ 15,8 bilhões estimados para 2024), que implica menor disponibilidade de recursos para outras políticas públicas essenciais, pode-se concluir que a prorrogação irrestrita do modelo de desoneração contraria o interesse público”, diz o documento.

O estudo avaliou a dinâmica das atividades desoneradas em relação às que não tiveram o benefício. O documento diz que as atividades desoneradas representavam 17% do número de vínculos e 7% da massa salarial em 2021, números que diminuíram ao longo da vigência da política, no agregado. “Embora não se trate de números desprezíveis, não há respaldo para o rótulo de ‘17 maiores empregadores’”, diz o texto. Segundo o documento, no período entre 2015 e 2021, as atividades desoneradas tiveram retração no número de vínculos e no rendimento agregado, ao passo que as atividades não desoneradas expandiram o número de vínculos e a massa salarial.

O pedido de suspensão da desoneração, feito pela Advocacia Geral da União ao STF e acatado por Zanin, argumenta que a lei que prorrogou a desoneração é inconstitucional porque não demonstrou o impacto financeiro da medida.

Mas a judicialização do tema criou um novo embate do governo com o Legislativo. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, prometeu entrar ainda hoje com recurso contra a decisão. Segundo ele, o Congresso aprovou medidas para o governo aumentar sua arrecadação, e que esse incremento paga a desoneração sem problemas.

Idas e vindas

Adotada desde 2011, a desoneração é um benefício fiscal que substitui a contribuição previdenciária patronal de 20%, incidente sobre a folha de salários, por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta. Na prática, a medida reduz a carga tributária devida pelas empresas. O benefício, porém, perderia a validade no fim do ano passado.

O Congresso, então, aprovou em outubro um projeto prorrogando até 2027 a desoneração da folha de 17 setores e também reduzindo a alíquota de contribuição previdenciária de pequenos municípios. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou o projeto em novembro, mas o Congresso derrubou o veto integral em 14 de dezembro, com placares folgados. O governo tentou a reoneração via medida provisória, o que acabou não dando certo, por conta da forte reação do Congresso. A ida ao STF é, por isso, apenas o mais novo capítulo dessa briga.

Veja abaixo quais são os setores afetados pela medida:

Confecção e vestuário;

Calçados;

Construção civil;

Call center;

Comunicação;

Empresas de construção e obras de infraestrutura;

Couro;

Fabricação de veículos e carroçarias;

Máquinas e equipamentos;

Proteína animal;

Têxtil;

TI (tecnologia da informação)

TIC (tecnologia de comunicação)

Projeto de circuitos integrados;

Transporte metroferroviário de passageiros;

Transporte rodoviário coletivo;

Transporte rodoviário de cargas.