Empresas traçam trajetórias quase semelhantes a seres humanos ? nascem, crescem e, em geral, também morrem. Segundo o Sebrae, metade das companhias desaparece antes de completar dois anos de existência. São vítimas de diversos males: tropeços na gestão, uma brusca mudança de mercado, o surgimento repentino de uma nova tecnologia, entre outros. Não morrem aquelas com capacidade de se reinventar, ou seja, identificar o esgotamento de sua atividade e encontrar um novo caminho a seguir. ?Hoje, não há mais ondas de instabilidade no mundo dos negócios. A instabilidade é permanente?, afirma James Wright, coordenador de Estudos do Futuro, da FIA. ?As empresas precisam estar em constante mutação, adaptando-se às exigências de cada momento?. A grande dificuldade, alerta ele, é identificar o momento de mudança. A transposição, porém, deve ser cuidadosamente planejada, segundo quem já passou por essa mutação. ?O primeiro passo é eleger um produto e colocar todo o foco nele?, afirma João Farina, dono da gaúcha Todeschini, fabricante de móveis.

 

Em 1971, Farina acabara de comprar a empresa, então fabricante de instrumentos musicais de fole, como acordeões. O advento das guitarras elétricas desafinou seu negócio. ?Ninguém queria mais saber de sanfona?, diz ele. Nessa época, um incêndio destruiu inteiramente a fábrica da companhia, localizada em Bento Gonçalves (RS). ?Como fiquei sem nada, poderia construir tudo?, afirma ele. Primeiro passo: Farina decidiu fabricar móveis, pois dominava a manufatura com madeira, necessária para a produção dos instrumentos musicais. Segundo passo: encontrar o que a diferenciasse no mercado. ?Poucos faziam móveis de cozinha, pois eram os mais difíceis. E quem os fazia não conseguia entregar rapidamente?, recorda. A Todeschini passou a produzir módulos de madeira que, combinados, geravam dezenas de modelos de móveis de cozinha. Ao mesmo tempo, espalhou filiais pelo País, com estoques, que permitiam a entrega 48 horas depois da venda. Essa fórmula transformou a Todeschini na maior indústria do setor na América Latina, com faturamento de R$ 250 milhões e uma rede de 520 lojas no País. ?Empresário que é empresário se reinventa o tempo todo?, diz Farina.

O consultor Sachin Mehta, diretor geral da Europraxis, especializada em alta gestão e estratégia, descreve um roteiro para colocar em prática o conceito de Farina. Um: verifique sem parar as ameaças à perenidade de seu negócio. ?Não é ruim ser um pouco paranóico?, brinca Mehta. Dois: identifique as capacitações, habilidades e ativos que a empresa possui. ?Em outras palavras, responda: no que eu sou bom??, diz ele. Terceiro: com base nessa análise, defina o novo alvo de atuação da companhia. ?Empresas de sucesso aplicam permanentemente essa receita?, afirma. Em 1961, um grupo de profissionais criou a Promon, especializada na elaboração de projetos de engenharia. Eram enormes salões repletos de pranchetas. Mas, de acordo com o momento do País, a empresa adquire uma nova feição. ?Temos 45 anos de reinvenções?, diverte-se Luiz Ernesto Gemignani, presidente da Promon. A companhia já fabricou centrais telefônicas, montou e explorou redes de telefonia e ofereceu serviços de infra-estrutura para internet. Hoje, é principalmente uma integradora de grandes projetos. Em alguns momentos, 85% dos clientes eram estatais. Hoje, 100% são privados. ?Gostamos de conviver com a falta de nitidez do futuro. Não somos fazendeiros. Somos caçadores nômades?, compara Gemignani.

Esses ?traços de personalidade?, como diz Gemignani, exigem uma estrutura específica, ?meio fluída?, capaz de encolher ou crescer de acordo com a necessidade. A liquidez sempre encontra-se em patamares elevados. O ativo circulante é o dobro do passivo circulante. Empréstimos junto a bancos são proibidos. O único débito hoje é de R$ 12 milhões, com o BNDES ? isso para uma empresa que fatura R$ 530 milhões por ano. A palavra ?imobilização? não aparece no dicionário da Promon. A sede da companhia é alugada, embora o prédio tenha sido projetado e construído por ela. Até os computadores são adquiridos através de leasing. ?Podemos devolvê-los a qualquer momento?, diz Gemignani. A ordem é terceirizar. Sempre. ?Se a Promon fizesse tudo dentro de casa, teríamos cinco mil funcionários?, calcula Gemignani. ?Não somos mais do que 800 pessoas.? Os resultados são vistosos. Em 45 anos de existência, a empresa nunca viu o vermelho em seu balanço. ?Temos a mudança em nosso DNA?, diz ele.

 

O segredo reside em decifrar o DNA. A americana Iron Mountain sempre se dedicou ao armazenamento de documentos. Com o advento da informática, surgiu a ameaça: como sobreviver diante da inevitável redução do volume de registros em papel? A resposta: continuar fazendo o que sabe, ou seja, armazenar. ?Entramos na era digital?, diz Wilson Conti, diretor de marketing e vendas da filial brasileira. Na Europa, a Iron Mountain guarda amostras de solo e rochas do oceano, extraídas por órgãos governamentais. Quando eles abrem licitações para exploração de petróleo, os interessados procuram os laboratórios da Iron para fazer as análises necessárias e preparar suas propostas comerciais. O mesmo ocorre com amostras de plantas, destinadas para pesquisas médicas. A empresa também recebeu a incumbência de manter a coleção de fotografias antigas do homem mais rico do mundo, Bill Gates. A filial brasileira seguiu caminho idêntico. Hoje, todas as matrizes de música pertencentes à Sony Music encontram-se nos depósitos da Iron. Para isso, um ambiente especial foi construído, com temperatura e umidade controladas, câmaras de vigilância 24 horas e até um estúdio para copiar as matrizes. Esses serviços são os principais responsáveis pelo crescimento anual de 15% a 20% registrado pelo grupo no mundo, o que lhe garante a liderança do setor no mundo.

?Há um lema que sempre uso: roube sua própria liderança antes que outros o façam?, diz Wright, da FIA. A NCR adotou esse princípio, mas teve que fazer uma cirurgia radical em sua estrutura. Há 122 anos, a empresa inventou a máquina registradora tradicional e durante décadas dedicou-se a fabricá-las. Hoje, sua atuação vai de máquinas de auto-atendimento à consultoria em sistema. ?No Brasil, ainda não havíamos nos adaptado ao novo momento do grupo?, diz Elias Silva, presidente da filial brasileira. ?Poderíamos ter o triplo do tamanho de hoje.? Aos 41 anos, Silva assumiu a posição há alguns meses. Desde então, renovou 80% da equipe comercial, trouxe a fabricação das ATMs, antes importadas, para dentro do País e criou um grupo de desenvolvimento de produto específico para a setor financeiro, seu maior cliente. ?Não representamos sequer 3% do faturamento mundial da NCR, nem 50% do resultado da América Latina?, diz Silva. ?Essa será nossa maior reinvenção”.