Executivos de Santander, C&A, Bradesco, Alpargatas, Porto Seguro e Natura já recorreram ao pesquisador Dante Gallian. Formado em história e criador da Casa Arca, que define como um “refúgio de paz”, ele tem ajudado empresas a adotar uma visão mais humanista

Como surgiu o conceito de responsabilidade humanística?
Há 20 anos, fui chamado pela Escola Paulista de Medicina para estudar o distanciamento entre o profissional de saúde e os pacientes. Havia uma demanda para saber como voltar a humanizar o tratamento médico.

E que mecanismos poderiam mudar esse cenário?
Meio informalmente, criei um laboratório de leitura. Eu pedia para os alunos lerem clássicos da literatura, e nos reuníamos para discutir morte, dor, paixão, alegria e felicidade. Começou a ter um impacto extraordinário. Então, algumas pessoas do mundo corporativo vieram me dizer que também buscavam isso.

Como isso se manifesta no mundo corporativo?
De uns 10 anos para cá, percebemos que grande parte das doenças é causada no ambiente de trabalho. O mundo corporativo se tornou um grande produtor de moléstias, em especial, as psicossomáticas: depressão, pânico e “burnout”. Tivemos a proposta de fazer um piloto na Natura, que deu muito certo. E apareceu o conceito de responsabilidade humanística.

O que isso significa?
O mundo corporativo passou por grandes transformações nas últimas décadas. A primeira foi perceber que a empresa não serve só para gerar lucro. Ela tem uma responsabilidade social. Depois, surgiu o conceito de responsabilidade ambiental. Faltava falar da alma e da saúde num sentido integral. Depois da responsabilidade ambiental e social, vem a responsabilidade humanística.

Quais foram os resultados?
As pessoas que fizeram as experiências na Natura nunca poderiam imaginar que discutiriam beleza, o negócio da empresa, lendo O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde. Ou liderança e sucessão a partir de William Shakespeare.

E os benefícios para as empresas?
Uma empresa humanisticamente responsável consegue reter os seus talentos, aumentar o nível de satisfação, inovação e criatividade. Tem menos “burnout“, menos absenteísmo. As empresas que não tomarem consciência da responsabilidade humanística vão ficar para trás.

É um erro atual as pessoas considerarem apenas a lógica da produtividade?
Óbvio que, se não existe produtividade, não se tem lucratividade. Mas é preciso encontrar uma equação com a saúde. A empresa tem de ser produtiva sem adoecer os seus colaboradores. As pessoas passam a maior parte do tempo no trabalho e estão padecendo de solidão, isolamento e depressão.

Qual é a grande dificuldade para chegar nesse balanço?
A lógica do empresário ainda é fordista. Aperta, aperta, aperta e quando percebe que, se apertar mais, o trabalhador espana, inventa outras formas de apertar: por meio de incentivos e bonificações. Mas a nova geração não é enganada tão fácil. Ela diz: “não adianta me comprar e me afogar de trabalho”. As pessoas querem muito mais do que isso. Elas precisam de propósito.

Esse tema é mais importante hoje, com tantas incertezas, tantos setores mudando e as pessoas temendo serem substituídas?
As questões discutidas hoje são muito mais profundas. Antigamente, para se qualificar, só era preciso correr atrás do que estava desatualizado. Hoje a desqualificação não é mais técnica. O mundo corporativo exige, cada vez mais, capacidade de inovação, de resiliência e de leitura de mundo mais ampla.

É difícil convencer os gestores a dedicarem tempo para ler Leon Tolstoi?
Estamos chegando num momento de esgotamento dos velhos modelos que, quando se chega com uma coisa disruptiva, como ler um Tolstoi para falar de liderança, a ideia é aceita. Principalmente nos cargos de liderança.