17/12/2025 - 11:06
O risco de a Enel perder a concessão de distribuição de energia em São Paulo aumentou após o governo federal voltar a falar em “caducidade” do contrato, segundo avaliação de analistas, em um sinal de maior indisposição do poder concedente com a empresa italiana após reiterados problemas de fornecimento de energia na maior região metropolitana do país.
A caducidade da concessão precisa ser precedida de um processo administrativo, que prevê uma análise técnica, apuração de falhas e transgressões e espaço para defesa da empresa. A agência reguladora Aneel já está debruçada sobre o tema e pode recomendar ou não a medida, e a palavra final é do governo federal.
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“Entendemos que a decisão surge como uma reação ao mais recente apagão de grandes proporções em São Paulo e, considerando as reações das autoridades e da opinião pública aos apagões anteriores da Enel São Paulo, consideramos altamente improvável que a decisão (pela caducidade) seja alterada”, disseram os analistas do JPMorgan, em nota a clientes.
Silveira disse que a Enel perdeu condições de seguir operando, inclusive do ponto de vista reputacional, referindo-se ao apagão na região metropolitana de São Paulo na semana passada, quando a passagem de um ciclone extratropical prejudicou o fornecimento de energia para milhões de consumidores atendidos pela distribuidora italiana.
Se concretizada, a caducidade da Enel São Paulo seria a primeira a ser decretada na história do setor de distribuição de energia. No passado, a Aneel chegou a recomendar caducidade para outras distribuidoras, como as do Amazonas e Amapá, mas as antigas donas transferiram o controle dessas empresas para que a medida não precisasse ser posta em prática.
Os analistas do JP Morgan apontam ainda que, caso o processo de caducidade, que deverá ser longo, siga adiante, a Enel ainda teria direito a uma indenização bilionária, mesmo que o governo tente reduzir o valor.
O UBS BB afirmou em relatório que o risco regulatório associado a eventos climáticos extremos aumentou não só para a Enel São Paulo, mas também para as outras concessionárias do país, uma vez que as discussões sobre o tema passaram a se centrar mais percepção da qualidade do fornecimento de energia nessas emergências do que no cumprimento formal dos indicadores.
“E essa mudança é importante porque aumenta a flexibilidade regulatória, mesmo que o caminho legal para uma rescisão antecipada (da concessão) continue complexo”, disse o banco.
No caso da Enel São Paulo, os analistas do UBS BB avaliaram que, como a concessão termina em 2028, a opção mais “racional” seria um acordo informal do governo com a empresa para que o contrato atual não seja rompido e a troca da operação na região ocorra depois de um leilão após o término efetivo da concessão.
“Um acordo informal parece uma escolha racional, iniciando os preparativos para um leilão na data de vencimento, mas este processo é claramente marcado por uma coisa: incerteza”.
Procurada, a Enel não comentou o assunto, mas enviou nota afirmando que está disposta a realizar investimentos “maciços em redes resilientes e digitalizadas, além da implantação em larga escala de uma rede de distribuição subterrânea”, como parte de uma estratégia “compartilhada com todas as instituições envolvidas”.
A companhia reafirmou ainda “confiança no sistema jurídico e regulatório brasileiro para garantir segurança e estabilidade aos investidores com compromissos de longo prazo no país”.
Processo na Aneel
O termo de intimação que pode levar à caducidade do contrato da Enel São Paulo já começou a ser avaliado pela diretoria da Aneel no mês passado, mas foi suspenso por pedido de vista do diretor Gentil Nogueira.
A agência afirmou nesta quarta-feira que vai incluir o apagão da semana passada na região metropolitana de São Paulo no processo já aberto sobre a distribuidora Enel São Paulo que poderá levar à caducidade da concessão.
“A fiscalização da Aneel em conjunto com a Arsesp (agência reguladora estadual) avaliará a reincidência de falhas da empresa no restabelecimento do serviço no evento de 10 de dezembro deste ano”, diz o comunicado.
O termo de intimação à Enel São Paulo começou a ser analisado pela diretoria da Aneel no mês passado, mas uma decisão foi suspensa por pedido de vista do diretor Gentil Nogueira. Na véspera, Nogueira afirmou em ofício que ainda não traria o processo novamente à pauta do regulador porque faltam “informações relevantes” sobre a fiscalização referente ao apagão da semana passada.
Saída da Enel em Goiás
Em 2022, a Enel vendeu sua concessionária de distribuição de energia em Goiás para o grupo Equatorial após fortes críticas de autoridades sobre má prestação dos serviços no Estado.
Mas diferentemente do caso de São Paulo, em Goiás a Enel possuía um contrato de distribuição mais recente e com cláusulas concretas para disparar a possibilidade de caducidade. Como estava comprovadamente descumprindo indicadores de qualidade, conforme apuração da Aneel, havia maior pressão sobre a empresa para vender a concessão.
No caso da Enel São Paulo, a Enel alega que não há descumprimento dos indicadores de qualidade de fornecimento dos serviços ou de outros parâmetros que pudessem levar à anulação do contrato, e que medidas para tratar de eventos climáticos extremos, como os que vêm ocorrendo recentemente, não estão previstas contratualmente.
Outro lado
A Enel SP enviou uma nota pública na tarde desta quarta-feira, 17, em que reforça a “confiança no sistema jurídico e regulatório brasileiro”.
“A Enel Brasil reforça _a importância de se realizar uma avaliação ampla para enfrentar de forma estrutural os desafios relacionados ao fornecimento de energia em uma cidade densamente populosa como São Paulo. Com as mudanças climáticas, a Grande São Paulo está cada vez mais exposta a eventos meteorológicos extremos. Essa avaliação deve ocorrer em um ambiente técnico adequado para garantir que as necessidades da população sejam efetivamente priorizadas .
A solução necessária exige investimentos maciços em redes resilientes e digitalizadas, além da implantação em larga escala de uma rede de distribuição subterrânea. Essa medida requer um plano estruturado e coordenado com as autoridades públicas, definindo as modalidades mais apropriadas para uma remuneração adequada desse investimento. A empresa está disposta a realizar esses investimentos como parte de uma estratégia compartilhada com todas as instituições envolvidas.
Desde que assumiu a concessão, em 2018, até 2024, a companhia investiu mais de R$ 10 bilhões em São Paulo. Para o período de 2025 a 2027, a distribuidora aprovou um plano de investimentos recorde, atualmente em execução, no valor de R$ 10,4 bilhões.
A partir de 2024, a Enel também reforçou seu plano operacional e ampliou a força de trabalho na área de concessão com a contratação de cerca de 1.600 novos profissionais para serviços operacionais.
Como resposta ao evento de 10 de dezembro, a distribuidora dedicou prontamente todos os seus esforços e recursos para atender os consumidores afetados pelo intenso ciclone extratropical que atingiu a área de concessão:
- Foram mobilizadas até 1.800 equipes ao longo do dia, número muito superior ao previsto no plano de contingência comunicado à Aneel, para restabelecer a energia elétrica, utilizando um número equivalente de veículos operacionais.
- Durante as operações de restabelecimento do serviço, rajadas constantes de vento causaram danos em diversos pontos da rede, provocando novas interrupções. A tempestade foi a mais intensa e prolongada registrada na região desde 1963, com ventos de até 98 km/h por 12 horas consecutivas.
- O ciclone provocou a queda de centenas de árvores que dificultaram o acesso às áreas afetadas, sendo 145 árvores diretamente sobre a rede elétrica apenas na capital, o maior número registrado nos últimos 15 meses.
- Em toda a área de concessão, em 2024 e 2025 foram realizadas mais de 630 mil podas, o dobro em relação aos anos anteriores. Somente em 2025, a Enel efetuou cerca de 230 mil podas de árvores na cidade de São Paulo, número muito superior ao amplamente subestimado divulgado nos últimos dias. Até novembro, a Enel realizou reuniões periódicas de alinhamento com as autoridades municipais, nas quais foram apresentados os dados oficiais auditados pelo regulador.
A distribuidora confirma o cumprimento integral dos indicadores regulatórios, tendo apresentado avanços consistentes em todos os índices relacionados à qualidade do serviço, conforme comprovado pelas fiscalizações recentemente realizadas pela agência reguladora.
A Enel Brasil reafirma sua confiança no sistema jurídico e regulatório brasileiro para garantir segurança e estabilidade aos investidores com compromissos de longo prazo no país.”
