O maestro Heitor Villa-Lobos disse certa vez que se a população tivesse cinco minutos de música o Brasil mudaria. Com mais tempo do que o imaginado por ele a vida de crianças carentes em São Paulo começa a mudar ? para melhor. A música é a base do projeto criado há quatro anos pelo também maestro Silvio Baccarelli. Ele coordena a Orquestra e Coro Jovem que levam seu nome, reunindo toda semana, por quatro horas, 111 jovens da favela de Heliópolis, na capital paulista. No pequeno teatro de Baccarelli, elas tocam violino, viola, violoncelo, e cantam de Mozart a Milton Nascimento. A experiência desenvolvida pelo maestro além de enriquecê-las culturalmente também influencia suas vidas na família e na escola. Os pais reconhecem que seus filhos se tornaram mais alegres e responsáveis e que melhoraram no estudo depois que entraram para a orquestra e o coral. Em Heliópolis, nome que significa cidade do sol, a luz da esperança surge das notas musicais.

O projeto nasceu pequeno. Em 1996, Baccarelli decidiu fazer algo pela comunidade da favela, depois que um incêndio destruiu casas e barracos. Ele foi à escola local e ofereceu um curso de música para 36 crianças, escolhidas pelas professoras. Nascia a Orquestra Jovem Baccarelli, que nos quatro anos seguintes realizou 40 apresentações públicas. Em janeiro deste ano, o projeto ganhou o apoio da Volkswagen. A montadora resolveu amparar o trabalho de Baccarelli, assumindo as despesas e permitindo, com um investimento inicial de R$ 407 mil, que o maestro ampliasse o projeto. Com isso, mais crianças entraram para a orquestra, subindo para 64 o número de jovens músicos, entre 11 e 17 anos. Com o patrocínio, o maestro também criou um coral com 47 crianças, entre oito e 10 anos. Em resumo: hoje 111 crianças de Heliópolis têm na música uma nova atividade.

O trabalho é feito por um casal de maestros (Daniel Miziuk e Renata Jaffé) uma regente de coro (Thelma Chan) e um pianista (Thelmo Cruz), todos contratados por Baccarelli. O método de ensino da orquestra foi criado pelo pai de Renata, o professor Alberto Jaffé, e se baseia no aprendizado coletivo de cordas. Ou seja, ao mesmo tempo em que os alunos aprendem eles se ajudam mutuamente, de forma que todos estão sempre no mesmo nível de aprendizado. Uma forma solidária de ensino. Duas vezes por semana a orquestra ensaia, enquanto o coral se reúne apenas um dia. Pode parecer pouco, mas a capacidade de aprendizado das crianças é surpreendente. Com dois meses de contato com a música, a segunda turma de violinistas e violoncelistas e o coral fizeram sua primeira apresentação durante a entrega dos prêmios do Top Social 2000, promovido pela Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil (ADVB). ?Meu filho passou o domingo decorando o Hino Nacional?, diz com orgulho Ana Alice Mota Araújo, mãe de Marcos. O garoto tem 10 anos e, como muitos outros moradores de Heliópolis, tem poucas opções de lazer. Brincar fora de casa, nem pensar. ?Minha mãe não deixa eu ir para rua desde que mataram um homem perto de onde eu brincava?, conta Humberto, também de 10 anos e como Marcos integrante do coral. Desde o início das aulas de canto, as ruas e vielas de Heliópolis ganharam um pouco de melodia. ?Eu ensino para a minha irmã as músicas que aprendo?, explica Gabriela, de 10 anos. Cantar nas casas simples da favela está se tornando um hábito.

Os boletins escolares também refletem o benefício da música nas crianças. A disciplina da orquestra e do coral acaba por influenciar as crianças. ?Depois que comecei a cantar eu presto mais atenção nas aulas. Acho que é por causa da professora do coral?, diz Ronan, de 11 anos. Thelma, a regente, não deixa que a atenção das crianças seja desviada por nada. A concentração nos exercícios e ensaios tem que ser completa. O resultado é um coral afinado, com cantores com boas notas na escola. Os acordes de violino também afinaram Ricardo, de 15 anos, no estudo. Seu pai, Adolfo Godoy, diz satisfeito que a média escolar do garoto melhorou muito. ?É a primeira vez que meu filho faz algo com entusiasmo?, conta Godoy. Antes de entrar na orquestra, o pai de Ricardo tentou matriculá-lo em aulas de inglês e computação mas nada despertava o interesse do filho. Na música, ele se encontrou. ?A orquestra é uma ocupação muito boa para ele?, conclui.