20/12/2025 - 11:00
A uva Syrah, que tem como berço o Vale do Rhône, na França, agora se destaca em outra região de vale, mas do lado de cá do Atlântico. Na pequena cidade de Espírito Santo do Pinhal, no Vale da Mantiqueira, região no encontro dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, a uva vem rendendo boas safras de vinho e de experiências.
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Com uma necessidade de clima muito semelhante ao café, com inverno ameno e seco – apesar de termos um verão mais quente e chuvoso – a Syrah se adaptou bem na região graças a uma técnica chamada dupla poda, comum na vinicultura tropical e que no Brasil rendem os chamados ‘vinhos de inverno’, aqueles em que a colheita é feita na estação mais fria do ano, em oposição ao padrão tradicional de colheita no verão.
“É uma região única no mundo. Poucos lugares têm essa cultura. O fato de colher vinho de inverno, em uma região tropical, o torna único no mundo”, destaca Thiago Mendes, sommelier e fundador da escola de vinhos Eno Cultura.
Cada região produtora tem seus vinhos únicos, afirma Mendes. E a ideia é que, com o tempo, cada vinícola também desenvolva seu rótulo diferencial, ainda que sejam todos Syrah. “É questão de tempo para que a região tenha uma identidade própria. Sabemos que é a Syrah, mas os vinhos ainda são todos muito similares. Mas pelo jeito a Syrah é que domina na região. Em algumas décadas, pode ser o destino Syrah no Brasil, algo nesse sentido, uma referência.”
A região conta com duas associações que atuam para impulsionar tanto a produção como o local como destino enoturístico. A Avvine (Associação dos Viticultores da Serra dos Encontros), com 27 associados de quatro cidades da região, e a Anprovin (Associação Nacional de Produtores de Vinhos de Inverno), que engloba produtores de vinho de inverno não só nesse pedaço de São Paulo como também em Minas Gerais.
Segundo a Anprovin, o Brasil ultrapassou, em 2024, a marca de 30 milhões de litros de vinhos finos produzidos, e o segmento de vinhos de inverno cresce em média 15% ao ano.
Experiência em taças
O primeiro movimento foi feito pela Guaspari, há cerca de 20 anos, quando ainda tinha como atividade principal a de fazenda de café, fruto que precisa desse mesmo clima como a uva para se desenvolver. Hoje a Vinícola Guaspari é um dos principais nomes do enoturismo na região da Mantiqueira, ou Vale dos Encontros, e é conhecida também, além do café e do vinho, na produção de azeite, com sete dos nove hectares de oliveiras produtivos.
A técnica da dupla poda em que a Guaspari foi pioneira contou com a parceria da Epamig (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais) no desenvolvimento das pesquisas. “O café estava em baixa e se começou a pesquisar sobre outras culturas, resolveram fazer um teste, plantaram variedades nessa área e as primeiras que despontaram foram Syrah e Sauvignon Blanc”, relata Paulo Brammer, CEO da Vinícola Guaspari, que hoje produz uvas por 50 hectares.
O primeiro plantio foi em 2006, sendo a primeira safra colhida em 2010, e a primeira para fins comerciais em 2014, com 10 mil garrafas. No início eram três rótulos focados em venda em empórios. “Não tinha foco de abrir para experiência. O foco era produzir vinho de qualidade e de orgulho para todos”, conta Brammer.
Mas começaram a receber grupos de amigos, grande parte da cidade de São Paulo, que está a menos de duas horas de distância, e, quando se deram conta, tinha lista de espera de grupos de amigos de amigos. E assim que em 2017 lançaram a parte voltada ao enoturismo, para experiência, aos moldes de destinos já bastante consolidados no mundo, como na França, Chile, Argentina ou até mesmo no Sul no Brasil.
Hoje a Guaspari deve fechar o ano com a produção de 150 mil garrafas e uma média de mais de 1mil visitantes aos finais de semana, com picos de até 1.500. Por enquanto, a experiência envolve apenas a parte produtiva da vinícola, com opção de loja e restaurante, mas sem hospedagem, programada para começar a funcionar no primeiro semestre de 2026. Nos planos para ano que vem também está a possível internacionalização da marca.

Brammer diz que 70% das compras já são feitas por consumidor final, seja diretamente na loja em Pinhal, e-commerce ou até mesmo pelo clube de assinaturas, em que membros têm algumas exclusividades. Os outros 30% são para restaurantes, como a Casa do Porco (um dos mais renomados do Brasil), hotéis e lojas especializadas.
Os rótulos custam a partir de R$ 158, podendo chegar até R$ 800. A principal é a Syrah, depois a Sauvignon Blanc, e o início de uma produção de Pinot Noir.
Thiago Mendes, da Eno Cultura, explica que, por dependerem de duas safras, mas aproveitarem apenas uma, a produção pode ser, pelo menos, 40% mais cara. “No verão, essa uva não é colhida. Ela é descartada. Não chega nem a formar cachos. São duas safras. Um trabalho dobrado para produção de uma só, então o custo operacional mais caro. Consequentemente, os vinhos produzidos tem um valor agregado relativamente alto”.
Na Amana, outra vinícola que está explorando o Syrah da Mantiqueira, os rótulos estão disponíveis na faixa entre R$ 160 e R$ 400. São 12 hectares plantados e registram um histórico de cinco safras. Em 2025, contabilizam 60 toneladas colhidas, ou cerca de 50 mil a 55 mil garrafas, grande parte Syrah, mas algumas Chenin Blanc.
“Temos um plano de expansão para chegar a mais de 100 mil garrafas em até 10 anos”, conta Alexandre Develey, CEO da Amana e um dos 49 sócios que se reuniram em 2017 para iniciar o projeto, a maioria deles excecutivos ou ex-executivos de grandes empresas em São Paulo e que fazem tanto para diversificação de investimentos como por interesse na enocultura.

A Amana também atua por enquanto na experiência do visitante na produção, mas também se organiza para oferecer hospedagem, eventos corporativos, e ampliar opções gastronômicas. Por enquanto, a empresa fornece para empórios, comércio local entre Rio e São Paulo, restaurantes da região e, agora, está lançando um e-commerce.
“Esses projetos são desenvolvidos por empresários, amantes do vinho, que querem produzir em uma estrutura similar às grandes e às melhores do mundo. Mas ainda estamos num processo de desenvolvimento da região, ainda é novo e tem muito espaço e muita carência para o desenvolvimento”, aponta Mendes.
“Mais do que buscar dividendos, e sim, tem gente que está com foco em investimento, mas tem gente que está realizando um sonho. Mas, de todo modo, é uma aposta na região, que essa região se torne como as outras, que tenha uma valorização bastante significativa, não apenas Espírito Santo do Pinhal, como as outras em volta”.
A projeção da Amana é de fechar o ano com 25 mil visitas, e abrir 2026 com um novo restaurante. A hospedagem está prevista para daqui cerca de dois anos. “A ideia ainda é manter o conceito de vinícola o máximo possível, até porque, para investimentos, tevemos o desafio da alta taxa de juros. Mas tem crescido o interesse de grupos de investidores, principalmente em hotelariae hospitalidade”, diz Develey. “Olhamos esse investimento como de longo prazo, em torno de 10 anos. É um desafio, pois o vinho de alto padrão que colhi hoje, vai estarna taça em 2027 na melhor das hipóteses”, completa.

O CEO da Amana relata ainda o interesse de investidores portugueses em investir na região, por conta da redução do consumo de álcool, e com isso de vinho, por lá, e de investir em mais infraestrutura relacionada ao enoturismo. “É um enoturismo de experiência que tem muito potencial, e não é um turismo barato. Então, falta ainda uma estrutura de hoteis e resturantes para absover a demanda de um público segmentado e exigente”.
Develey diz que o perfil do brasileiro é voltado mais ao tinto, mas existe ainda uma carência de produção de brancos na região, como o Chenin Blanc, usado em espumantes. “Brancos e rosés têm crescido e já representam quase a metade do consumo”.
e aí vem a exigência da mão de obra mais de 80 projetos de vinicolas na região de ESP (em diferentes estágios)
Polo de turismo, negócios e empregos
A vitivinicultura e o enoturismo são atividades consideradas relativamente recentes na região, por isso entre os desafios estão a confiança do público no destino, especialmente o público de alta renda, e desenvolver a região para atender, em termos de infraestrutura, esse público, como a oferta de uma boa rede de hotéis e pousadas, e serviços profissionalizados. Aqui que entra o projeto estadual paulista Rotas do Vinho, iniciado formalmente há pouco mais de um ano.
O Rotas do Vinho engloba 66 vinícolas em cinco regiões do estado que são reconhecidas como destino de enoturismo, sendo 11 delas premiadas internacionalmente, a saber: Circuito das Frutas, Bandeirantes, Alta Mogiana, Alto da Mantiqueira e a Serra dos Encontros, onde está Espírito Santo do Pinhal.
“São Paulo aposta nesse novo destino turístico, estamos trabalhando isso nacional e internacionalmente, diz em entrevista à IstoÉ Dinheiro o secretário de Turismo e Viagens do Estado de São Paulo, Roberto de Lucena. O secretário conta que o destino tem sido apresentamos em roadshows na França e na Argentina, onde foram feitas parcerias para promoção conjunta do enoturismo. O Estado também entra com a promoção de cursos de qualificação nas áreas envolvidas, seja em hospitalidade ou na viniviticultura.
“Após um ano do lançamento do Rotas, todas as análises são absolutamente positivas. Os resultados, o impacto, tem aumentado o fluxo turístico, a procura por esses destinos, e também pelo próprio consumo e comercialização desses produtos.”
A secretaria estadual levantou que 82% das vinícolas registraram aumento no número de visitantes desde o lançamento do projeto, com média de 27% de crescimento no fluxo turístico. No total, a Secretaria de Turismo e Viagens do Estado de São Paulo mapeou mais de 270 vinícolas no estado. “Temos vinícolas maravilhosas, até em regiões onde não se imaginava produzir um vinho de qualidade, celebra Lucena.”
Seu par municipal, Thiago Palombo, secretário de Turismo de Espírito Santo do Pinhal, também celebra o novo status da cidade. “Hoje não se fala hj em desenvolvimento do turismo no estado e São Paulo sem citar o desenvolvimento de Pinhal”.
Palombo destaca que, no últimos quatro anos, os investimentos privados na viniviticultura e enoturismo na cidade somam cerca de R$ 2 bilhões e que o município tem mapeads 28 projetos nesse segmento, sendo nove deles abertos à experiência para visitantes. Se considerado um raio de 100km na região, chegam a 81 os projetos.
Com isso, as secretarias – estadual e municipal – direcionam esforços não só para melhorias na infraestrutura turística na região como na capacitação de mão de obra para atuar nesse setor. Segundo o secretário, no primeiro semestre foram 300 contratações relacionadas ao turismo na cidade.
“Tem uma frase do secretário [estatudual] Lucena e que eu sempre repito que é ‘o turismo é o novo petróleo’. Então, hoje quando falamos de turismo, falamos em emprego e renda, já que 10% do PIB do estado vem do turismo”.
