19/08/2025 - 9:49
O embate entre a Casa Branca e o Supremo Tribunal Federal (STF) subiu de patamar nesta semana, após o ministro Flávio Dino afirmar em uma decisão desta segunda-feira, 18, que ordens judiciais e executivas estrangeiras só podem ser executadas no Brasil após serem homologados pela Justiça ou autoridades brasileiras.
A manifestação de Dino foi feita em um processo não relacionado à pressão do presidente americano Donald Trump para que o Brasil suspenda o julgamento de seu aliado e ex-presidente Jair Bolsonaro sobre tentativa de golpe de Estado, que inclui sanções americanas ao ministro Alexandre de Moraes – mas Dino deixou implícito que a ordem também teria efeito sobre esse caso.
Desastre de Mariana
A decisão de Dino foi tomada no âmbito de uma ação do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) – representante de empresas como a Vale e a Samarco – que contesta a legalidade de municípios brasileiros ajuizarem ações judiciais no exterior visando indenização por danos causados no Brasil, como no desastre em Mariana (MG).
Alguns municípios mineiros estão patrocinando uma ação na Justiça da Inglaterra buscando uma indenização maior do que a estipulada no acordo feito no Brasil sobre o desastre de Mariana. A Samarco, responsável pela barragem do Fundão, é controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton.
Mas há controvérsia jurídica sobre até que ponto a Justiça inglesa pode agir em relação a um acidente ocorrido no Brasil. Os advogados do Ibram moveram em junho de 2024 uma ação no STF afirmando que a iniciativa dos municípios mineiros fere a soberania nacional e é inconstitucional.
Já o advogado dos municípios afirmou em fevereiro à DW que “é irônico que uma empresa australiana, a maior empresa de mineração do mundo, que retirou dezenas de bilhões de dólares do Brasil, lucros remetidos para fora, grite sobre soberania nacional”.
O relator dessa ação é Dino. Em outubro passado, ele já havia determinado que os municípios apresentassem seus contratos feitos com escritórios de advocacia de outros países e que eles se abstivessem de pagar honorários aos escritórios de advocacia no exterior.
Soberania e Poder Judiciário
A ação inglesa continua tramitando, e em março de 2025 nove municípios mineiros notificaram Dino que a Justiça inglesa havia determinado ao Ibram que desistisse de sua ação no STF.
Essa ordem motivou a mais recente decisão de Dino. Ele enfatizou que, desde a propositura da ação, “o suporte empírico dessa controvérsia se alterou significativamente, sobretudo com o fortalecimento de ondas de imposição de força de algumas nações sobre outras”.
O ministro afirmou que decisões da Justiça inglesa não têm eficácia em relação a órgãos públicos brasileiros e a empresas com atuação no Brasil, pois os princípios da soberania e da igualdade entre os Estados tornariam inadmissível que o Estado brasileiro se submetesse à jurisdição de outro país.
Ele não cita em nenhum momento a Lei Magnitsky, usada pelos EUA para sancionar o ministro Alexandre Moraes, relator da ação contra Bolsonaro sobre tentativa de golpe de Estado. A norma bloqueia bens e ativos do alvo da sanção nos EUA e impede entidades financeiras de realizar operações em dólares ligadas ao penalizado.
No entanto, Dino deixou claro que sua decisão valia para casos semelhantes. “Tais fundamentos e comandos, revestidos de efeito erga omnes (contra todos) e vinculante, incidem sobre a controvérsia retratada nestes autos e em todas as demais em que jurisdição estrangeira – ou outro órgão de Estado estrangeiro – pretenda impor, no território nacional, atos unilaterais por sobre a autoridade dos órgãos de soberania do Brasil”, escreveu.
“Leis estrangeiras, atos administrativos, ordens executivas e diplomas similares não produzem efeitos em relação a: a) pessoas naturais por atos em território brasileiro; b) relações jurídicas aqui celebradas; c) bens aqui situados, depositados, guardados, e d) empresas que aqui atuem”, afirmou na decisão.
Como agirão os bancos brasileiros?
A extensão da aplicação da Lei Magnitsky a Moraes ainda está para ser demonstrada. No momento, bancos brasileiros restringiram apenas a possibilidade de Moraes fazer transações em dólares, mas mantiveram suas contas no Brasil e as transações em reais.
No entanto, é possível que a Casa Branca busque estender as sanções da Lei Magnitsky também para bancos brasileiros que mantenham ativas as contas de Moraes e tenham operações nos EUA ou usem as bandeiras Visa e Mastercard – caso de todo grande banco brasileiro.
Se os EUA decidirem pressionar os bancos brasileiros a endurecerem contra Moraes, eles poderiam se ver diante de um impasse: correr o risco de serem sancionados pela Lei Magnitsky e sofrer grande abalo em suas operações, ou correr o risco de desrespeitarem a decisão de Dino, que deverá ser submetida à avaliação do plenário do STF.
Após a recente decisão de Dino, o Departamento de Estado dos EUA postou na segunda-feira uma mensagem no X indicando disposição para apertar as sanções relativas a Moraes. O texto, divulgado pelo Escritório de Assuntos do Hemisfério Ocidental do órgão, afirma que “Alexandre de Moraes é tóxico para todas as empresas legítimas e indivíduos que buscam acesso aos Estados Unidos e seus mercados”.
“Pessoas e entidades sob jurisdição dos EUA estão proibidas de manter qualquer relação comercial com ele. Já aquelas pessoas e entidades fora da jurisdição americana devem agir com máxima cautela: quem oferecer apoio material a violadores de direitos humanos também pode ser alvo de sanções”. A mensagem foi replicada pela conta da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil.