O anúncio feito pelo presidente da Rússia, Vladimir Putin, de que deixou em alerta todo seu arsenal nuclear gerou temor em todo o mundo. Dada a potência atual das bombas atômicas, um conflito direto com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) causaria uma catástrofe de proporções inimagináveis.

Não se sabe se se trata de um blefe ou até onde Putin estaria disposto a avançar em um conflito desta magnitude. A ameaça russa, porém, é, antes de tudo, um forte elemento de dissuasão para evitar que Estados Unidos e União Europeia engajem-se diretamente contra a invasão da Ucrânia.

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“Existe sim o risco de uma guerra nuclear. É por este motivo que OTAN e Europa são tão cautelosos nesse assunto. Uma resposta nuclear da OTAN, que, somados os países, tem poderio nuclear maior que o de Putin, jogaria o mundo em uma esfera inimaginável. Putin invade a Ucrânia, mas sabe que existem limites – ele provavelmente deve invadir também a Moldávia”, analisa Marcio Coimbra, professor de Relações Internacionais do Mackenzie.

Putin também declarou que o mundo veria “consequências nunca antes vistas na história” caso os países da OTAN interfiram na ação na Ucrânia. A ameaça estende-se também à Finlândia e Suécia, caso os países nórdicos ingressem na aliança militar ocidental encabeçada pelos Estados Unidos.

A possibilidade de uma guerra efetivamente nuclear é baixa pois todos os atores políticos têm consciência das consequências desastrosas: neste contexto, não haveria vencedores. Assim, os países ocidentais limitam-se a enviar armamentos à Ucrânia, mas afirmaram diversas vezes que não irão enviar tropas à guerra.

“Não acredito que tenha risco grande de conflito nuclear porque o ocidente/Otan declara que não vai se engajar diretamente no conflito com a Rússia. Zelensky (presidente da Ucrânia) pede que a OTAN decrete zona de exclusão aérea, que poderia interceptar qualquer avião hostil, mas o ocidente nega. Em diversas ocasiões Putin alertou sobre o risco catastrófico que poderia acarretar essa intervenção direta. O cenário catastrófico é pouco imaginável”, pontua Vicente Ferraro, cientista político e pesquisador do Laboratório de Estudos da Ásia da Universidade de São Paulo (USP).

Segundo a agência de notícias russa RIA Novosti, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, disse que, se houver uma terceira Guerra Mundial, o combate envolveria armas nucleares e seria destrutivo.

Quais seriam as consequências de uma guerra nuclear?

Os cientistas apontam um cenário apocalíptico: uma nuvem de poeira e ferrugem tomaria conta de todo o planeta e levaria pelo menos um ano para se desfazer. A luz solar seria bloqueada e faria o planeta atingir uma temperatura de -40ºC.

Este cenário é chamado de “Inverno Nuclear” e comprometeria basicamente a agricultura de todo o mundo. Ainda haveria radiação espalhando-se pela atmosfera, o que poderia matar bilhões de seres humanos.

Segundo a Federal American Scientist, a Rússia possui 5.977 ogivas nucleares contra 5.428 dos EUA. Vale lembrar que a capacidade destrutiva das atuais armas nucleares é muito maior do que as que destruíram Hiroshima e Nagasaki na segunda Guerra Mundial. Apesar de o número ser incerto, estima-se que 140 mil morreram na primeira cidade e 74 mil na segunda.

“Teríamos a morte de 2 bilhões de pessoas e um inverno nuclear de 3 a 4 anos, mas isso em um conflito nuclear pequeno. Acho que a Otan e União Europeia tomam a decisão correta: não se pode engajar no conflito da Ucrânia. Não tratamos uma guerra como era no passado”, argumenta Coimbra.

“Não consigo nem especular, seria praticamente o fim do mundo. As armas nucleares de hoje têm potencial muito maior que as usadas no Japão. Na Guerra Fria houve prudência: as partes evitaram um conflito direto e agora pode-se esperar isso também”, complementa Ferraro.

Países com ogivas nucleares:

– Rússia: 5.977
– EUA: 5.428;
– França: 290;
– Reino Unido: 225;
– China: 350;
– Paquistão: 165;
– Índia: 160;
– Israel: 90;
– Coreia do Norte: 20.

Motivações de Putin

A despeito das alegações de Putin de que iniciou o conflito para defender a Rússia da expansão da Otan, a Ucrânia é uma área geopolítica relevante tanto em termos territoriais, estratégicos e econômicos.

Há reservas de petróleo e gás natural no sul da Ucrânia, em Odesa; no leste, na região marítima próxima a Donbas; e no oeste, próximo à fronteira com a Moldávia. Como a Ucrânia não possui tecnologia nem recursos suficientes, essas áreas ainda não foram exploradas.

Além disso, com uma eventual anexação da Ucrânia, seria mais fácil à Rússia para controlar os dutos de gás que abastecem a Europa.

Além disso, o abastecimento de água também é fator relevante ao cenário. Coimbra explica que os ucranianos, assim que deixaram a União Soviética, cimentaram a transposição do Rio Dnieper, feito durante a União Soviética. Isso causou, em 2021, a maior seca da história da Crimeia, região anexada pela Rússia em 2014.

“Putin pensa que se houver um ataque a Volgogrado (ex-Stalingrado), isso poderia cortar o abastecimento de água de Moscou, como aconteceu na Crimeia. Com o domínio da região sul da Ucrânia, a Crimeia voltou a ter água”, afirma Coimbra.

Resistência interna

Apesar da forte repressão que prendeu milhares de manifestantes contra a guerra na Rússia, Putin pode sofrer desgaste com sua própria oligarquia à medida que as sanções econômicas prejudicam os negócios e a economia russa.

Vale lembrar que Putin, quando assumiu o poder em 2000, derrubou boa parte dos oligarcas que herdaram as empresas desestatizadas da União Soviética para criar sua própria elite econômica. Seus aliados morreram misteriosamente, como Boris Berezovsky, então seu opositor mais perigoso.

Para Ferraro, a guerra pode causar tanto uma resistência da elite russa, mas também pode ter o efeito contrário, de reforçar o discurso de Putin de defesa da soberania nacional. Tanto pelo nacionalismo como pela polarização, a resistência interna pode desempenhar papel relevante para evitar uma guerra nuclear.

“Há um sistema de repressão muito forte e de delação entre os cidadãos que vêm desde a União Soviética. Não é fácil protestar porque as consequências são muito graves. Sem a pressão dos oligarcas pela economia, aliado ao questionamento público nas ruas, ele vai continuar no poder”, disse Coimbra.

Putin, há 22 anos no poder, tem mandato oficial até 2036.