O presidente Jair Bolsonaro nunca trabalhou tanto quanto nos últimos meses. Promove motociatas, divulga manobras radicais de jet-ski, visita cultos evangélicos, enaltece para a multidão verde-amarela seu pseudo-vigor na cama e até participa de debates. Sim, de debates. Não é algo inédito, mas é raríssimo. E mais. Faz campanha pelo País, visita velório da rainha no Reino Unido travestido de chefe de estado, faz discurso presencial na abertura da assembleia geral da ONU… Nem parece o mesmo Jair de antes, não fossem pelas bobagens que fala. Mesmo que a rotina do presidente ainda esteja distante da jornada da maioria dos trabalhadores brasileiros, está muito acima daquilo que ele está acostumado em suas mais de três décadas como político do baixo clero do centrão. Com base na agenda de compromissos oficiais do presidente, entre 1º de janeiro de 2019 e 6 de fevereiro de 2022, Bolsonaro trabalhou, em média, 4,8 horas por dia. Por isso, com sua idade e porte físico, não é de se estranhar se Bolsonaro sofrer um burnout – também conhecido como estafa, esgotamento e piripaque.

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Como um incansável gladiador das urnas, luta pelo controle da inflação – que ficou descontrolada em seus últimos três anos de governo –, aparenta se aproximar dos mais pobres e até se diz arrependido das declarações jocosas e piadas de tiozão durante da tragédia da pandemia. Como lhe convém, recorre ao disparo em massa de notícias falsas, de invenções do risco que Lula representa às crianças e distorce trechos bíblicos para endossar sua existência no cargo.

O problema é que Bolsonaro, por mais de se empenhe, não consegue e não conseguirá convencer o brasileiro de bem (bem no comportamento e bom de raciocínio) que ele é diferente do que foi desde que chegou ao Palácio do Planalto, via urnas eletrônicas. O desastre de sua gestão – de longe a pior da história da República – não pode ser apagada por distribuição de voucher para caminhoneiro, por manobras no Orçamento para enganar os mais pobres com auxílio temporário de R$ 600 e nem por discursos inflados do bem contra mal. O mesmo tsunami de informações que o favorece nas redes sociais, o prejudica no convencimento daqueles que sabem da farsa bolsonarista.
Os números da economia têm melhorado nos últimos meses, graças a uma série de medidas artificiais avaliadas por um Congresso fisiológico e comprado pelos bilhões secretos das emendas de relator. É como se um trabalhador, para se sentir mais rico, gastasse de forma desenfreada para começar a pagar a dívida só no ano que vem.

Se Bolsonaro tivesse demonstrado o mesmo empenho desde 2018, talvez conseguisse escapar da derrota para seu arquirrival Lula da Silva. Só que não. Cochilou na economia, debochou das instituições, brincou de ser presidente, se comportou como líder de torcida organizada e chefe de milícia. O País retrocedeu décadas, milhões de eleitores abandonaram a civilidade e abriram mão do respeito à democracia. Milhares de pessoas morreram. Mesmo assim, Bolsonaro vai perder, vai berrar que as eleições foram roubadas, vai tentar um golpe contra as urnas, vai convocar a galera dos clubes de tiro para a Esplanada dos Ministérios. Quanto a isso resta pouca dúvida.

*Hugo Cilo é editor de Negócios e colunista da ISTOÉ DINHEIRO