Passados cinco dias desde o anúncio de um rombo de R$ 20 bilhões na Americanas, a empresa chega em outro patamar do problema. Na última sexta-feira (13), a holding conseguiu um pedido de proteção judicial para ‘segurar’ o prazo de pagamento de dívidas por 30 dias. A medida também garante que somente após esse prazo seja apresentado um pedido de recuperação judicial. 

O pedido é seguido de um anúncio de endividamento da empresa: além dos R$ 20 bi do rombo, a Americanas soma débitos que chegam ao valor de R$ 20 bilhões já existentes em parcelas de dívidas a serem pagas, somando assim, R$ endividamento de R$ 40 bilhões. O juiz Paulo Assed, da 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro acatou o pedido da empresa brasileira.

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Na sequência, a Americanas virou alvo de acusação de má fé pelo banco de investimentos BTG Pactual – um de seus maiores credores -, que entrou com pedido para eliminar a medida cautelar de proteção. No pedido, os milionários brasileiros Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira são citados como gestores da Americanas, e teriam agido de forma premeditada em relação ao rombo. 

O pedido, no entanto, foi negado. Segundo o desembargador Luiz Roldão de Freitas Gomes Filho, do plantão judiciário do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), afirmou que não compete ao juiz de plantão julgar o caso. 

O que é a ‘Proteção tutelar’ que a Americanas pediu à Justiça para evitar quebrar?

Segundo Rafael Zuanazzi, sócio e advogado da Russell Bedford Brasil, uma proteção tutelar é uma espécie de “remédio jurídico”, previsto no Código de Processo Civil (Art. 300 e seguintes). “Uma pessoa, temerosa da sua situação, solicita que o juiz antecipe efeitos de uma sentença. É uma forma de proteção temporária, sem a resolução do mérito de um processo principal”, explica.

Para ter direito à proteção tutelar, a pessoa – física ou jurídica – precisa comprovar no processo a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. O juiz aprecia os argumentos e decide se dá ou não a proteção tutelar.

No caso da Americanas, o pedido foi para que se interrompam quaisquer cláusulas de contrato que imponham o pagamento adiantado de dívidas da empresa, assim como juros.

“O pedido de tutela é um pedido feito por uma parte, que visa demonstrar de maneira consistente ao juízo alguma situação de emergência, que, sem a intervenção judicial imediata poderá se concretizar e causar graves danos. Na tutela de urgência, se visa preparar o caso para que, após concedida a medida e preservado o direito tutelado, a parte autora possa demonstrar com profundidade e clareza suas razões”, explica também a professora de Direito Societário e mercado de capitais do IBMEC Mariana Maduro.

Portanto, o pedido se assemelha a uma ‘prevenção’. “Caso todos os credores com tal direito contratual resolvam cobrar antecipadamente a Americanas, há um risco concreto de insolvência do grupo, que pode vir a ter que requerer, não mais a Recuperação Judicial, mas, sim, a falência”, completa a professora.

Qual a diferença desse pedido de proteção para um pedido de recuperação judicial?

A ação de pedido de proteção é preparatória e tem como objetivo antecipar através de uma decisão Judicial a proteção final do processo, explica Zuanazzi. 

Já a recuperação judicial pressupõe a elaboração de um plano e a aprovação dos credores. “Nesse caso, a decisão judicial do processamento da recuperação depende da aprovação dos credores, enquanto na medida ajuizada, os credores não são consultados e é o próprio Juiz quem determina ou não medidas de proteção da Companhia”, compara o advogado.

O processo, lembra Mariana, vai exigir da empresa a apresentação (e cumprimento) de plano que demonstre a viabilidade de continuidade de sua operação. “A empresa passa a ser administrada por administrador judicial (nomeado pelo juízo), já desde a concessão da tutela e os mesmos já podem atuar a fim de proteger os interesses dos credores”, explica.

Por que o BTG acusa a empresa de má fé?

O que se supõe é que o BTG está entendendo ser pouco crível a “descoberta” das inconsistências só agora, o que afeta toda a relação entre o Banco e a Americanas nos últimos anos.

Na petição do BTG, obtida pela CNN Brasil, o banco destaca: “É o fraudador pedindo às barras da Justiça proteção ‘contra’ a sua própria fraude. É o fraudador cumprindo a sua própria profecia, dando verdadeiramente ‘uma de maluco para esses caras saberem que é pra valer’.”

Conforme avalia Mariana, do IBMEC, o  BTG estaria alegando, dentre outros, que:

1. os controladores – Lemann, Telles e Sucupira – estiveram à frente do controle da empresa durante quase todo o período em que as supostas “inconsistências” teriam se dado;

2. a Americanas já estaria se preparando para se socorrer da Justiça com a medida da tutela que impediria a cobrança dos credores, antes da data de divulgação ao mercado;

3. que os executivos não teriam por costume tomar decisões sem consultar aos controladores, que potencialmente já teriam ciência do fato e não o teriam impedido ou divulgado antes de se tornar um impacto financeiro tão grande.

Por que há uma discrepância entre R$ 40 bilhões em dívidas e R$ 6 bilhões, que querem injetar Lemann, Telles e Sicupira?

Os R$ 40 bilhões são dívidas que a Americanas tem hoje (vale lembrar que, no documento de pedido judicial, a empresa usa a expressão ‘aproximadamente’). “São dívidas que já existem e devem ser pagas em muitas parcelas e não tem, necessariamente, uma relação com as “inconsistências” divulgadas”, orienta o advogado da Bedford Brasil.

Segundo ele, a Americanas, como outras empresas, tem em seus contratos uma cláusula de covenant. Uma cláusula de covenant que diz que ‘caso o endividamento da empresa chegue a uma quantidade X’, a dívida vence antecipadamente (ou seja, em vez de pagar em 48 parcelas, por exemplo, é preciso pagar todo o saldo de imediato).

“Com os ajustes contábeis que a Americanas irá realizar, provavelmente tais contratos vão cair nesta cláusula de covenant, fazendo com que quase todas as dívidas vençam de imediato (o que inviabilizaria totalmente a empresa)”, avalia Zuanazzi. 

Segundo o Estadão, o trio de investidores Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, acionistas de referência da Americanas, falaram em uma injeção de R$ 6 bilhões na empresa.

Todavia, como não temos informações contábeis precisas, podemos deduzir que os R$ 6 bilhões calculados pelo trio provavelmente é o necessário para ajustar o dia-a-dia da empresa e os R$ 40 bilhões é o total das dívidas. Lembramos também que não são só eles os acionistas, podendo outros também aportarem capital”, finaliza o advogado.