15/12/2021 - 12:51
No último dia 6 de dezembro, em tom triunfante, o Cruzeiro comemorou nas redes sociais o nascimento de seu CNPJ. Isso significa que o clube agora é uma Sociedade Anônima do Futebol (SAF), representando uma luz no fim do túnel de dívidas que já somam R$1 bilhão para um time que vai para o terceiro ano consecutivo na Série B do Campeonato Brasileiro.
A esperança do clube mineiro e de muitos outros vem da lei 14.193 de 2021, publicada no Diário Oficial da União no dia 9 de agosto, que simplifica a transformação dos clubes associativos em empresas no país.
Para o professor de Marketing esportivo da ESPM Ivan Martinho a principal diferença, que poderá atrair investidores privados para o futebol, será a possibilidade da responsabilização da pessoa física na gestão do clube.
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“A primeira coisa que muda do modelo associativo pro da SAF é que ele dá responsabilidade para pessoa física. À medida que você faz isso, você obriga uma mudança na governança. Hoje os dirigentes trabalham com uma cabeça ‘curto prazista’, que permite que modelos pessoais acabem ficando à frente. A mudança do modelo não é a solução em si, mas um meio. Na medida que você tem novos entrantes, isso exige uma regulação e uma governança mais responsável. O futebol não tem uma agência reguladora como outros setores, por exemplo”, pondera.
O jornalista e organizador do livro Clube Empresa (Ed. Corner) Irlan Simões explica que foi a situação financeira difícil que acabou vencendo as resistências políticas para que essa possibilidade pudesse entrar em time grandes como o Cruzeiro.
“Não fosse a situação financeira de Botafogo, Cruzeiro e outros, esse debate seria muito difícil de ser feito. Ninguém que faz parte de um clube grande concebe a perda desse controle de forma tão tranquila”, explica.
As experiências no Brasil
Alguns grandes clubes brasileiros já passaram por experiências malsucedidas de se tornarem empresas. Bahia e Vitória, no fim dos anos 1990 e início dos anos 2000, criaram e venderam mais da metade das ações de suas SA para fundos de investimento.
No caso do rubro-negro, quem ficou com o comando do futebol foi o grupo Exxel. Seis anos depois, ao invés de colecionar taças, a equipe jogava a série C do Campeonato Brasileiro. O fim da aventura foi em 2010, quando o clube terminou de recomprar suas ações.
A experiência de uma “gestão profissional” no Bahia durou 10 meses no ano de 1998 e também não foi vencedora. O Banco Opportunity, que havia feito a compra das ações do Bahia SA no dia 10 de fevereiro, entregava o clube de volta nas mãos dos antigos dirigentes, após não conseguir ter êxito nem dentro nem fora de campo, no dia 10 de dezembro.
Atualmente dois clubes-empresa estão na primeira divisão do campeonato brasileiro: Cuiabá e Red Bull Bragantino. Ambos têm uma história bastante diferente.
O clube da capital mato-grossense foi fundado em 2001 como um time que empresários colocavam jogadores para serem valorizados. Como a Fifa proibiu que empresários fossem donos de jogadores, a família Dresch tomou o controle do clube em 2009.O time se manteve na primeira divisão do Campeonato Brasileiro em 2021 e foi o primeiro clube da Série A a se tornar uma SAF.
O caso Red Bull
O projeto da Red Bull no futebol brasileiro vem de bem antes da aprovação da lei. Em 2007 a empresa comprou o Campinas FC, com um ambicioso plano de chegar à elite do futebol brasileiro. O Red Bull Brasil até chegou à primeira divisão paulista um ano depois, mas não conseguiu sair da última divisão nacional e atualmente é o time B da marca no país.
Em 2018 esse plano foi alterado e a empresa comprou o Bragantino, que já estava na Série B do Campeonato Brasileiro, e conseguiu o sonhado acesso.
Para o Diretor Executivo de Futebol do time, Thiago Scuro, a escolha do Bragantino aconteceu por conta de fatores como a proximidade com a capital paulista e a boa relação da cidade com o clube, mas só foi concretizada depois de um alinhamento com a diretoria anterior.
“O grande ponto em que tivemos muito cuidado e fez uma enorme diferença foi o trabalho de governança e jurídico antes de começar a operação. Durante o processo de discussão fomos deixando claro todos os cenários que viria pela frente, e nesses dois anos e meio não tivemos grandes ruídos com a gestão anterior, continuamos trabalhando juntos”, disse.
O jornalista Irlan Simões, apesar de reforçar os méritos do time em campo, lembra que o investimento foi feito justamente quando houve uma mudança no regulamento da Série B e os times grandes que caíam passariam a receber um valor muito menor do que recebiam. “Eles sabiam que era o momento certo para pegar essa vaga na série A”, disse.
Scuro também destaca que o modelo de negócio do time de Bragança Paulista é investir em jovens promessas para continuar mantendo elencos competitivos nos próximos anos.
“A nossa prioridade é buscar jovens talentosos que acreditem na ideia de jogo e no clube e que possam se desenvolver para se tornarem jogadores de ponta. Por conta da nossa condição financeira, a única maneira de ter atletas acima da média é essa, basta ver os exemplos do Serginho, que chegou a ser convocado pela seleção brasileira, do Léo Ortiz e do Arthur, que figuraram na seleção do Brasileirão deste ano. Apesar disso, não estamos preocupados em vender esses jogadores para ganhar dinheiro, mas, sim, no retorno esportivo”, apontou.
Dois anos e meio depois, o clube conseguiu chegar até a final da Copa Sul-americana e está garantido em sua primeira Copa Libertadores da América em 2022.
Brasil na rota de investimentos estrangeiros?
Um fenômeno que vem acontecendo na Europa é o de países comprarem times de futebol por meio de fundos soberanos. O primeiro deles foi o Manchester City, adquirido pelos Emirados Árabes Unidos em 2008. Depois foi a vez do Paris Saint-Germain, comprado em 2011 pelo governo do Catar e que atualmente tem Neymar e Messi no elenco. Em 2021 o clube inglês do Newcastle foi arrematado pela família real da Arábia Saudita.
Martinho acredita que o Brasil não deve ser o destino desse tipo de investimento no curto prazo e que os proprietários usam esses clubes muito mais para estar numa vitrine para o mundo do que propriamente para ter lucro.
“A motivação na Europa está ligada a uma posição geográfica e política: ‘Quando eu saio do Oriente Médio eu mostro que eu dei certo e que o mundo deveria fazer negócios comigo’. Isso acaba sendo uma vitrine que o futebol inglês permite. Ele compra uma posição geopolítica e o mercado brasileiro não oferece isso. O Brasil deve atrair, nesse primeiro momento, investidores pensando em ganhar lucros com jovens talentos”, disse.
Simões concorda e critica como essas possíveis compras são celebradas.
“Quando você fala um estado, um fundo soberano, você está levando isso para onde? Uma lógica completamente diferente, não tem nada de negócio nisso. Celebrar a possibilidade de um time brasileiro ser comprado dentro dessa ótica me deixa muito triste”, encerrou.