Bloqueio de redes sociais pelo governo foi estopim para onda de protestos. País mergulha no caos, com tumultos e incêndios em prédios do governo e residências de políticos. Premiê apresentou renúncia.O Nepal vem sendo palco de uma onda de violência sem precedentes que deixou ao menos 25 mortos e mais de 100 feridos desde segunda-feira (08/09), após o início de protestos em massa contra a corrupção e um bloqueio de redes sociais imposto pelo governo. O caos subsequente resultou em ataques físicos contra políticos e incêndios em prédios e residências oficiais, forçando a renúncia do primeiro-ministro do país, Khadga Prasad Oli.

Imagens divulgadas nas redes sociais mostraram a capital Katmandu tomada pelo barulho de sirenes e colunas de fumaça, enquanto a violência se espalhava rapidamente para outras cidades do país.

A escalada de violência nesta terça-feira foi marcada ainda por um ataque incendiário contra a casa do ex-primeiro-ministro Jhalanath Khanal. Um site local afirma que a esposa do político, Rajyalaxmi Chitrakar, teria morrido queimada no ataque.

A residência privada do premiê Oli também foi incendiada, assim como vários edifícios oficiais, incluindo o parlamento, o gabinete da presidência e a sede do Supremo Tribunal.

Em outras cenas violentas, o ex-primeiro-ministro Sher Bahadur Deuba e sua esposa, a ministra das Relações Exteriores Arzu Rana Deuba, foram agredidos em sua residência. Ministros foram evacuados em helicópteros do Exército e levados para um quartel militar após o assalto às suas casas.

O que motivou os protestos?

As manifestações começaram na segunda-feira. O estopim foi a proibição de 26 plataformas de mídia social pelo governo, que afirmou que elas não estariam cumprindo as novas regulamentações estatais. O banimento atingiu plataformas populares como Instagram e Facebook.

Na segunda-feira, manifestações lideradas por jovens indignados com o bloqueio das redes sociais tomaram conta da capital do país, e a polícia abriu fogo contra a multidão, matando 19 pessoas.

No princípio, os protestos pareciam estar focados na proibição das redes sociais, com os manifestantes a entoarem cantos como: “Acabem com a corrupção, não com as redes sociais.”

Mas com a suspensão do bloqueio na manhã desta terça, a agitação se manteve, refletindo uma frustração muito mais ampla, com acusações de corrupção contra a elite política do país.

Motivos do bloqueio às plataformas

O governo do país bloqueou as plataformas na semana passada, irritando os usuários. As autoridades afirmaram que as redes sociais se recusaram a se registrar de acordo com a lei nepalesa, que exige que plataformas estrangeiras estabeleçam representação local e um diretor de compliance. Apenas algumas, incluindo TikTok e Viber, cumpriram a exigência até o momento.

As autoridades justificaram a medida dizendo que ela era necessária para garantir a responsabilidade e evitar abusos online, insistindo, ao mesmo tempo, respeitar a liberdade de expressão, mas afirmando, por outro lado, querer que as plataformas sejam “responsáveis e bem administradas”.

O governo acusou as plataformas de não colaborar com a Justiça do país para combater uma onda de abusos online, em que usuários de redes sociais com identidades falsas espalham discurso de ódio, notícias falsas, cometem fraudes e outros crimes.

Nesta terça-feira, apesar da decretação de toque de recolher e da suspensão do banimento das mídias sociais, os manifestantes saíram às ruas de Katmandu e atacaram durante todo o dia prédios públicos e residências de líderes políticos, incendiando os edifícios, incluindo o do Parlamento.

Os ativistas invadiram o complexo do Parlamento nepalês e incendiaram a sede do Legislativo e em casas de ministros. A residência do primeiro-ministro Sharma Oli, de 73 anos, também foi incendiada.

Quem são os manifestantes?

Os protestos foram promovidos pelo movimento autodenominado “Geração Z” (nascidos entre 1997 e 2012) contra a corrupção e o veto das redes sociais.

A maioria dos manifestantes tem idades entre os 18 e os 30 anos, muitos vestidos saíram às ruas com uniformes escolares ou universitários

A proibição foi suspensa na terça-feira, mas os protestos continuaram, alimentados pela raiva pelas mortes de manifestantes e pela crescente frustração com a elite política da nação situada entre a China e a Índia.

Renúncia do premiê

À medida que os protestos se intensificavam, o primeiro-ministro Khadga Prasad Oli anunciou que estava renunciando, “com o objetivo de dar novos passos em direção a uma solução política”.

O presidente do país, Ram Chandra Poudel, aceitou a renúncia. O chefe de Estado apelou aos manifestantes para que entrassem em diálogo para encontrar uma solução pacífica e impedir uma nova escalada e nomeou Oli para liderar um governo interino até que um novo governo fosse formado.

Sharma Oli, que também é chefe do Partido Comunista Nepalês, iniciou no ano passado seu quarto mandato como primeiro-ministro, depois que seu partido integrou uma coalizão de governo junto com o Congresso Nepalês, de centro-esquerda.

Descontentamento popular

O descontentamento não tem parado de crescer neste país de 30 milhões de habitantes devido à instabilidade política, à corrupção e ao baixo crescimento econômico.

A faixa etária entre 15 e 40 anos representa 43% da população, de acordo com estatísticas oficiais, e o desemprego ronda os 10%. O PIB per capita é de apenas 1.447 dólares, segundo dados do Banco Mundial.

O Nepal se tornou uma república federal em 2008, após uma longa guerra civil e um acordo pelo qual os maoístas entraram no governo e a monarquia foi abolida.

O Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos pediu diálogo e disse estar “consternado” com a escalada da violência. “É importante que as vozes dos jovens sejam ouvidas”, declarou Volker Türk em comunicado.

md (AFP, Reuters, AP, EFE)