O conglomerado chinês Evergrande tem 200 mil empregados e gera 3,8 milhões de empregos indiretos. É um império. E, como todos os impérios, tende a gastar demais e a viver de capital emprestado para sustentar uma estrutura cada vez maior. Com interesses que vão da água engarrafada a parques temáticos, o grupo deve cerca de US$ 305 bilhões a credores que estão cada vez mais convencidos da incapacidade da segunda maior incorporadora chinesa de honrar seus compromissos.

Listadas na bolsa de Hong Kong, as ações da Evergrande recuaram 10% na segunda-feira (20), após caírem mais de 19% durante o pregão. Desde o início do ano, a baixa acumulada dos papéis ronda 90%. E, na segunda-feira, a incerteza sobre o que pode ocorrer com um calote, moratória ou reestruturação forçada da dívida derrubou os mercados.

Bolsa de Hong Kong se recupera, mas Evergrande derruba Tóquio na volta de feriado

Alguns analistas comparam a possível quebra do grupo chinês à falência do banco de investimentos americano Lehman Brothers, em setembro de 2008. Excessivamente alavancado e incapaz de honrar seus compromissos, ele sofreu uma intervenção desastrada das autoridades americanas. Isso provocou uma avalanche de prejuízos no sistema financeiro internacional, no que ficou conhecido como a crise do subprime.

No entanto, as situações são diferentes. O Lehman Brothers era da primeira divisão das finanças internacionais e tinha como contrapartes todos os bancos minimamente relevantes do mundo. A Evergrande é uma incorporadora chinesa, cujas atividades estão restritas a seu país. Mesmo assim, as consequências podem ser drásticas.

Graças aos maciços investimentos da China em infraestrutura, o setor de construção civil e pesada representa cerca de 25% do Produto Interno Bruto (PIB). A quebra do Evergrande desnudaria o principal risco apontado pelos analistas para a economia chinesa: o excesso de dívidas privadas e não consolidadas em um sistema financeiro paralelo, fora da jurisdição do Banco do Povo (o Banco Central chinês).

Isso provocou ondas de choque nos mercados e o Brasil não ficou isento. O Ibovespa caiu 2,3% e fechou a 108,8 mil pontos, menor nível do ano. O dólar subiu 0,8% para R$ 5,34 reais. Nos Estados Unidos, o índice S&P de 500 ações caiu 1,7%. Na Ásia, outra incorporadora, a Sinic Holding Company, de Hong Kong, interrompeu os negócios com suas ações após uma queda de 87% apenas no pregão da segunda-feira. Está valendo menos que os US$ 240 milhões de uma dívida que terá de ser honrada nos próximos dias.

No caso do Brasil, uma crise no setor de construção da Ásia tem impacto direto na bolsa. A ação mais negociada na B3 é a Vale, que produz minério de ferro e cujo principal mercado de exportação é a China. As cotações do minério brasileiro recuaram de US$ 200 por tonelada para cerca de US$ 110 por tonelada. Boa parte do ferro exportado pela Vale alimenta o apetite chinês por novas construções. Se as exportações perderem vigor, haverá impacto sobre as ações da Vale, o Ibovespa, a taxa de câmbio, a inflação e os juros. É fácil entender como a ameaça de quebra da gigante Evergrande pode ser catastrófica.