20/09/2024 - 17:01
A iniciativa do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central de aumentar os juros em 0,25 ponto percentual era esperada pelo mercado e tinha fundamentos técnicos. Mas foi a decisão unânime que trouxe alívio.
Gabriel Galípolo, que deve assumir a presidência do BC a partir de 2025 após ser indicado pelo governo, referendou a primeira alta da Selic na terceira gestão do presidente Lula, demonstrando alinhamento com Roberto Campos Neto, atual comandante do BC. Isso afasta o temor de uma mudança de rumo na política monetária e de um cavalo de pau na política econômica por parte do petista. A sinalização é de que a instituição manterá o controle da inflação, deixando de se dobrar às seguidas críticas de Lula aos juros altos.
+Com Selic agora em 10,75%, como ficam os rendimentos da poupança, Tesouro Direto e CDB?
A alta da Selic e a queda dos juros americanos, também anunciada na última quarta-feira (18), devem favorecer o Brasil com aumento na entrada de capital estrangeiro, queda do dólar, e freio na inflação.
Antes de mais nada, esse novo ciclo de elevação das taxas, que deve ser breve, tem o objetivo de segurar as expectativas, diante de várias pressões inflacionárias. Seca, queimadas e as enchentes no Sul devem impactar os preços de alimentos como café, açúcar e laranja – fortes candidatos a serem os vilões da temporada. Mas, além disso, a questão fiscal e o aquecimento da economia também podem resultar em descontrole inflacionário.
Diante do atual cenário, a aposta é de que nesse curto ciclo de alta o juro básico da economia chegue em fevereiro de 2025 em 11,75% ou 12% ao ano. Tudo vai depender do comportamento do câmbio, da valorização do real frente ao dólar.
Nos EUA, o corte foi de 0,5 ponto porcentual. A banda pela qual transitam as taxas agora vai de 4,75% a 5% ao ano. Esse recuo nos juros americanos tende a contribuir para a queda da moeda americana nos mercados internacionais, e deve estimular os investidores a buscar opções mais atraentes para alocar seus recursos em países emergentes, como o Brasil. Esse movimento contrário dos juros e a diferença entre as taxas permitem operações mais rentáveis no mercado doméstico.
“Isso alarga o spread e propicia as chamadas operações de carry trade, trazendo o dinheiro estrangeiro para cá. Por isso, a tendência racional é de contenção na cotação do dólar”, explica Luiz Rogé, economista, gestor de investimentos e sócio da Matriz Capital Asset. Com o dólar mais sossegado e até em queda, há uma redução nos preços de produtos importados, retirando parte da pressão inflacionária. Esse fator tem um forte peso na execução da política monetária, segundo o especialista.
Não houve surpresas com a decisão do Copom, que já estava precificada em outros ativos do mercado, como juros futuros ou ações frente aos eventos climáticos que estão prejudicando safras de vários produtos.
Para Hemelin Mendonça, especialista em mercado de capitais e sócia da AVG Capital, “há pressões sobre a inflação em alimentos e logística em decorrência das queimadas. As secas também provocam fortes impactos, na medida em que impedem o transporte e escoamento de produtos por rios, que ficam intransitáveis, encarecendo os fretes”.
Os dados do boletim Focus do Banco Central, que refletem as projeções do mercado para a macroeconomia, já revelavam desde abril que os agentes trabalhavam com a perspectiva de avanço da inflação, segundo o professor de economia da FGV EAESP Renan Pieri. “A demanda aquecida, o PIB crescendo mais que o esperado, salários mais altos, mais renda, são todas pressões de alta para a inflação, além da questão fiscal. Há sinais de dificuldade para o governo conseguir alcançar as metas do arcabouço fiscal.”
Nesse contexto, em que é preciso reancorar as expectativas com uma política monetária mais restritiva, o professor espera por mais dois ajustes para cima na Selic este ano, de 0,25 p.p. em novembro e outro de igual tamanho em dezembro, o que levaria a taxa para 11,25%.
A situação fiscal do País é um dos principais entraves para a economia brasileira, porque alimenta as projeções de alta de inflação, fornece sustentação aos preços do dólar, pode afugentar o capital estrangeiro e impede a estabilidade ou queda dos juros.
“O aspecto fiscal é muito ruim, de pressão sobre os juros, e sem perspectiva de melhora com o Orçamento engessado, a destinação obrigatória de recursos e o crescimento das despesas, comprometendo o arcabouço fiscal”, afirma Rogé, da Matriz Capital. O que foi previsto no arcabouço fiscal, como déficit zero em 2024 e superávit na dívida pública em 2025, perdeu credibilidade na opinião do professor associado da Fundação Dom Cabral Carlos Primo Braga.
“O mercado espera por um sinal do governo em relação ao controle das contas públicas, que até agora não veio”, ressalta Pieri. Ele lembra que o calendário eleitoral pode levar as autoridades econômicas a represar algumas medidas, para anunciá-las após as eleições. Na tentativa de equacionar a situação e defender o poder de compra da moeda, o Banco Central atua com as ferramentas que tem.
A principal delas é a política monetária, calibrando os juros de modo a perseguir a meta de inflação anual fixada em 3%, com a possibilidade de variação de 1,5 ponto porcentual para cima ou para baixo. As projeções do Focus apontam para uma inflação de 4,4% em 2024 e de 4% no ano que vem.
De concreto, o professor Braga lembra que estamos com uma inflação acumulada de cerca de 4,25% em 12 meses, com a possibilidade de ultrapassar os 4,5%, o teto da meta. Para ele, esse números precisam ser analisados cuidadosamente pelo futuro presidente do BC. Ainda que haja um componente político na questão, já que Galípolo foi indicado por Lula, ele terá de convencer o mandatário, sempre com duras críticas à elevação dos juros, de que é preciso manter a restrição monetária e evitar a desancoragem das expectativas dos agentes econômicos.
Somente dessa forma será possível iniciar uma política de queda dos juros em 2025 ou 2026. Nesse sentido, Galípolo, que é o atual diretor de Política Monetária do BC, tem sinalizado uma postura técnica.
Vigor da economia preocupa
O avanço de 1,4% do PIB no segundo trimestre deste ano levou a uma revisão para o crescimento do País em torno de 3%, quase o dobro das projeções iniciais. O mercado de trabalho também tem surpreendido, apresentando uma taxa de desemprego de 6,9% no segundo trimestre de 2024. É o menor nível em dez anos.
Esse vigor da economia também entrou no radar de preocupações e foi destaque no comunicado emitido pelo Copom após a reunião da última quarta-feira. Juros mais elevados também são usados para encarecer o crédito e frear o aumento da demanda.
Nos EUA Em relação ao cenário externo, parece ser inquestionável que a queda dos juros americanos traz alívio para a definição dos rumos da Selic. No entanto, os diretores do BC revelaram dúvidas sobre quando e qual será o tamanho de nova redução das taxas nos EUA. Isso porque Jerome Powell, o presidente do Fed, Banco Central americano, logo após anunciar a queda de 50 pontos-base dos juros, não deu garantias de continuar promovendo cortes, nem de que serão na mesma proporção, como aguardava o mercado. Apenas negou que não haverá aumento desses juros e deu indicações de que o ciclo iniciado de queda deve terminar quando a taxa atingir os 2,9% ao ano.
“O Fed postergou o início do ciclo de corte nos juros. No Brasil, o processo teve início bem antes, em agosto do ano passado. Não podemos dizer que o País está na contramão, eles iniciaram o processo mais tarde. Os contextos também são diferentes. Lá, a perspectiva é de que os EUA entrem em recessão técnica, com o desemprego aumentando de maneira rápida, assim como a inadimplência”, acrescenta Pieri.
Para reanimar a economia, o Fed iniciou a queda dos juros. Ao mesmo tempo, o professor Braga, da Fundação Dom Cabral, aponta que os EUA começaram a subir os juros em março de 2022, quando estavam em 0,25% ao ano, e vieram nessa escalada até atingir os 5,5%. Já o Brasil vem diminuindo os juros há mais de um ano, e teve a necessidade de engatar um novo movimento de alta porque a economia está aquecida e com várias incertezas e pressões inflacionárias no horizonte.