28/01/2021 - 21:25
A longa fila para receber a vacina da covid-19 levou uma série de entidades que representam trabalhadores ou pacientes a tentar garantir doses mais cedo. A lista de pedidos de antecipação é variada. Há desde representantes de pessoas com deficiência, portadores de HIV, a sindicatos de bancários e de jornalistas. Mesmo se forem incluídos como grupos prioritários no plano nacional de imunização, porém, há uma ordem de vacinação.
Especialistas afirmam que não há problema em ampliar a lista de prioridades, desde que as vacinas cheguem antes a grupos de maiores risco ou de trabalhadores essenciais. A versão mais recente do planejamento do governo federal, publicada na segunda-feira, 25, estima que os grupos prioritários, que incluem desde profissionais de saúde a caminhoneiros (veja lista completa abaixo), somam cerca de 77,22 milhões de pessoas. Na primeira leva de imunizantes distribuídos no País, foram priorizados profissionais da saúde, idosos, pessoas com deficiência e indígenas. Ainda dentro dos “primeiros da fila”, há prioridades. Por exemplo, a orientação é vacinar antes médicos e enfermeiros que atuam na linha de frente do combate à covid-19 e idosos que vivem em asilos.
Os pedidos de prioridade na vacinação são feitos ao Ministério da Saúde e aos governos locais, que têm autonomia para estabelecer ordens próprias de vacinação. Os médicos peritos federais, por exemplo, fizeram pedidos a governadores e prefeitos para entrar nesta lista. Servidores do INSS também desejam esse espaço. As justificativas costumam ser parecidas: exercer uma atividade essencial que requer contato com outras pessoas.
No caso do Sindicato dos Cemitérios e Crematórios Particulares do Brasil (Sincep), o pedido é para imunizar antes os coveiros, que podem ficar expostos à doença diante do número crescente de mortos pela covid. Já a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) orientou os sindicatos locais a procurarem governos estaduais para também receberem antes a vacina. As atividades jornalísticas estão na lista das que foram consideradas essenciais durante a pandemia.
Para entrar na frente da fila vale até mesmo apelar à cúpula do Palácio do Planalto. O ministro da secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, recebeu em dezembro representantes da Associação Brasileira de Supermercados (Abras). A entidade pediu para priorizar a imunização trabalhadores do setor e ofereceu os supermercados como local para aplicação das doses.
A estratégia difere de acordo com a entidade. A Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação e Afins (CNTA) e a Confederação Brasileira Democrática dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação (Contac) enviaram ofício ao Ministério da Saúde solicitando a prioridade na imunização. No Mato Grosso do Sul, a Associação de Bares e Restaurante (Abrasel) pede para entrar no plano local. O Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA) também tenta incluir em planos regionais a categoria.
A Federação Nacional dos Bancos (Fenaban) espalhou pedidos ao governo federal, prefeitos e governadores para garantir a vacinação de bancários. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), órgão vinculado ao Ministério de Minas e Energia, também recorreu ao vizinho Ministério da Saúde solicitando a imunização de seus funcionários.
Já o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) foi à Justiça para antecipar a imunização na população em situação de rua em São Paulo. O grupo está no plano nacional, mas ainda não há previsão de quando será vacinado.
Até agora, no entanto, poucos pedidos foram atendidos. A Confederação Nacional de Transporte (CNT) conseguiu incluir profissionais do transporte entre grupos prioritários, como caminhoneiros, portuários e servidores de empresas de transporte coletivo. Os professores estão na lista de prioridades, mas sem data definida para a vacinação. Diversas entidades pedem para que sejam antecipada a imunização deste grupo.
Mas não são só categorias de trabalhadores que querem ser imunizados antes. A Aliança Nacional LGBTI+ pede que pessoas que vivem com HIV recebam antes a vacina. A entidade argumenta que o mesmo ocorre na campanha de imunização para gripe e que a contaminação pela covid-19 poderia agravar o quadro de saúde de pacientes com a imunidade mais baixa.
A Federação Nacional das Apaes (Fenapaes) pede priorização de pessoas com deficiência intelectual e múltipla. No plano atual, fazem parte do grupo de risco as pessoas com deficiência que vivem em residências inclusivas ou aquelas que tem deficiência permanente grave.
Ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI), a epidemiologista Carla Domingues, não vê problema em inserir novos grupos prioritários, como os caminhoneiros. “Quanto mais brasileiros forem vacinados, melhor, lembrando que eles viajam pelo Brasil todo e podem levar a doença”, disse ela ao Estadão.
A epidemiologista e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Ethel Maciel afirma que o grupo prioritário ainda precisaria ser ampliado. “Essa estimativa populacional (da versão mais recente do plano) não é nem 50% da população. Essas contas precisam ser refeitas. Mais grupos precisam ser incluídos, pois não daria para atingir a imunidade de rebanho.” Ela sugere a inclusão de pessoas com câncer, além de outros trabalhadores essenciais, como da cadeia produtiva de alimentos, dos supermercados e das farmácias. “Ampliar até chegarmos a mais de 150 milhões de pessoas”. No plano, o ministério estima que teria de vacinar 70% da população, pelo menos, para chegar a uma imunidade coletiva.
Procurado, o Ministério da Saúde não informou sobre quantos pedidos recebeu para priorização no plano nacional. A pasta tem dito que o plano é “dinâmico” e que Estados e municípios têm autonomia para definir os grupos próprios, mas recomenda seguir a orientação nacional.
Câmara dos Deputados. Deputados federais também tentam inserir grupos no plano nacional. Até agora, nenhum projeto de lei deste tipo foi aprovado. Ricardo Silva (PSB-SP) pede prioridade aos bancários. Já Luiz Carlos Motta (PL-SP), para trabalhadores do comércio.
O deputado Célio Studart (PV-CE) apresentou, em dezembro, projeto de lei para incluir agentes de segurança pública, profissionais de transporte público, pessoas com deficiência e seus tutores, além de mulheres chefes de famílias monoparentais.
Ainda em maio de 2020, o deputado Helder Salomão (PT-ES) pediu para que profissionais da imprensa e da educação fossem priorizados em campanhas de imunização, incluindo da covid-19. A deputada Rejane Dias (PT-PI) quer antecipar a vacinação para pessoas com deficiência.
‘Fura-fila’
Além de categorias que tentam antecipar a imunização, as primeiras semanas de aplicação das doses registraram “fura-filas”. Políticos, profissionais recém-nomeados e até um chefe de um setor de informática e um fotógrafo estão entre as pessoas que já receberam a vacina, o que rompe com acordo firmado entre União, Estados e municípios. Os casos são investigados pelo Ministério Público de ao menos oito Estados, como mostrou o Estadão.
Em dezembro de 2020, um grupo de promotores do Ministério Público de São Paulo pediu para a categoria ser incluída em uma das “primeiras etapas prioritárias” da vacinação da covid, “dada a atividade funcional da carreira”.
Antes da vacinação, ainda houve tentativas de receber doações ou de comprar doses das vacinas de Oxford, distribuídas pela Fiocruz, e da Coronavac, entregue no País pelo Butantan.
Os dois laboratórios públicos negaram pedidos de prioridade no acesso às doses ao Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Tribunal Superior do Trabalho (TST). Também recusaram pleitos de prefeituras como de Barbacena (MG), Pombal (PB) e São Fidélis (RJ).
QUEM SÃO OS GRUPOS PRIORITÁRIOS DA VACINAÇÃO DE COVID-19
(População estimada do grupo prioritário)
Pessoas com 60 anos ou mais institucionalizadas – 156.878
Pessoas com Deficiência Institucionalizadas – 6.472
Povos indígenas Vivendo em Terras Indígenas – 410.197
Trabalhadores de Saúde – 6.649.307
Pessoas de 80 anos ou mais – 4.441.046
Pessoas de 75 a 79 anos – 3.614.384
Povos e Comunidades tradicionais Ribeirinha – 286.833
Povos e Comunidades tradicionais Quilombola – 1.133.106
Pessoas de 70 a 74 anos – 5.408.657
Pessoas de 65 a 69 anos – 7.349.241
Pessoas de 60 a 64 anos – 9.383.724
Comorbidades – 17.796.450
Pessoas com Deficiências Permanente Grave – 7.744.445
Pessoas em Situação de Rua – 66.963
População Privada de Liberdade – 753.966
Funcionário do Sistema de Privação de Liberdade – 108.949
Trabalhadores de Educação do Ensino Básico – 2.707.200
Trabalhadores de Educação do Ensino Superior – 719.818
Forças de Segurança e Salvamento – 584.256
Forças Armadas – 364.036
Trabalhadores de Transporte Coletivo Rodoviário de Passageiros – 678.264
Trabalhadores de Transporte Metroviário e Ferroviário – 73.504
Trabalhadores de Transporte Aéreo – 64.299
Trabalhadores de Transporte de Aquaviário – 41.515
Caminhoneiros – 1.241.061
Trabalhadores Portuários – 111.397
Trabalhadores Industriais – 5.323.291
Total – 77.219.259
Fonte: Programa Nacional de Imunizações / Ministério da Saúde