07/09/2022 - 17:22
A queda prolongada de seu valor preocupa e, embora estejam menos entusiasmados do que no começo, os usuários confiam em uma recuperação. O bitcoin completa um ano como moeda corrente em El Salvador, com alguns objetivos não concluídos.
O ano de 2021 “foi bom”, mas o valor do ativo “há uns cinco meses só tem caído”, comenta Maria Aguirre, de 52 anos, comerciante de El Zonte, balneário 60 km a sudoeste de San Salvador, famoso pelo surfe e por ser um dos locais mais entusiastas no uso do bitcoin.
“Continuamos tentando encontrar uma forma de seguir usando-o”, acrescenta.
De fato, o bitcoin já era usado antes de o decreto-marco do presidente Nayib Bukele ser lançado em 7 de setembro de 2021, com a promessa de bancarizar uma população que em sua maioria opera fora do sistema formal.
El Salvador se tornou há um ano o primeiro país a adotar o bitcoin como moeda corrente, juntamente com o dólar, sua moeda há duas décadas. A medida foi questionada pelo Banco Mundial, o FMI e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, que alertaram para sua alta volatilidade.
O governo criou a carteira eletrônica Chivo e concedeu o equivalente a 30 dólares a cada usuário. Até janeiro, o aplicativo tinha 4 milhões de downloads, segundo o próprio presidente, em um país de 6,6 milhões de habitantes e com uma diáspora de 3 milhões, radicada sobretudo nos Estados Unidos.
Bukele pretendia que as remessas que os salvadorenhos no exterior enviam ao país, que representam 28% do PIB, fossem mais canalizadas pelo Chivo e menos pelas agências tradicionais, que cobram comissões mais altas.
No entanto, o ex-presidente do Banco Central de Reserva Carlos Acevedo explica que “menos de 2% das remessas estão chegando através de carteiras digitais, o que significa que por esse lado tampouco houve benefícios”.
“Em um momento usei, sim, mas como as coisas estão agora, me causa desconfiança e até desinstalei o aplicativo”, contou Carmen Mejía, estudante universitária de 22 anos.
– Volatilidade –
Quando o plano foi lançado, Maria usava o bitcoin há oito meses em El Zonte, uma praia amada pelos surfistas, na costa do oceano Pacífico.
Em setembro de 2021, o bitcoin beirava os 45.000 dólares. Após as primeiras compras de El Salvador, a moeda chegou a 68.000 dólares em novembro. Bukele assegurou, então, ter usado os lucros para a construção de uma clínica veterinária pública.
Em seguida, anunciou seu plano para construir a Bitcoin City, uma cidade próxima do Golfo de Fonseca, que funcionaria com energia térmica de um vulcão. Para construí-la, emitiria cerca de um bilhão de dólares em bônus de bitcoins.
Mas a volatilidade do mercado e a queda de algumas criptomoedas menos sólidas arrastaram o bitcoin para os 20.000 dólares e atrasaram os planos de Bukele.
Segundo um relatório de julho da agência de classificação de risco Moody’s, publicado pela imprensa especializada, o plano de Bukele custou 375 milhões de dólares.
Maria Aguirre diz que em seu pequeno negócio recebe “quem quiser pagar com bitcoin”. E lembra que os especialistas na área sugeriram-lhe que “quando a criptomoeda estivesse em queda, não mexesse no dinheiro porque se mexermos, vamos perder tudo”.
– Criptoinverno –
Aproveitando a queda do preço, Bukele comprou em julho 80 bitcoins a 19.000 dólares cada, com o que El Salvador acumula 2.381 unidades.
Em junho, assegurou que se tratava de um investimento seguro, que voltaria a crescer. “Paciência é a chave”, acrescentou.
Para Acevedo,a ideia de usar a criptomoeda “realmente não funcionou” e “até o momento tem sido uma aposta bastante frustrada”. Não um fracasso “porque poderia se recuperar e sair deste criptoinverno em que está”.
Por enquanto, o plano não conseguiu a “inclusão financeira” que buscava e a queda do bitcoin “influi psicologicamente no povo que não o vê com entusiasmo”, acrescenta.
Em meio às advertências de um possível default pela dívida pública, que supera os 80% do PIB, Bukele anunciou em julho um plano de recompra antecipada de bônus que vencem em 2023 e 2025, e assegurou que o país tem liquidez suficiente.
Esta medida fez cair o risco-país, explica Acevedo, mas “é impensável que El Salvador possa voltar aos mercados da dívida convencionais enquanto o risco-país não cair” ainda mais.
Cheetara Hasbún, trabalhadora de um hotel em El Zonte, acredita que o uso do bitcoin tem sido baixo porque o povo “ainda não está convencido” de que seja “uma boa forma de pagamento”.
“É preciso dar mais tempo à moeda, assim como se deu ao dólar”, conclui.