07/06/2024 - 16:50
É notável o valor que a sustentabilidade vem assumindo nos últimos anos. Sabemos que tal tendência não é nova. Entretanto, quanto mais nos deparamos com desastres ambientais e efeitos climáticos devastadores, mais relevância essa pauta ganha em diversos âmbitos, especialmente no universo do mercado. Ainda é difícil definir o papel de cada “vilão” nesse processo degradador do planeta. Desde sua entrada na Terra, o ser humano parece demonstrar uma peculiar vocação predatória que, claro, se intensificou nesta era a que chamamos Modernidade — período da história em que a ideia de domínio da natureza como forma de enriquecimento e conforto atingiu seu ponto máximo. Mudanças climáticas são parte constitutiva do nosso planeta desde o início, e elas existiam aqui antes da nossa chegada. Contudo, é inegável que nossa ação invasora e perturbadora do equilíbrio ecológico global tem imposto um ritmo e direcionamento desastrosos a essa dinâmica.
Sensibilizados pelas recentes catástrofes e ainda piores previsões, vários setores vêm se mobilizando para diminuir, ou mesmo “neutralizar”, o impacto degradador que seu modelo de negócio possa eventualmente causar. Para além de seus efeitos benéficos — ou menos maléficos — para o ambiente, o que se tem observado é que essa postura “ecologicamente responsável” ou “sustentável” tem gerado, sim, dividendos consideráveis, seja por incentivos governamentais, seja por impacto publicitário positivo frente ao público consumidor. A grande questão, entretanto, é se toda essa consciência e esforço “neutralizador” e “sustentável” serão suficientes para impedir um desastre global irreversível. A conjugação dos esforços governamentais e empresariais em prol de um mercado mais sustentável e responsável, a esta altura dos acontecimentos, é capaz de reverter ou barrar a dinâmica autodestrutiva que desencadeamos?
O atual cenário global indica que a manutenção da lógica consumista, que se fundamenta no domínio predatório da natureza, está nos levando a um beco sem saída. É tempo de pensar numa nova alternativa, que a princípio parecerá utópica
O atual cenário global indica que a manutenção da lógica consumista, que se fundamenta no domínio predatório da natureza, mesmo apaziguada pela crença compensatória da “neutralização”, está nos levando a um beco sem saída. É tempo de começar a pensar numa nova alternativa, que a princípio parecerá utópica, irrealizável. Todavia, é em momentos de crise, como este que estamos vivendo, que os sonhos utópicos se apresentam como realidades indispensáveis para a descoberta de caminhos salvadores.
Há mais de cem anos o escritor Fiódor Dostoiévski profetizava que seria a beleza que salvaria o mundo. E, no entanto, insistimos que seria por meio da ciência e do progresso que isso aconteceria. Agora, diante de uma catástrofe iminente, que tal começarmos a levar a sério a ideia poética do autor e considerar que talvez seja hora de abandonar o desejo pelo conforto e conveniência em prol do amor pela beleza como critério norteador da nossa existência individual e coletiva? Que tal se, em vez de querer possuir e consumir tudo o que se apresenta diante de nós, começarmos simplesmente a contemplar? Sim, porque já está mais do que na hora de aprendermos que a verdadeira beleza do mundo não está para ser comprada e consumida, mas para ser contemplada, guardada e cultivada. Talvez esteja aí, na beleza, mais do que na “neutralização”, o nosso caminho de salvação.
Dante Gallian é doutor em História pela USP, coordenador do Laboratório de Leitura da Escola Paulista de Medicina e autor de “Responsabilidade humanística — uma proposta para a agenda ESG” (Poligrafia Editora)