Ouça um resumo da reportagem com os executivos literatos

 

Em princípio, parecem dois mundos que não se comunicam. O frio e racional cotidiano de uma empresa ? na qual decisões precisam ser tomadas rapidamente ? e o emotivo mundo da literatura, com seus universos paralelos construídos de prosa ou poesia. Mas, para alguns executivos, é nessa combinação de estímulos que mora o equilíbrio ? tanto para a vida nas grandes corporações quanto para o solitário trabalho de escritor.
 

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Rodolfo Gutilla: É antropólogo, poeta e diretor de assuntos corporativos da Natura. Entre os livros que escreveu estão
Boa companhia – Haicai, A casa do santo e o santo de casa, Uns & outros – Poemas 1985-2005

É assim para Jório Dauster, consultor e ex-presidente da Companhia Vale do Rio Doce, Luiz Fernando Brandão, gerente de comunicação corporativa da Aracruz Celulose, e Rodolfo Gutilla, diretor de assuntos corporativos da Natura. Os dois primeiros são tradutores e o último, poeta. Em comum, os três viram, na vida segmentada, a chance de crescer como líderes e homens.

?Se você tem uma visão de mundo enriquecida por leitura e cultura, você vai ser mais apto a operar no mundo corporativo, oferecendo uma contribuição mais rica?, garante Brandão, tradutor de Edgar Allan Poe e Tom Wolfe, entre outros. ?As companhias são o somatório das pessoas que nela põem sua energia vital, seus sonhos e também seus dilemas existenciais.?
 

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Jório Dauster: É diplomata, consultor e foi presidente da Vale do Rio Doce. Traduziu três dos quatro livros que J.D.
Salinger permitiu que fossem publicados em vida, dentre eles O apanhador no campo de centeio —
um dos ícones da literatura mundial.

Para poder lidar com elas, uma mente mais sensível leva vantagem. E mais: executivos críticos, ricos em conteúdo e difíceis de manipular se preocupam com o mundo em que vivem e buscam chegar cada vez mais perto de um ponto de equilíbrio. O empresário Antônio Ermírio de Moraes serve como um grande exemplo, nesse caso.

Ele usou o teatro como ferramenta para fazer com que a emoção chegasse perto da razão. Para divulgar mensagens que ele acredita que precisam ser mais discutidas no Brasil, escreveu três peças de teatro, Brasil S.A., SOS Brasil e Acorda Brasil, que abordam problemas das áreas de política, saúde pública e ensino, respectivamente. ?A cultura é uma das melhores estratégias de desenvolvimento para qualquer corporação?, garante Gutilla, autor de Boa Companhia ? Haicai, entre outros livros.
 

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Luiz Fernando Brandão: Jornalista e tradutor, é gerente de comunicação corporativa da Aracruz Celulose. Em paralelo à
carreira na comunicação empresarial, traduziu para o português obras de autores como Edgar Allan Poe,
Vladimir Nabokov entre outros

 

Através da literatura, dizem os executivos literatos, o homem consegue viver uma outra vida e experimentar situações diferentes do seu dia a dia. ?Como só há uma vida, a boa ficção faz você viver um pouco da vida do outro?, define Dauster. Traduzir ou escrever um livro oferece a entrada num universo que não tem apenas finais felizes, mas conflitos, problemas, dramas e questões que, além de ampliar o horizonte, funcionam como estímulo intelectual e emocional.

?O conhecimento, sobretudo da diversidade e das diferenças, trazido pela literatura é fundamental para que possamos interpretar a realidade e agir sobre ela?, opina Brandão. Os bons romances são os melhores professores. ?Eles nos ensinam a ver nas diferenças étnicas e culturais a riqueza do legado humano e a estimá-las como manifestação da criatividade humana?, afirma Gutilla.

Mas transitar nos dois mundos ? ir das atitudes ?pé no chão? à cabeça nas nuvens ? não é tarefa fácil. ?O indivíduo precisa ter capacidade de trocar de canais dentro do cérebro, de separar perfeitamente a azáfama da sala de reuniões do silêncio do claustro no qual empunha a pena, hoje eletrônica?, filosofa Dauster. Com essa receita, Dauster traduziu O apanhador no campo de centeio, de J.D. Salinger, e Lolita, de Vladimir Nabokov ? dois clássicos da literatura mundial.

Mas a troca de canais tem um efeito positivo, garante o executivo. Em horário comercial, por exemplo, Dauster usa a tática de encarar uma negociação comercial como um jogo, um desafio intelectual em que se misturam elementos técnicos e psicológicos. ?É necessário traçar uma estratégia e combinar ações táticas com grande rapidez?, salienta.

Mas de nada adianta pregar a produção literária como fator de enriquecimento humano sem estimular a leitura ? sobretudo entre a classe executiva, afeita ao consumo de livros técnicos ou de não ficção. ?Sempre recomendo a meus colegas mais jovens que não voltem para casa a fim de consumir mais um livro sobre técnicas de gerência, e sim que leiam ou escrevam ficção, que façam ou ouçam música, que ampliem seus horizontes culturais?, aconselha Dauster.

?Os que assim fazem são pessoas mais redondas, mais ricas e, por conse-quência, também melhores homens de negócio?, completa o tradutor. Para Brandão, isso faz diferença nos âmbitos familiar, da comunidade e também no corporativo.