A agenda do economista Luiz Moan mudou radicalmente desde o fim de abril, quando assumiu a presidência da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Habituado a resolver os problemas de sua empresa, a subsidiária brasileira da GM, o executivo agora promove reuniões semanais com todas as montadoras e participa de encontros com autoridades, em Brasília. Em pauta, o acordo automotivo com a Argentina, a introdução do carro elétrico no Brasil e os investimentos gerados pelo Inovar-Auto, a política industrial do governo. Existe, no entanto, um assunto que sempre incomodou os empresários do setor e que agora está sendo tratado pela nova direção da entidade. “Há um mito de que as montadoras lucram muito”, afirma Moan, que recebeu a DINHEIRO no escritório da Anfavea, em São Paulo. Ele promete divulgar, em breve, um estudo comparando a rentabilidade do setor automotivo com a de outros setores. “Entre ter um banco ou uma montadora, eu prefiro ser dono de banco”, diz.

DINHEIRO – Como manter as vendas aquecidas com os bancos segurando o crédito?
MOAN –
O financiamento de veículos não está encolhendo. Cerca de 65% dos carros vendidos são financiados, dentro da média dos últimos anos. A diferença é que os bancos estão solicitando uma entrada maior para diminuir o risco de inadimplência. Com isso, o montante financiado diminui, mas os carros continuam sendo vendidos. Precisamos, na verdade, retomar o leasing – principalmente para as empresas–, que já teve 40% de participação até 2007 e hoje representa apenas 2% das vendas.

DINHEIRO – Por que o leasing encolheu?
MOAN –
Por causa da insegurança jurídica. Alguns Estados começaram a transferir multas e IPVA não pagos para a empresa arrendadora, o que fez os bancos segurarem esse tipo de financiamento. Espero que consigamos resolver isso, pois os juros do leasing são atraentes.

DINHEIRO – Os economistas, em sua maioria, avaliam que a economia brasileira não terá mais um enorme incremento de emprego e renda e que a inflação está corroendo o poder de compra. Teremos realmente um pibinho neste ano, abaixo de 2%?
MOAN –
Não acredito num esfriamento nesse nível. Nós temos uma crise provocada pela desaceleração chinesa e pela mudança da política monetária americana. Esses dois fatores impactaram negativamente a confiança no mercado interno brasileiro. O que nós temos hoje é uma crise de confiança.

DINHEIRO – Dos empresários ou dos consumidores?
MOAN –
É um misto. Ninguém tem um diagnóstico perfeito ainda, então o empresário se retrai, passando ainda mais desconfiança ao mercado. O consumidor reagiu fortemente a isso e aí vieram as manifestações e as greves de caminhoneiros, que atrapalharam o fornecimento de peças. Criou-se um ciclo de expectativas negativas.

DINHEIRO – As montadoras vão adiar investimentos?
MOAN –
Não, pois os nossos planos são de longo prazo. Até 2017, serão R$ 71 bilhões para ampliarmos a nossa capacidade instalada, de 4,5 milhões de unidades para 5,6 milhões de unidades. Nós acreditamos nesse cenário, sem dúvida.

DINHEIRO – Alguns críticos dizem que o governo federal exagerou no volume de medidas para incentivar a economia. O sr. concorda?
MOAN –
Não. As medidas adotadas nos últimos 18 meses foram todas na direção correta. Destaco a redução da carga tributária e os estímulos ao investimento e ao consumo. O que atrapalhou foi uma antecipação do processo eleitoral. Então, medidas benéficas de vez em quando são tachadas de negativas, o que não é verdade. Mesmo nas concessões, nas quais foi oferecida uma taxa de retorno que o mercado não gostou, o governo recuou e mudou a taxa interna de retorno (TIR).

DINHEIRO – Então o governo estava errado?
MOAN –
Isso faz parte do jogo de mercado. É uma negociação como qualquer outra. Um lado quer uma TIR maior e o outro, a menor possível. O problema foi que, entre o tempo de consulta do governo aos investidores e o lançamento dos projetos, houve a contaminação do ambiente por esse processo eleitoral antecipado e pelas mudanças da economia mundial. Daí o mercado aproveita essa oportunidade para cobrar uma taxa de retorno maior.

DINHEIRO – No acumulado de 12 meses, até maio, a indústria brasileira total encolheu 0,5%, enquanto o segmento automotivo cresceu 10,2%. O setor automotivo perdeu a capacidade de liderar o crescimento?
MOAN –
O faturamento da indústria automobilística equivale a 23% do PIB industrial. O problema é que dentro desse faturamento há um peso ainda grande de peças importadas. Portanto, boa parte do crescimento se dá com conteúdo estrangeiro. Se produzirmos a mesma quantidade de carros com mais conteúdo nacional, isso dará um efeito benéfico em vários segmentos industriais. Isso vale também para os fabricantes locais de aço, que estão desesperados, pois não aumentaram a produção nos últimos anos. Isso ocorre por causa da concorrência do aço importado ou até mesmo de peças inteiras trazidas do Exterior. Esse processo de substituição do produto nacional pelo importado é dramático.

DINHEIRO – As intervenções do governo no mercado de energia realmente reduziram o custo da indústria?
MOAN –
Isso foi altamente positivo, pois evitou um aumento da energia que estava previsto com a entrada das térmicas em operação. Portanto, ajudou muito.

DINHEIRO – Como está a negociação do regime automotivo entre Brasil e Argentina?
MOAN –
Está nas mãos dos dois governos. Tanto a indústria brasileira quanto a argentina defendem a prorrogação do atual acordo chamado de “coeficiente flex” (para cada dólar importado pelo Brasil, é possível exportar US$ 1,95 para a Argentina). O importante é que a definição ocorra ainda neste ano e traga um horizonte de longo prazo, que permita o planejamento dos investimentos.

DINHEIRO – Seria factível incluir as autopeças argentinas no cálculo de conteúdo nacional do Inovar-Auto?
MOAN –
Sim, da nossa parte não há problema nenhum. Aliás, faz todo o sentido em termos de integração produtiva.

DINHEIRO – O BNDES tem sido criticado por escolher campeões nacionais com juros subsidiados pelo Tesouro. O sr. concorda?
MOAN –
Acho as críticas absolutamente injustas. O BNDES tem um papel fundamental na economia, como alavanca do investimento produtivo. Quando o banco acerta nos financiamentos, ninguém elogia. Quando teoricamente perde, como no caso das empresas X, de Eike Batista, fica claro que o nível de exposição é extremamente baixo, pois o BNDES tem um rigor na concessão e sempre exige garantias. Parte dos investimentos do setor automotivo tem financiamento do BNDES e, além disso, o banco financia a compra de bens de capital, que inclui caminhões, ônibus e máquinas agrícolas.

DINHEIRO – O setor automotivo tem oferecido reajustes salariais bem acima da inflação, sem um ganho equivalente de produtividade. Qual é o limite desse processo?
MOAN –
O custo da mão de obra é uma grande preocupação. Esse custo está se tornando o grande fator negativo para a atração de novos investimentos. Nos últimos cinco anos, demos 26% de aumento real, algo absolutamente desconectado de qualquer ganho de produtividade.

DINHEIRO – É a falta de mão de obra que explica isso?
MOAN –
Sim, faltam profissionais, inclusive engenheiros. Vários sindicalistas começam a ter consciência de que não dá para continuar nesse ritmo de reajustes. É ruim para a economia e para o próprio trabalhador, pois aumentos desconectados da produtividade geram inflação e reduzem o poder de compra.

DINHEIRO – Importar engenheiros seria um bom caminho no curto prazo?
MOAN –
Neste momento não é necessário importar engenheiros. O ideal seria incentivar o ensino técnico, pois boa parte dos engenheiros contratados exerce funções que um funcionário de nível técnico poderia ocupar. Na Alemanha, por exemplo, 70% dos jovens, quando completam 16 anos, optam por curso técnico.

DINHEIRO – O lucro das montadoras é muito grande? Há uma cultura no Brasil de que ganhar dinheiro é algo negativo?
MOAN –
A sociedade passou a ter a percepção de que ganhar dinheiro é algo negativo porque nós, indústria automobilística, sempre tivemos receio de falar. Eu não tenho esse receio. Os níveis de lucratividade no Brasil são muito semelhantes ou até menores do que os do mundo afora. Estamos concluindo um trabalho sobre lucratividade, que será divulgado em um mês e meio, mostrando isso. Há um mito de que as montadoras lucram muito.

DINHEIRO – O que é melhor: ser dono de um banco ou de uma montadora?
MOAN –
Sem provocar o Murilo Portugal (presidente da Federação Brasileira de Bancos), prefiro ser dono de banco.

DINHEIRO – Quando teremos no Brasil carro popular realmente com preço popular?
MOAN –
Já temos. Vamos fazer uma conta. Um carro que custa R$ 25 mil equivalia,em 2003, a US$ 6,5 mil, quando o câmbio era de R$ 3,80 por dólar. Quando o câmbio estava em R$ 2,00, o carro custava US$ 12,5 mil. Hoje, com câmbio a R$ 2,27, já caiu para US$ 11 mil. Portanto, pelo custo de produção e pela renda no Brasil, eu diria que nós temos um carro muito barato.

DINHEIRO – A indústria comemorou, no fim de junho, a marca de 20 milhões de carros flex produzidos. Enquanto isso, os usineiros vivem em crise. O governo não abandonou o etanol?
MOAN –
Não, nós passamos por um período que já está superado. A Unica (entidade que representa os usineiros) fez um grande acordo com o governo federal para incentivar novamente o setor do etanol.

DINHEIRO – Com a tecnologia do etanol, faz sentido produzir carro elétrico no Brasil?
MOAN –
Sim, por algumas razões. Primeiro, o consumidor brasileiro não pode nem deve ser privado das melhores tecnologias do mundo. O segundo fator é que temos a possibilidade de investir em pesquisa para transformar o etanol em célula de combustível. O etanol é o segundo combustível líquido com melhor rendimento. Só perde para o metanol, que é inseguro por questões de saúde e transporte.

DINHEIRO – Como isso funcionaria?
MOAN –
Estamos falando em parar o carro com motor elétrico no posto de combustível e abastecer o tanque com etanol. Esse líquido passa por um reformador, que retira o hidrogênio, jogado nas pilhas, ou seja, nas células de combustível, movimentando o motor elétrico. E do escapamento sai água. O mundo está fazendo essa pesquisa com gás. No Brasil, faz sentido fazermos com etanol. Uma pesquisa desse tipo, se bem incentivada, pode nos render frutos dentro de cinco a dez anos.