Aos 94 anos, o engenheiro aposentado Luiz Carlos França Domingues demonstra aquilo que os franceses chamam de “joie de vivre”, a alegria de viver que muitos pesquisadores do envelhecimento saudável apontam como um dos segredos para uma vida longa, produtiva e feliz.

Todas as manhãs, ele salta cedo da cama, faz uma refeição leve e, apesar da preocupação dos filhos, dirige o próprio carro até o Esporte Clube Pinheiros, no Jardim Europa, zona oeste de São Paulo. Não perde as aulas de pilates. “Tenho vontade de viver por causa da serotonina que me traz bem-estar”, diz ele. “Para mim, os exercícios são uma necessidade diária e envolvem um sentimento estético. Gosto da elegância, da postura, da coordenação dos movimentos. Acho tudo isso muito bonito.”

Em poucos anos, encontrar quase centenários ativos e independentes como Domingues deixará de ser surpresa. Metade das crianças que hoje têm 5 anos poderá chegar aos 100 anos nos Estados Unidos e em outros países desenvolvidos. E essa tem chance de se tornar a norma para recém-nascidos em 2050, segundo um relatório lançado recentemente pelo Centro de Longevidade da Universidade Stanford.

Em três décadas, quase 30% da população brasileira será idosa, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Um índice três vezes superior ao verificado em 2010. Para que a experiência do envelhecimento seja satisfatória, há muito o que aprender com exemplos como o de Domingues. Com 1,65 metro e 64 quilos, ele mantém o peso há 68 anos. Viúvo há nove anos, mora sozinho e tem boa condição geral de saúde.

A genética contribui para a longevidade – os avós paternos passaram dos 90 anos e o irmão morreu pouco antes de completar um século -, mas o aposentado também colhe os frutos de décadas de alimentação saudável. E de passar longe do cigarro, das bebidas alcoólicas e do sedentarismo. “Para envelhecer bem, é só fazer o básico e ter um casamento feliz como eu tive.”

Domingues não sente dores nem sofre de osteoporose. “Nunca tive problema de coluna. Isso é falta de exercício e de ter uma musculatura abdominal forte”, afirma. “Tomo sol enquanto leio o Estadão na beira da piscina. Quer receita melhor para os ossos?”

Frequentador de vários grupos de terceira idade, ele acha que é importante manter um convívio social ativo. Lamenta quando vê idosos que não saem de casa. “Ficam ranzinzas, emburrecendo com o controle remoto da TV na mão e dizendo que no tempo deles as coisas eram diferentes”, afirma. “O nosso tempo é agora.”

UMA NOVA VIDA

Graças aos avanços da ciência e aos recursos da Medicina, viver décadas a mais com qualidade será possível, mas o mundo está preparado para os centenários? Não exatamente, segundo a professora Laura Carstensen, diretora do Centro de Longevidade da Universidade Stanford.

“A nossa cultura evoluiu em torno de vidas com a metade desse tempo”, diz ela. “Isso não funciona mais. Precisamos criar normas sociais que acomodem trajetórias muito mais longas.”

Nos últimos três anos, a equipe liderada por Laura criou recomendações reunidas no relatório O Novo Mapa da Vida. O texto sugere mudanças na educação, nas carreiras e nas transições de vida para que elas sejam compatíveis com existências de um século ou mais (leia texto ao lado).

A vida moderna tem um problema de ritmo, aponta o estudo. A faixa dos 40 anos é um período abarrotado de demandas profissionais e de cuidado dos familiares. Uma fase estressante, principalmente para as mulheres, que suportam uma carga desproporcional de tarefas domésticas e atenção aos dependentes.

Enquanto isso, grande parte dos idosos se vê sem atividade, propósito, conexão ou renda suficiente para viver bem os muitos anos que tem pela frente. Se não fossem precocemente expulsos do mercado de trabalho, esses profissionais maduros poderiam seguir contribuindo para a geração de riqueza.

“A diversidade etária é uma rede positiva. A velocidade, a força e o entusiasmo dos jovens, combinados com a inteligência emocional e a sabedoria prevalente entre as pessoas mais velhas, criam possibilidades para famílias, comunidades e locais de trabalho que não existiam antes”, salienta o relatório.

COM SAÚDE

A grande virada no perfil da população brasileira deve acontecer em 2030, quando o País terá mais pessoas a partir de 60 anos do que crianças e adolescentes de 14 anos. O Brasil precisa criar condições para que essa população seja respeitada e participe ativamente da sociedade.

Um passo importante é combater os mitos que cercam o processo de envelhecimento. “Os idosos não vivem mal. É preciso desmistificar isso”, garante a professora Yeda Duarte, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP).

“Não é verdade que quem envelhece fica doente”, complementa. “O idoso pode ter doenças, mas, se elas forem controladas, ele tem uma vida absolutamente normal.” Como coordenadora do estudo Saúde, Bem-estar e Envelhecimento (Sabe), uma pesquisa que acompanha mais de mil idosos na capital paulista desde 2000, Yeda conhece bem os desafios dessa faixa etária. A amostra foi ajustada de forma a representar a realidade dos mais de 1,8 milhão de idosos que vivem em São Paulo.

“Pouco menos de 25% da população idosa de São Paulo e do Brasil tem alguma limitação funcional”, afirma Yeda. De acordo com ela, a grande maioria é autônoma, independente e contribui para muita coisa em casa, em vez de ser dependente de cuidados. “Na pandemia, muitas famílias puderam sobreviver graças aos idosos”, explica. “Os filhos perderam o emprego e foram mantidos pelas aposentadorias e pensões deles.”

Embora a maioria dos idosos seja saudável, é preciso garantir atenção adequada ao quarto da população que não é. Essas pessoas precisam de cuidadores e de outros recursos de longa duração, mas há poucas políticas públicas e programas municipais para isso. São Paulo e Belo Horizonte oferecem cuidadores no sistema público, mas esses programas são exceção no País.

“Não adianta as pessoas viverem mais de 100 anos, se não criarmos condições para que elas vivam com qualidade”, afirma Yeda. Nesse aspecto, o Brasil precisa evoluir muito, mas na esfera individual há um conjunto de atitudes e escolhas que favorecem o envelhecimento saudável.

MOTIVAÇÃO

A partir da meia-idade, muitas pessoas passam por uma reavaliação geral de seus objetivos por novas circunstâncias. Surgem outras metas e funções em relação à família (divórcio ou novo casamento), ao trabalho (mudança de empresa, desemprego ou aposentadoria), à comunidade (mudança de endereço, trabalho voluntário, novos círculos sociais) e à saúde.

“Ao longo do envelhecimento, a motivação é um fator fundamental para o sucesso na mudança de comportamento”, salientam a psicóloga Jutta Heckhausen, professora da Universidade da Califórnia, e colegas em um artigo publicado recentemente no Journals of Gerontology, da Sociedade Americana de Gerontologia.

Segundo o trabalho, as razões para a mudança e a forma como as pessoas desejam realizá-la é altamente variável. Por isso, é preciso focar na identificação individual de objetivos de curto e de longo prazo para facilitar a adoção de novos comportamentos e alcançar os resultados esperados.

“É preciso reavaliar o que é realmente importante na vida, o senso de propósito ou as prioridades”, destacam os autores. “Se houver um declínio geral de energia e vitalidade, por exemplo, talvez seja possível encontrar satisfação em uma ocupação relacionada às habilidades, mas não tão exigente ou que consuma menos horas de trabalho.”

NOVA MISSÃO

Quando chegou à maturidade, a relações-públicas Adriana Vilhena Townson, de 58 anos, que trabalhava dez horas por dia, fez uma pausa estratégica. “Mergulhei em um autoconhecimento geral. Analisei minhas raízes, fiz terapia, cuidei da alma. Estava em busca de uma missão”, diz.

Ao fazer um trabalho para uma paciente de 95 anos que falava quatro línguas, tinha doutorado na Alemanha e sofria de Alzheimer, Adriana recebeu uma grande lição para as décadas seguintes. “Com ela aprendi a contemplar e a viver o momento presente”, diz ela. Novas necessidades e objetivos vieram à tona. “Hoje, minha meta é seguir a minha missão”, afirma. “Sempre fui muito empática, mas entendi o valor de perceber o próximo.”

Adriana pretende voltar ao mundo corporativo, desde que consiga enxergar sentido no novo trabalho. Paralelamente, está inscrita em uma agência de modelos maduros. “Fiz fotos para demarcar esse meu momento de plenitude. Hoje, me sinto muito bem comigo mesma, visto o que quero”, afirma Adriana.

Como modelo 50+, ela sonha fazer uma campanha com mulheres maduras. “É preciso disparar o movimento de plenitude dessas mulheres. Precisa ser um movimento de massa para que, nessa faixa etária, elas percebam que podem ser plenas e realizadas”, acredita. Para os novos maduros como Adriana, o importante é o que vivemos no presente e o que projetamos de positivo para o futuro. Uma boa forma de chegar bem aos 100 ou até onde a natureza permitir. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.