26/09/2025 - 13:30
Fatores climáticos associados a sistemas ineficientes de regulamentação e proteção ameaçam a orla da região com uma força sem precedentes. Especialistas alertam que é hora de agir.As imagens da cidade litorânea de Atafona, no Rio de Janeiro, são um aviso do perigo que espreita toda a América Latina. Parte da cidade foi engolida pelo mar – mais de 500 casas e um prédio foram perdidos, e moradores estão deixando para trás suas casas.
Ao longo de toda a costa da América Latina, a força do oceano está avançando, deslocando limites conhecidos e varrendo infraestruturas, moradias, resorts e ecossistemas. Todos os países da região estão sofrendo algum grau de erosão nas praias.
Além das tempestades e furacões cada vez mais frequentes, associados às mudanças climáticas e ao aumento do nível do mar, há também a ação humana. “Estamos observando um aumento no número de casos de erosão na América Latina, ligados à má gestão da zona costeira, especialmente a construção de edifícios como portos ou áreas hoteleiras”, disse à DW Gustavo Barrantes, presidente da Rede Latino-Americana de Erosão Costeira (Relaec).
Segundo o especialista, esse fenômeno “interfere nos processos da dinâmica costeira, torna o ecossistema mais vulnerável e tudo isso junto aumenta as taxas de erosão que antes aconteciam como processos naturais. Também observamos um aumento nas ondas severas”.
Há o fato de que muitas praias da América Latina estão em área de atividade tectônica – movimento das placas que formam a crosta terrestre. Os ciclones tropicais e furacões, comuns no Caribe e no Golfo do México, também dão a sua contribuição.
Barrantes observa que as taxas de erosão são de meio metro a um metro por ano, mas há áreas que ultrapassam três metros. Até mesmo áreas de recifes de corais ou praias em áreas protegidas estão sendo afetadas.
“Não são apenas os terremotos, que vêm acompanhados de tsunamis e outros perigos concatenados, que alteram a costa chilena. O mesmo acontece com as trombas d’água, as ondas de calor, os eventos extremos de chuva e as inundações”, disse à DW Carolina Martínez, diretora do Centro de Observação Costeira da Universidade Católica no Chile.
“Na Argentina, a erosão, que era crítica no sudeste de Buenos Aires, está se espalhando para o norte e para o sul, e se tornando mais crítica. E o mesmo está acontecendo na América do Sul”, adverte Federico Isla, do Instituto de Geologia Costeira e Quaternária da Universidade Nacional de Mar del Plata, em entrevista à DW.
De acordo com o pesquisador, as taxas de erosão estão se tornando cada vez mais críticas, de uma forma generalizada. “O Chile está tendo maremotos que não tinha antes. As tempestades do sudeste que afetam a Argentina e o Uruguai estão chegando ao sul do Brasil. Ao mesmo tempo, há uma erosão muito crítica em alguns departamentos da Colômbia e da Costa Rica.”
“Nos últimos seis anos, no Chile, a erosão, as ondas de tempestade, as mudanças geomorfológicas e na paisagem costeira foram muito mais rápidas do que nos últimos 40 anos”, diz Carolina Martínez. Em 2015, intensas ondas de tempestade fizeram sua estreia não esperada na costa central, com ondas de até 11 metros, causando graves danos. Desde então, cerca de 40 eventos por ano têm sido registrados.
Além disso, os furacões de maior intensidade estão se tornando mais frequentes. “As ondas altas estão atingindo mais a costa e removendo sedimentos. O processo de recuperação é lento, pode levar anos, mas quando vem outro furacão e depois outro, começam os processos sérios de erosão, especialmente em áreas turísticas, como as praias das ilhas do Caribe”, explica Gustavo Barrantes.
Áreas ameaçadas de extinção
Na Colômbia, cerca de metade das praias tem problemas de erosão. Em La Guajira, há locais com taxas de até quatro metros por ano e, nas praias turísticas, foi necessário realizar obras para reforçar a costa. “O denominador comum dos países com erosão é a urbanização excessiva, que é feita às custas de justificar um turismo insustentável, por exemplo, usando mangues para grandes complexos hoteleiros”, diz Carolina Martínez.
Das 100 praias chilenas monitoradas pela pesquisadora, pelo menos 15 estão em situação crítica. Várias podem desaparecer na próxima década, aponta Martínez. Uma das mais afetadas é Algarrobo, onde as ondas desafiam os edifícios construídos à beira-mar.
Falta um planejamento urbanístico atento aos desastres climáticos, o que acaba tendo um custo alto, aponta a pesquisadora. Além de vidas em risco, milhões de dólares em infraestrutura e moradias se perdem. O avanço da água salgada chega a contaminar poços, a secar florestas e mudar paisagens.
“Agora há tempestades muito frequentes, que estão afetando significativamente algumas construções que nunca deveriam ter sido feitas”, diz Federico Isla. Elas também alteram a dinâmica costeira e a chegada de sedimentos pelos cursos d’água, que alimentam a areia das praias e o ecossistema costeiro. “O excesso de construções impediu que a areia seguisse seu trânsito normal”, acrescenta Barrantes.
Nova lei para novos desafios
“De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, o nível do mar até o ano de 2100 será pelo menos 40 centímetros mais alto do que é hoje”, ressalta Isla. Com eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes, o cenário futuro é preocupante.
Atualmente, os países têm regulamentações insuficientes, dispersas e atrasadas sobre a zona costeira, diz Carolina Martínez. O Centro de Observação Costeira da Universidade Católica no Chile está pressionando por uma nova lei que incorpore instrumentos de planejamento do uso da terra, medidas preventivas e políticas públicas baseadas na experiência global e em evidências científicas.
A diretora do centro explica que a legislação deve abordar a zona costeira em um sentido amplo, incluindo praias, campos de dunas e zonas úmidas, que são uma proteção natural contra o avanço da erosão. É fundamental regulamentar a extração de areia das praias e restringir a área para construção, assim como proteger os cursos d’água e a foz dos rios.
O que pode ser feito?
Especialistas são cautelosos em relação a medidas como quebra-mares e paredões, que podem interferir nas ondas e, portanto, na dinâmica da costa, na areia e até mesmo na pesca.
“O ideal é não fazer obras de engenharia, que obstruem a deriva litorânea. O melhor é não permitir a ocupação de locais de risco e tomar medidas mais condizentes com a natureza”, diz Isla. O pesquisador argentino alerta para “os grandes portos, que estão criando problemas muito significativos em algumas praias do Peru”.
Junto com a construção sustentável, Barrantes recomenda “restaurar os ecossistemas naturais, pois eles são a primeira linha de defesa”. Nesse sentido, Martínez indica a conservação das dunas e de sua vegetação, e “a restauração das florestas de algas, pois elas reduzem a energia das ondas extremas”.
A reposição de areia, que pode ser uma alternativa em praias turísticas, é uma medida muito cara e precisa ser estudada, pois novas ondas de maré podem levar todo o material e não está claro o impacto que essa intervenção pode ter.
Atualmente, pesquisadores dos diferentes países associados à Rede Latino-Americana de Erosão Costeira estão compilando relatórios sobre os processos de erosão para elaborar um diagnóstico latino-americano, o que permitirá avançar nas medidas de contenção e prevenção, diante de um problema que veio para ficar.