30/03/2025 - 10:33
Bruno Miranda era criança no ano 2000, quando o balé entrou em sua vida. Ele foi atraído pela dança quando fazia parte do Projeto Dançando na Escola, em uma unidade da rede pública de Santa Catarina. Na época, sua professora também trabalhava na Escola do Teatro Bolshoi no Brasil, que dava seus primeiros passos no país, e foi assim que ele conheceu a possibilidade de dançar balé. No ano seguinte, com o incentivo da família, Bruno entrou para o Bolshoi. Nesses 25 anos, os dois se tornaram referências na dança dentro e fora do Brasil.
Única filial no Brasil do famoso Teatro Bolshoi da Rússia, a Escola do Teatro Bolshoi no Brasil (ETBB) funciona desde 15 de março de 2000, na cidade catarinense de Joinville, em Santa Catarina. Com 25 anos de atuação, a instituição de direito privado, sem fins lucrativos, tem apoio da Prefeitura Municipal de Joinville, do Governo do Estado de Santa Catarina e dos ‘Amigos do Bolshoi’, empresas e pessoas físicas socialmente responsáveis que contribuem com o projeto por meio de serviços prestados e patrocínios não incentivados ou incentivados por leis de incentivo à cultura municipal, estadual e federal.
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Nessas mais de duas décadas, a escola coleciona histórias como a de Bruno, por meio da oferta bolsas de estudo e benefícios para todos os alunos e seleções rigorosas, dando oportunidades a talentos de diferentes classes sociais.
‘Tudo que conquistei foi pela dança’
a lista dos aprovados para o Bolshoi era publicada em um jornal. “Minha mãe comprou o jornal e fiquei super feliz de ver meu nome lá. Fiz oito anos de curso na escola, depois, passei quase três anos na Cia Jovem [da ETBB]. Ao todo, foram 11 anos, e peguei bem o início do Bolshoi. Sou da segunda turma de formandos”, orgulhou-se em entrevista à Agência Brasil, direto da África do Sul.
“Parece clichê falar isso, mas o Bolshoi representa a minha vida. Eu não estaria onde estou hoje, morando na África do Sul, em Johanesburgo, trabalhando com balé e com dança, se não fosse o Bolshoi. A minha família sempre foi muito humilde. A gente nunca teve dinheiro para bancar estudos. Tudo que conquistei hoje foi por meio da dança, e poder dar um suporte para a minha família também”, afirmou.
A mãe deu apoio a Bruno, mas não pôde ir com ele na audição de seleção, porque tinha que cuidar dos outros três filhos menores. Foi uma tia, que pegou dinheiro emprestado para pagar as passagens de ônibus, que levou o sobrinho.
De lá para cá, a caminhada foi longa. Em 2009, logo após sua formação, ele conquistou seu primeiro contrato profissional e ingressou na Cia Jovem ETBB. Além da experiência como bailarino, participou de concursos e atuou como jurado em festivais.
Em 2011, Bruno se mudou para o Rio de Janeiro para trabalhar com a coreógrafa Deborah Colker e sua companhia, com quem viajou para diversas cidades dentro e fora do Brasil. Em 2013, o destino foi Belo Horizonte. Lá, trabalhou na Cia Sesc de Dança. Durante quatro anos, teve contato com coreógrafos nacionais e internacionais e ampliou sua experiência em diversas técnicas clássicas e contemporâneas.
Hoje, além de bailarino, é professor e coreógrafo. Desde agosto de 2017, integra o Joburg Ballet, em Joanesburgo, África do Sul, onde apresentou papéis principais e solos em balés de repertório e contemporâneos. Também naquele país, Bruno produziu duas temporadas para a companhia como produtor e coreógrafo.
“O que eu gosto na escola e sempre falo é que o Bolshoi não é só balé, tem outras modalidades de dança, contemporânea, popular. Eu também aprendi muito sobre música, sobre teatro. O inglês eu também aprendi dentro da escola. Aprendi a tocar instrumentos musicais e sobre saúde, tanto que escolhi a gastronomia como curso de graduação e, agora, estou terminando a graduação em nutrição, porque a nutrição e a dança têm tudo a ver. A gente precisa cuidar do corpo como bailarino”, descreveu.
Os planos futuros têm a ver com o desenvolvimento dos estudos de nutrição. “Quero me formar em nutrição e fazer pós-graduação em fisiologia e biomecânica do exercício, por que eu quero dar suporte aos bailarinos. Temos fisioterapia, pilates, mas acho que falta algo direcionado para o balé, para a dança”, ensinou.
Com formação em curso em outra área, o bailarino disse que não há chance de ele se desconectar da dança e do Bolshoi, que ainda o influenciam.
“Até hoje, tenho uma troca, uma ligação muito grande. Fui de férias, agora em dezembro e janeiro, e passei lá na escola. Fiz aulas, vi meus antigos professores. Foi muito legal saber também que os bailarinos e alunos, que estão lá, sabem quem sou eu. A minha ligação com o Bolshoi é tão forte que até hoje as pessoas sabem quem sou eu. Eu me formei em 2008, mas até hoje as pessoas comentam sobre mim, sobre minha carreira, ou me acompanham nas redes sociais. Isso para mim é o mais importante, porque isso vai me levar para o que eu quero no futuro”, apontou.
Se depender de Bruno, a vida vai seguir com a dança por mais alguns anos, mas, se precisar parar de dançar por qualquer motivo, quer continuar trabalhando com a nova geração. “Aqui, na África do Sul, além de ser bailarino, sou coreógrafo, fiz algumas produções para a companhia e também dou aula para a escola daqui”.
25 anos de Bolshoi
A história de Maikon Golini é parecida. Hoje, o ex-aluno da Escola Bolshoi no Brasil é professor e assessor artístico da direção da escola, cargo que ocupa há 15 anos. Somados aos 10 anos de formação, ele está desde o início do Bolshoi no Brasil. Maikon lembra com satisfação de quando entrou, aos 7 anos, na primeira turma da escola.
“Sempre fui um menino que gostava de dançar, desde pequenininho. Gostava de música, de estar me mexendo, mas não tinha entendimento que a dança podia ser uma profissão. Isso só apareceu para mim quando comecei a estudar no Bolshoi. Quando comecei a entender que poderia ser um bailarino profissional, a minha cabeça se voltou para isso e se tornou uma meta”, revelou.
“A gente brinca que eu e a minha geração fomos os pioneiros. Eu fiz o teste em 1999 e comecei a estudar no ano de 2000. A gente não sabia o que era o Bolshoi. Com 25 anos, a gente vê o impacto que esta instituição causou e como vem gerando frutos positivos”.
Para virar um aluno do Bolshoi, é necessário passar por uma peneira bem concorrida, a seleção nacional para ganhar a vaga e uma bolsa de estudos, que custeia toda a estrutura do aluno na escola até se formar.
“A gente vive em um país que não reconhece muito a dança como realmente uma profissão. O Bolshoi instrumentaliza isso, tem duração de oito anos, e o aluno vai aprender todas as vertentes necessárias para se tornar um profissional do mais alto nível. Hoje, a gente tem um índice de empregabilidade de 74%, com quase 500 bailarinos formados. A escola tem um nível para o mercado profissional da dança muito expressivo. Para criança e o jovem que sonham em ganhar a sua vida, em fazer a sua carreira na dança, a Escola Bolshoi é uma grande referência”, pontuou.
Além de cidades de Santa Catarina, a instituição recebe alunos dos mais variados estados brasileiros, entre eles Paraná, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraíba e inclusive de outros países da América Latina e até da Rússia. De acordo com Maikon, depois de 25 anos de história, a escola é muito eclética e atende talentos do Brasil e de outros países. O bailarino conta que a proposta é que a escola cresça cada vez mais, abraçando esses diferentes talentos.
“O espaço artístico, mesmo sendo uma escola de formação em arte, é o espaço perfeito para integrar essas diferentes culturas, essas diferentes visões. É um espaço de muita troca. As crianças aprendem muito umas com as outras, questões de valores e de convivência”, analisou, lembrando que há alunos que tem origem em comunidades e realidades completamente distintas daquele universo da dança.
“A gente tem muitas crianças que saem de comunidades e de lugares de muita vulnerabilidade social e que têm as suas perspectivas de vida transformadas com o contado com a escola em Joinville. A arte e a cultura têm esse poder. Conseguir enxergar um futuro diferente daquele que está sentenciado naquele momento é uma coisa muito preciosa”, apontou.
Os alunos recebem bolsa para estudar, mas as famílias precisam bancar a moradia e a alimentação. Maikon contou que, para reduzir os gastos, surgiram as mães sociais, que geralmente são mães de um aluno do Bolshoi que abrem as suas casas em Joinville para receber outras crianças e jovens de famílias que não têm recursos financeiros de uma mudança para a cidade. “Acabam aparecendo essas pequenas repúblicas em que um responsável assume a residência das demais crianças”
“Fui aluno da escola e posso dizer que o apoio, o comprometimento da família junto com a criança faz toda a diferença na formação dela e no profissional que ela vai se tornar. Esse apoio familiar é imprescindível para que aquela criança consiga fazer os oito anos de curso, passar por todos os desafios inerentes à profissão. A gente costuma dizer que não é apenas o aluno que se torna Bolshoi, mas a família se torna Bolshoi, a comunidade que ele está inserido, e assim por diante”, apontou.