05/05/2019 - 13:17
Depois de lanchar no meio da tarde, Vinícius, de 2 anos, caminha sozinho para a sala de descanso, onde há redes instaladas em uma altura pensada especialmente para que ele e seus colegas consigam deitar sem ajuda de adultos. O estímulo à autonomia, independência e criatividade das crianças na educação infantil (até os 5 anos) tem guiado os projetos arquitetônicos de colégios particulares de São Paulo, que cada vez mais investem para que os espaços escolares estejam alinhados à proposta pedagógica que desenvolvem.
O colégio Lumiar, na Bela Vista, no centro da cidade, finalizou neste ano a reforma que considerava necessária para que seu projeto pedagógico pudesse ser plenamente executado. “Na nossa escola, um dos principais pilares da educação é a autonomia. Para isso, é preciso que as crianças estejam em um espaço que as ajude a desenvolver a independência, um ambiente seguro e estimulante”, diz a diretora Vania Grecco.
A filósofa Bianca Villela, de 31 anos, conta que um dos motivos para ter escolhido matricular Vinicius no Lumiar foi a valorização da autonomia. “Ele era bem pequenininho quando entrou, tinha só seis meses, mas eu queria que ele desenvolvesse a sua personalidade e independência. Ele gosta muito de fazer as coisas sozinho, sem ajuda de adultos”, diz. A estrutura, segundo ela, fez com que o menino aprendesse a entender como se sente. “Ele sabe quando está com sono. Aprendeu isso na escola e faz em casa também, quando percebe que está cansado.”
Na reforma, o colégio instalou duas portas em todas as salas dessa etapa de ensino, uma com ligação para a parte interna e outra para a externa, onde fica a área verde e o parquinho. O chão da sala de descanso e o entorno dos tanques de areia foram revestidos com um piso vinílico acolchoado para evitar que as crianças se machuquem, caso caiam. “Nossos espaços agora conversam com a metodologia que usamos há anos, que é a da liberdade e confiança de que a criança tem poder e deve tomar decisões. As salas têm duas portas porque os alunos têm liberdade para ir para as áreas externas quando quiserem.”
Possibilidades. Dar opções para as crianças também foi uma preocupação do tradicional colégio Dante Alighieri, no centro da capital, para a reforma da área da educação infantil. Uma das salas, por exemplo, pode ser acessada pela porta ou por um escorregador. Outro espaço tem uma série de materiais, como folhas secas, caixas de papelão, adesivos e panos, todos guardados em um armário com menos de meio metro de altura, bem ao alcance dos alunos. “Escolher faz desenvolver a criatividade e a responsabilidade. Nós queríamos um ambiente que estimulasse isso”, explica a coordenadora Angela Martins.
A pesquisa para a reforma do colégio começou em 2016, Quando os educadores do Dante visitaram unidades de outros países que consideravam inovadoras. As salas de aula do centenário colégio que seguiam o modelo tradicional foram reformadas para a instalação de grandes janelas de vidro, que permitem que as crianças vejam o ambiente externo. Os espaços também têm paredes móveis que podem ser alteradas de acordo com a atividade a ser desenvolvida. E cada ambiente passou a ser destinado a um tipo de atividade, como música, comunicação, entre outras. Assim, as turmas não têm mais uma sala específica. Por isso, as professoras andam com carrinhos com os materiais pedagógicos.
“Não é só uma mudança física, mas uma mudança de cultura. Nessa etapa, o mais difícil é a adaptação para o professor, por isso, investimos muito em formação e cursos. O aluno está entrando na escola, então, não estranha não ter uma única sala de referência”, explica Angela.
O colégio terminou neste ano a reforma do 1º andar, onde ficam as turmas de crianças de 3 anos. O plano é a cada ano reformar um novo andar para as séries seguintes. Nesse período, os professores já estão sendo formados para o novo modelo. “A estrutura tem que dialogar com aquilo que a gente se propõe a fazer. Não adianta ter uma arquitetura maravilhosa sem uma metodologia que de fato dê voz para a criança e espaço para ela ser independente.”
Brinquedos. Outra mudança no Dante Alighieri foi a redução de brinquedos no parquinho para deixar mais espaço para as crianças correrem e brincarem livremente. Inaugurado no ano passado, o colégio Concept, no Jardim Paulistano, contratou especialistas para pensar até mesmo nas estruturas do parquinho.
O projeto foi desenvolvido por um pedagogo, um arquiteto e um sociólogo. Juntos, pensaram nos espaços e equipamentos da unidade, que conta com uma casa na árvore, parquinho interno e externo, área para parkour e pista de skate. “Não queríamos brinquedos que podem ser comprados em qualquer lugar e que não podem ser explorados pelas crianças”, diz a diretora Thamila Zaher.
Investir nas áreas externas é também uma demanda dado o perfil das famílias. A maioria das crianças mora em prédios, sem contato com a natureza, e a escola oferece essas opções de espaços. O colégio Santa Maria, na zona sul, fez uma reforma para que os espaços verdes pudessem ser usados também como salas de aula. Grandes quiosques foram montados para que os alunos da educação infantil pudessem usá-los independentemente do tempo. Os espaços podem ficar abertos ou fechados, assim são usados em dias de frio ou calor.
“Chamamos esse novo espaço de território da aprendizagem porque ele oferece inúmeras oportunidades para as crianças. Elas podem desenhar, brincar no parquinho, fazer atividades em grupo. É a chance da criança explorar”, diz a orientadora Karine Ramos.
Alinhamento. Para a professora da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp, o espaço físico da escola funciona como um “terceiro professor” e, por isso, deve estar alinhado ao projeto pedagógico desenvolvido pela unidade. “A organização do espaço é importante em todas as etapas do ensino, mas sobretudo na educação infantil.”
Ela ressalta que é preciso uma análise sobre o significado da organização física. Os armários baixos, por exemplo, permitem que a criança pegue os materiais e brinquedos que deseja sem a ajuda de um adulto. No entanto, eles precisam ser estimulados a entender que têm responsabilidade para guardar o que pegarem.