Entender o desenvolvimento econômico não é tarefa fácil. Talvez nem o mais notório dos economistas do século XX, Celso Furtado, tenha sido capaz de prever o que estava por vir. Na base de sua teoria econômica, o Estado não deveria ser apenas um carimbador de cheques em branco, mas sim um agente de promoção, de impulsão e de criação de condições para o desenvolvimento saudável e duradouro de uma nação.

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Ainda que a história econômica do Brasil carregue, em parte, uma adaptação mambembe do liberalismo europeu, há muito o que se pode observar e se inspirar nos modelos do velho continente quando pensamos em desenvolvimento.

Também devemos olhar para a Ásia, onde países como China e Coreia do Sul obtiveram bons resultados adotando caminhos diferentes, mas que foram absorvidos como parte de um projeto de país, não de governo. Por aqui, os desafios são imensos, mas há formas de chegar lá. Nesta reportagem, elencamos sete pontos centrais para o desenvolvimento brasileiro, apontando como cada um deles poderia contribuir para a expansão do PIB.

Por trás das indicações, estão Lant Pritchett (economista de desenvolvimento da Universidade de Oxford), Marcus Pestana (diretor-executivo do Instituto Fiscal Independente), Roberto Giannetti da Fonseca (economista e ex-secretário-executivo da Camex), Felipe Salto (economista-chefe da Warren), Zeina Latif (ex-secretária de Desenvolvimento Econômico de SP e sócia-diretora da Gibraltar Consulting), Alberto Ramos (diretor de pesquisa macroeconômica do Goldman Sachs) e o ex-ministro Sérgio Rezende.

Uma receita completa que, se aplicada, tem o potencial de elevar o PIB em até 3,8 pontos percentuais ao ano, segundo o Ipea, o equivalente a R$ 675 bilhões em riquezas para o País. Vamos a eles.

Presidente Lula em evento no mês de junho no Palácio do Planalto. Pensar em políticas públicas de longo prazo é o desafio para o terceiro mandato (Crédito:Marcelo Camargo/Agência Brasil)

1. Educação: +0,3 p. p.

Entender a educação como parte do processo de desenvolvimento de uma nação é uma retórica que parece óbvia, mas não é. Lant Pritchett, economista de desenvolvimento da Universidade de Oxford, explica que, além de cada real investido em educação triplicar em retorno para o PIB, a musculatura que o país ganha ao fortalecer a base do ensino altera a estrutura econômica. “Até aqui, o Brasil só focou em quantidade, não em qualidade.” Um estudo de Oxford para países subdesenvolvidos estima que, em média, três anos de uma educação construtiva, inclusiva e agregadora têm a capacidade de elevar em 1,8 ponto percentual o PIB per capita de um país.

Segundo o IPEA, em uma análise superficial sobre o currículo escolar brasileiro, é possível concluir que, se os alunos aprendessem o que está pré-definido na grade, o ganho no PIB seria de 0,3 ponto percentual ao ano, sem grandes esforços.

“O Brasil ainda peca no feijão com arroz. Os alunos saem da escola sabendo ler? Sabendo fazer contas? Sabendo projetar o futuro? Se a resposta for não, o caminho está errado”, disse Pritchett.

E para quem acha que a solução está em mais investimento público, um alerta: não falta dinheiro, falta capacidade administrativa.

O Fundeb, que escoa recursos da União para estados e municípios, tem, só em 2024, 172 denúncias abertas de possíveis corrupções. Há ainda uma desproporção orçamentária nas prefeituras que, por exigência da Constituição, são obrigadas a investir um determinado percentual em educação, mas disfarçam essa verba para aplicá-la em outras áreas.

É o caso clássico da Ronda Escolar, recurso de segurança pública muitas vezes custeado com verba da educação. Como resolver isso? Para Pritchett, a solução é ampliação do papel do Estado.

“Não adianta apenas definir a grade e obrigar o investimento. O governo central precisa cobrar resultados, mensurar dados, avaliar o desempenho macro. Foi assim na China e na Coreia do Sul recentemente”, disse.

Na Inglaterra, um processo similar, que oferecia bônus orçamentários para cidades que atingissem níveis de escolaridade funcional na metade do século passado, foi determinante para a disseminação da educação.

2. Reforma Administrativa: +0,85 p. p.

Entre as mudanças mais relevantes para destravar a economia, reavaliar o tamanho do Estado se torna imperativo. A ideia central, muito além de revisar cargos, salários e privilégios, precisa ser a reavaliação da necessidade do número atual de cidades, descentralizando micropoderes em municípios que não possuem capacidade de se financiar e dependem, quase integralmente, de repasses da União

. Segundo Marcus Pestana, diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente), as medidas podem reduzir os gastos em R$ 128 bilhões em 10 anos. Ele afirma que as medidas poderiam desafogar as contas públicas do governo federal, melhorando a capacidade de investimento da União.

Segundo o IPEA, a redução do Estado colocaria recursos na economia ativa e teria um impacto no PIB de quase um ponto percentual ao ano. Para entender o efeito das mudanças, basta olhar para o passado. Entre 1950 e 1970, período considerado de maior crescimento médio da economia brasileira, os gastos públicos representavam 25,5% do PIB.

Em 2023, essa fatia estava em 43,4%; as despesas correntes, antes 20%, hoje batem 40%. Para equilibrar as despesas, o investimento nacional caiu de 5,5% do PIB para 1,5% em 2022. Não há, neste momento, qualquer disposição do governo Lula em avançar com este tema.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem afirmado que, pelo entendimento da equipe econômica, o foco neste momento é começar a reforma mirando “o andar de cima”. Ele cita privilégios em cargos dos Três Poderes. A ministra de Gestão e Inovação, Esther Dweck, confirmou à DINHEIRO que a reforma em curso no Congresso, a PEC 32/2020, nos termos atuais, não terá apoio do governo por ser “essencialmente punitivista e com foco na base da pirâmide do serviço público”.

Avaliar a demanda do mercado externo é crucial para o Brasil firmar acordos comerciais mais eficientes para alavancar exportações (Crédito:Divulgação)

3. Comércio exterior: +0,35 p. p.

Depender de commodities tem sido uma muleta para a economia brasileira. O bom desempenho da balança comercial, apoiado basicamente no agronegócio, é pouco para o potencial brasileiro. Para Roberto Giannetti da Fonseca, economista, ex-secretário-executivo da Camex e ex-diretor da Fiesp, falta um projeto claro de país e uma rota mais definida para aumentar as exportações e abrir mais o Brasil para o comércio exterior.

“Para um país ser competitivo, não basta produzir. É preciso saber vender bem, vender valor agregado, marca. Infelizmente, a cultura exportadora brasileira ainda é muito incipiente”, disse.

Segundo o economista, nenhum país da atualidade se desenvolveu sem o que ele definiu como “surto de exportação”. Entre os exemplos, ele cita Alemanha, Coreia do Sul, China e Japão, países que cresceram agregando a demanda externa à sua capacidade de oferta, aumentando o emprego e a renda com a possibilidade de atingir mercados externos.

“É a maneira mais lógica e mais óbvia de um país crescer e trazer competitividade para dentro, o que envolve qualidade, preço e marketing.” Nesse sentido, apesar de o governo estar trabalhando na diplomacia para firmar novos acordos comerciais, ainda é preciso garantir condições de igualdade competitiva para a cadeia produtiva brasileira.

A matriz industrial brasileira, desde a indústria extrativista até a de transformação, possui uma base anacrônica, antiquada e custosa. Com a virada do século, enquanto países como a China já começavam a mirar os negócios do futuro, a indústria brasileira ainda possuía uma estrutura fordista usada na segunda metade do século XX.

O ponto de inflexão para que o Brasil use melhor os novos acordos comerciais, vislumbrando até uma troca mais pujante com a União Europeia, é dar aos empresários condições de adaptar seu pátio fabril, assim como acontece no agronegócio, por meio do Plano Safra.

R$ 128 bilhões
é o potencial de redução dos gastos públicos em dez anos, caso a Reforma Administrativa saia do papel

4. Desindexação do orçamento: +1,02 p. p.

Assunto sensível e com capacidade de aflorar os ânimos da população, a desindexação de parte do Orçamento federal também pode ser um motor para a economia. Hoje, muitos dos gastos públicos são obrigados pela Constituição a terem reajuste com base na inflação passada, uma forma de tentar garantir a mesma capacidade de investimento ano após ano.

Para Felipe Salto, economista-chefe da Warren, esse pensamento é falacioso, já que nem tudo depende do volume de recursos alocados, mas da inteligência na aplicação.

“Temos de debater um novo sistema para os gastos com saúde e educação, sem essa correção automática”, disse.

Outro benefício de tal mudança, segundo ele, seria deixar o orçamento livre para investimentos menos engessados. Atualmente, segundo estimativa do Tribunal de Contas da União, o governo federal poderia ter disponível para investimento R$ 131 bilhões ao longo de dez anos com a medida.

“Garantir gastos permanentemente não quer dizer que você esteja melhorando as políticas públicas”, afirmou.

Quando ampliada a discussão para desindexar benefícios previdenciários, seja aposentadoria ou auxílios esporádicos, a cifra pode superar os R$ 200 bilhões em uma década. Dentro da cúpula do governo federal, o tema chegou a ser debatido e foi encabeçado pelo Ministério do Planejamento, com Simone Tebet à frente do estudo de viabilidade, mas ainda não avançou. Segundo Fernando Haddad, este não é o momento para discutir o assunto.

R$ 200 bilhões
Podem ter novos destinos em uma década se o governo não usar a inflação nas correções obrigatórias

5. Reforma Tributária: +0,25 p. p.

Em vias de finalização, a reforma tributária também tem a capacidade de estimular o PIB, mas apenas se for simples o bastante para atrair investimento estrangeiro, assertiva o suficiente para não abrir brechas para privilégios e constante para garantir estabilidade jurídica.

Para Zeina Latif, ex-economista-chefe da XP Investimentos e ex-secretária de Desenvolvimento Econômico do estado de São Paulo, atualmente sócia-diretora da Gibraltar Consulting, o nó envolvendo a reforma tributária tem sido tão grande que alguns conceitos se perderam.

“O argumento de que a menor taxação implicará em preços mais baixos é frágil.”

Isso porque, explica ela, o benefício pode se transformar em aumento da margem de lucro, e não em redução do preço.

Movimento similar ao que aconteceu com a desoneração da folha. Era para gerar mais empregos, mas, na prática, apenas deu um fôlego para os empresários nos encargos trabalhistas. Há ainda o impacto direto na alíquota padrão para compensar as desonerações. “No orçamento das pessoas de baixa renda, o aumento da tarifa média é uma notícia ruim”, disse.

Na prática, um estudo de 2023 do IPEA revelou que a base da pirâmide social paga, em média, entre 21% e 28% da própria renda mensal em impostos. Tal fatia cai para entre 15% e 19% entre os mais ricos.

O resultado, segundo o IPEA, é que o dinheiro não gasto pelos ricos é direcionado a investimentos, enquanto, no orçamento dos mais pobres, é recolocado na economia real, o que ajuda a desenvolver a economia.

6. Mercado financeiro: +0,15 p. p.

Entre os setores mais estruturados do Brasil, o mercado financeiro tenta acompanhar o ritmo mundial dos investimentos, mas escorrega na falta de estabilidade. Prova disto são as baixas e altas históricas vividas em 2024 no Ibovespa.

Para Alberto Ramos, diretor de pesquisa macroeconômica do Goldman Sachs, ainda há algum nível de incerteza do investidor estrangeiro em relação a operações no Brasil, principalmente devido à complexidade dos processos legais e à instabilidade fiscal do país.

Além disso, os juros elevados nos EUA reduzem o apetite pelo mercado brasileiro, que precisaria ganhar novos contornos para voltar ao jogo. Até julho, os estrangeiros retiraram R$ 42,4 bilhões do Brasil, a maior cifra desde 2020.

O motivo, segundo Ramos, é que, apesar das vantagens que o Brasil possui, como não estar em guerra, ter energia limpa e barata e boas atividades no agronegócio, ainda falta um melhor posicionamento diante do mundo.

“O investidor que sai da China ou da Rússia vai para a Índia, para a Indonésia, para a Tailândia, para o México”, disse.

A reversão deste cenário e o retorno do capital estrangeiro podem ocorrer com medidas simples. A promoção de condições mais atraentes para negócios que envolvam ativação econômica, como energia limpa, construção ou economia criativa, além de uma sinalização mais forte de controle das contas públicas, reduziria o risco no investimento e garantiria recursos a serem utilizados no país.

7. Ciência & Tecnologia: +0,90 p. p.

Se o plano é pensar no futuro, o movimento precisa ser já. O investimento em ciência e tecnologia no Brasil precisa disparar para tentar competir com o mundo. E quem afirma isso é o ex-ministro de Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende.

“Um país que honra o pagamento de uma dívida trilhardária não é pobre”, disse.

De acordo com dados do Portal da Transparência, o Brasil investiu no último ano o equivalente a 1,3% do PIB em desenvolvimento tecnológico e científico, um número considerado muito baixo.

“Muitas pessoas me perguntam por que o Brasil nunca ganhou um prêmio Nobel, e a resposta é clara: não há investimento”, disse.

Com a atenção do mundo voltada para soluções sustentáveis e respostas que andem lado a lado com os recursos naturais, o Brasil deve investir no desenvolvimento de soluções utilizando a própria cultura como porta de entrada para ampliar consideravelmente os ganhos.

“Não adianta ter o queijo na mão, se a faca não corta.” A reconstrução da estrutura científica brasileira, que foi lateralizada por anos, envolve acordos de cooperação internacional, atração de mão de obra estrangeira e capacitação dos pesquisadores, facilitação do crédito para estudos e criação de produtos, além de políticas públicas nacionais para estimular novas descobertas.

Com soluções possíveis e relativamente simples, a solução para o Brasil está, parafraseando Celso Furtado, nas mãos de quem se compromete a fazer a mudança.