28/09/2020 - 13:57
Organizado pelo Instituto para o Diálogo Global e a Cultura do Encontro (IDGCE), ligado ao Vaticano, o 6º Fórum Virtual do Direito à Água e à Esperança aconteceu no dia 17 deste mês. O evento contou com a participação de inúmeros especialistas mundiais, em um trabalho conjunto e interdisciplinar sobre o direitos humanos à água e ao saneamento.
Participaram o filósofo italiano Gianni Vattimo, o ministro da Suprema Corte Ricardo Lorenzetti, vencedor do Prêmio Água de Estocolmo, Asit K. Biswas, líder do povo Sarayaku e ativista de direitos humanos, Patricia Gualinga, entre outros . A iniciativa tem o apoio do Papa Francisco e é coordenada pelo cardeal Claudio Hummes, presidente da Rede Eclesial Panamazônica (REPAM) e relator geral do Sínodo para a Amazônia, realizado no ano passado no Vaticano.
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Gabriela Sacco, Diretora Executiva do IDGCE, abriu a conferência e destacou a qualidade dos palestrantes: “Hoje, como em fóruns anteriores, contamos com uma grande equipe de especialistas de diversos países do mundo. Gostaríamos de agradecer a todos pelas propostas, reflexões, a partilha de conhecimentos e a abertura ao diálogo sobre os diversos temas que abordamos”.
Alfredo Ferro SJ, da Rede Eclesiástica Panamazônica, inaugurou o primeiro painel, representando a instituição co-organizadora do evento. O padre jesuíta destacou os objetivos destes fóruns, como um espaço de discussão de novas soluções tecnológicas para os problemas ambientais atuais, mas destacou “reivindicar nestas atas, a abordagem simbólica, poética e espiritual da água, sem deixar de ter nossos pés no chão, ou seja, resgatando nossas raízes profundas”.
Acrescentou que é importante “aceitar que não só as inovações tecnológicas e sociais são garantia para resolver ou avançar nas soluções dos problemas relacionados com a água”.
Ferro também aproveitou em seu espaço para destacar o papel da água, como recurso bom e de direito, principalmente para as populações amazônicas, nas quais a REPAM tem sua principal área de atuação: “A água tem forte simbolismo e dimensão sagrada. (…) Para muitos indígenas, a água é uma dádiva das divindades (…), esse bem precioso está ameaçado”.
Nesse sentido, segundo Ferro, “o esforço e a necessária conversão a que somos chamados, exige que tenhamos como alicerce e alicerce uma espiritualidade robusta, dentro de novos paradigmas, onde a água é uma realidade boa e fundamental”.
Por último, sublinhou a necessidade de assumir compromissos específicos, “que se centram fundamentalmente no direito que todo ser humano e toda criatura têm à água”.
A fala de Alfredo Ferro contou com a perspectiva de Jaime Perczyk, Secretário de Políticas Universitárias da Nação (Argentina), na educação e nas políticas públicas, nas inovações de cunho social na região.
Segundo Perczyk, o problema da água faz parte de um problema geral: “O que esse presente faz é catalisar reflexões, transformações, que vêm de antes da pandemia”. O eixo da apresentação de Perczyk foi nas “grandes transformações que nossa sociedade está passando, uma delas é a tecnologia.
Nessa linha, Perczyk afirma que também as mudanças demográficas e nas concentrações urbanas “onde o que se começou a construir foram guetos de ricos e pobres, com as consequências que isso tem na saúde, na gestão da água e com as responsabilidades que cada um tem na nossa sociedade”.
É por isso que Perczyk questiona essas transformações e coloca em cima da mesa a ideia de que “a pobreza e a degradação do mundo andam de mãos dadas”. “Em meio a essa pandemia, o que se vai gerar é um mundo em que a desigualdade vai ser maior, o que é promovido na educação, na cultura; Acreditamos que a forma de mediar contra essas transformações é dar outras visões ”.
A esta altura, o secretário de Políticas Universitárias destacou o papel do Papa Francisco: “Gera outra visão, tem outro olhar, não naturaliza a agressão ao meio ambiente, não naturaliza a desumanização do trabalho”
A tudo isso ele acrescentou a importância do papel do Estado: “Acreditamos que as universidades fazem parte do Estado, São a instituição que cria e sistematiza o conhecimento por excelência”, expressou.
Por fim, trouxe à discussão a noção de responsabilidades que andam de mãos dadas com os direitos, pois “dos mais humildes a meritocracia pede responsabilidades quando não lhes garante direitos”, e a forma de garantir direitos é aquela que garante um desenvolvimento solidário e pacífico.
O segundo painel contou com a presença de Gabriella Carolini, Professora do Departamento de Estudos Urbanos e Planejamento do Massachusetts Institute of Technology (MIT), EUA; e Adriano Stringhini, membro do Conselho de Administração da Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (SABESP). Ambos deram suas contribuições na perspectiva da gestão de recursos, Carolini da área acadêmica e Stringhini da gestão do serviço público.
Para Carolini, quando o assunto é pobreza e água, acredita-se que é preciso ir para países de baixa renda, mas em países como os Estados Unidos o acesso ainda não é universal. Por isso Carolini destaca a importância das avaliações para melhorar a equidade no acesso à água e a importância de perguntar como sabemos se o que estamos fazendo é certo.
Segundo o especialista em estudos urbanos, dos setores público e privado, existem relatórios, associações e redes internacionais que se encarregam de monitorar desde a estatística até a gestão dos recursos.
Stringhini, por sua vez, fez uma apresentação detalhada de todos os projetos em inovações tecnológicas, mas, mais importante, as medidas sociais e de apoio às comunidades que a empresa brasileira implementa neste momento: conversão de novas formas de combustível, energia solar, aplicativos para que os usuários possam medir o consumo do recurso e também abrir concursos para projetos que precisam de fundos.
Ele também destacou a iniciativa da SABESP de isentar os usuários de baixa renda do pagamento da conta do serviço, até meados de agosto inclusive,
O terceiro painel contou com as participações de Diego Berger, Coordenador de Projetos Especiais, da Mekorot, empresa nacional de água de Israel, e Jaime Gutierrez Bayo, CEO da BRUMA sustentabilidade e participação cidadã SL (Espanha).
Berger destacou o fato da valorização das “transferências de tecnologia”, que são feitas por governos e órgãos públicos, ao solicitar sua colaboração em projetos internacionais. Para ele a questão é “por que essa transferência de tecnologia é necessária?”
Segundo ele, os problemas na distribuição de água não são necessariamente “high tech”. Pelo contrário, a tecnologia de 50 anos atrás consegue manter a sua funcionalidade, pois, segundo o especialista, radicado em Israel há mais de trinta anos, os problemas de acesso à água não têm a ver com falta de tecnologias, mas sim relacionados com a implementação ou não de políticas públicas.
Nesse sentido, Berger enfatiza que “a tecnologia é um meio e se tornou um objetivo”, razão pela qual historicamente houve uma recaída em “políticas convincentes”, para que a maioria das populações aprendesse sobre os possíveis usos de água e sua economia; ou em subsídios e fornecimentos gratuitos, que são inúteis se nas populações não houver noção da importância do cuidado com a água e no campo da “hidro-política”, não houver gestão centralizada, medição, legislação e financiamento da água.
Gutiérrez Bayo, complementou o que foi afirmado por Berger e continuou na linha de trabalho com as populações e a importância da gestão da água. Salientou a importância de não confundir tecnologia com inovação, pois para esta é necessário que o fator humano intervenha.
A partir de sua experiência, Gutiérrez Bayo afirma que há três áreas fundamentais a serem consideradas para a inovação na gestão da água: o envolvimento do cidadão, a concepção integral do ciclo da água e a tecnologia a serviço da melhoria da qualidade de vida das pessoas.
Em particular sobre este último ponto, para Gutiérrez Bayo, monitoramento, Big Data e controle de irrigação são exemplos de áreas nas quais a tecnologia pode ser aplicada para resolver problemas relacionados à água. Em última análise, para os espanhóis, o fundamental nesta questão é a celebração de acordos sobre o direito à água.
No penúltimo painel, fizeram uso da palavra Christian Taylor, presidente da Associação Argentina de Engenharia Sanitária e Ciências Ambientais (AIDIS) Argentina, e Héctor García, Professor de Engenharia Sanitária do IHE-Delft (Holanda).
Em sua seção, Christian Taylor discorreu sobre as consequências do crescimento populacional no futuro e destacou que 70% da população mundial viverá em grandes centros urbanos. Nessa época, estima-se que a demanda por água crescerá 50% e o estresse hídrico afetará cada vez mais as populações.
Entre as propostas da associação que preside, propõe-se que seja uma oportunidade face a estas estatísticas, para priorizar a gestão da água e saneamento e infraestruturas básicas nas zonas mais vulneráveis do continente. A ideia que Taylor destaca é que, com uma gestão eficiente, é possível resolver os problemas hídricos presentes e futuros.
A isso se somou a fala de Héctor García, com a apresentação das aplicações inovadoras dos sistemas de monitoramento de águas residuais para encontrar as áreas de circulação do coronavírus e sua relação com os níveis de contágio em áreas da cidade de Delft Holanda.
Na mesma linha, García mostrou como o sistema de monitoramento também permite detectar taxas de contágio em toda a Holanda, já que a experimentação foi bem sucedida até o momento.
No entanto, García destacou que esta inovação não é particular na Holanda, o que é particular é que o governo a utilizou durante a pandemia, como uma ferramenta para implementar suas políticas de saúde pública contra o desenvolvimento do vírus.
No painel final, Elena Cristófori, Professora de Riscos Hidrometeorológicos da Universidade de Torino, e Patrick Thompson, Pesquisador Sênior da Escola de Geografia e Meio Ambiente da Universidade de Oxford no Reino Unido, cada um apresentou as inovações que implementam em seus campos de atuação. cada um e os resultados do seu trabalho.
Cristofori é o chefe do projeto Translate Into Meaning (TRIM, na sigla em inglês), em que se utilizam de recursos tecnológicos, para aprimorar o conhecimento de risco de populações vulneráveis por meio do envolvimento dos atores de cada comunidade.
É importante, para o hidrólogo italiano medir, sistematizar e criar observatórios comunitários capazes de detectar sinais de risco em tempo hábil, levando em consideração o conhecimento da população local, somado aos dados e métodos científicos de medição, já que isso favorece a participação de membros da comunidade no desenvolvimento de sua gestão de recursos.
Thompson, por outro lado, partilhou com a mesa a sua experiência de trabalho com água subterrânea em comunidades do Quénia, que foram concebidas de forma simples e com possibilidade de serem mais facilmente organizadas por membros de uma mesma comunidade, para que não dependam de assistência. de especialistas que podem demorar para reconectar o serviço.
Para Thompson, é preciso então unir as dimensões tecnológica e social, na medida em que a implantação de tecnologias acessíveis para todos os seus membros resulte em seu empoderamento e, em longo prazo, isso leve a melhores resultados. No entanto, afirmou que a mediação entre governos e comunidades não deve ser deixada de lado para se conseguir o direito à água e o direito à esperança.
O próximo fórum do Ciclo será “Novos Paradigmas em Direito Ambiental: O desafio de um novo pacto entre a humanidade e o planeta”, e acontecerá no dia 25 de agosto de 2021 às 10h na Argentina. O fórum se concentrará no impacto da falta de acesso à água e na violação dos direitos humanos.
A ausência ou falta de proteção do recurso nas populações vulneráveis também será abordada por meio da análise de cenários específicos com perspectivas da Lei, políticas e estratégias para a solução dessas situações em horizontes temporais de curto, médio e longo prazo.