12/08/2021 - 17:00
A proposta do governo para parcelar dívidas judiciais e abrir espaço no Orçamento em ano eleitoral chegou ao Congresso crivada de críticas. De um lado, advogados veem trechos que afrontam a Constituição e já foram alvo de debate no Supremo Tribunal Federal (STF). De outro, a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, um dos principais órgãos de vigilância das contas públicas, alerta que a medida abre caminho a um “orçamento paralelo” e piora a percepção de risco fiscal sobre o Brasil.
O governo apresentou a PEC como solução para a fatura de R$ 89,1 bilhões em precatórios (valores devidos após sentença definitiva), prevista para 2022. Sob o argumento de imprevisibilidade desse gasto, que cresceu 61% em relação a este ano, a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, quer permitir o pagamento de parte dessas dívidas em até dez anos.
Para evitar uma “bola de neve”, o governo propôs um fundo de liquidação de passivos, com recursos de venda de imóveis, privatizações, dividendos de estatais e partilha de recursos de petróleo do pré-sal.
“As operações passarão ao largo da Lei Orçamentária – fora, portanto, do controle parlamentar – e não estarão sujeitas ao teto de gastos. Presume-se que a tese defendida para tanto seja a de que os precatórios constituem dívida, a ser então amortizada via novo fundo. Perde-se transparência e se abre caminho à criação de orçamento paralelo”, diz a IFI.
O diretor-executivo da IFI, Felipe Salto, afirma que a PEC é um “combo antirresponsabilidade fiscal” ao flexibilizar regras fiscais, parcelar despesa obrigatória, criar um fundo paralelo ao Orçamento e evidenciar o “tiro n’água” que foi a PEC emergencial, que prometia ajustar as contas quando as despesas obrigatórias chegassem ao nível crítico de 95% do total, o que não aconteceu nem mesmo com os precatórios.
Além do problema econômico, advogados veem violações no campo jurídico. A pedido do Estadão/Broadcast, a Comissão Especial de Precatórios da OAB Nacional apontou quais seriam os pontos inconstitucionais na proposta. Segundo o presidente da comissão, Eduardo de Souza Gouvea, de forma ampla há oito violações, mas, considerando que diferentes dispositivos afrontam o mesmo princípio, as ilegalidades passariam de 20.
Segundo ele, ao propor um parcelamento dos precatórios e até mesmo a compensação desses pagamentos com eventuais débitos de contribuintes (inscritos em Dívida Ativa) ou de Estados e municípios, a PEC afronta o princípio da isonomia, pois coloca a Fazenda Pública (União) em posição de superioridade em relação aos demais contribuintes. Outro problema seria o desrespeito ao princípio da segurança jurídica, pois o entendimento é de que o pagamento em prestações eventualmente autorizado pelo Legislativo modifica a “coisa julgada”, isto é, a decisão do juiz de determinar a reparação do dano de forma imediata. “O princípio do parcelamento é inconstitucional, porque modifica a sentença do Judiciário. E são poderes independentes”, diz Gouvea, ressaltando que a separação entre poderes é violada.
Ele ainda elenca a violação ao princípio do direito de propriedade, uma vez que os valores devidos após decisão judicial definitiva são considerados propriedade do credor. Com a PEC, o beneficiário não poderia dispor livremente desses recursos.
Outra inconstitucionalidade seria a mudança na correção dos valores devidos pela União, que deixaria a fatura menos salgada para o poder público. O advogado Vitor Boari, presidente do Movimento dos Advogados em Defesa dos Credores Alimentares do Poder Público (Madeca), afirma que a questão já é pacificada no STF.
Na área econômica, a avaliação é de que alguns dos pontos levantados pelos advogados precisariam ser analisados sob outra ótica, mas a equipe reconhece que os dispositivos devem gerar “discussões acaloradas” e considera o “risco de o STF derrubar”.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.