DINHEIRO ? O Brasil é um dos alvos da espionagem econômica internacional?
Mauro Marcelo de Lima e Silva ? Certamente. O final da Guerra Fria entre Estados Unidos e a União Soviética soltou no mercado milhares de espiões. São profissionais bem treinados que perderam as funções políticas e buscam oportunidades em todo o mundo para atender a demanda de clientes interessados em arrancar de maneira ilegal informações estratégicas de concorrentes. Essa mudança na geopolítica do planeta coincidiu com a explosão da globalização, dos interesses internacionais atrelados à questão econômica e do aumento da concorrência comercial entre países e empresas. Então, os espiões se posicionaram como prestadores de serviços dessa nova ordem, da qual não temos como escapar.

DINHEIRO ? Como é a dinâmica de trabalho dos arapongas? Como eles atuam?
Lima e Silva ? De maneira muito sofisticada e profissional. A tecnologia é um grande diferencial dessa mão-de-obra. Outro aspecto desse profissional é o seu conhecimento de como conseguir informações fora dos padrões de legalidade. Tarefa fácil diante da falta de cuidado que muitas empresas têm em relação as suas informações confidenciais.

DINHEIRO ? Por que o Brasil está na agenda de trabalho desse pessoal?
Lima e Silva ? O desenvolvimento econômico, tecnológico e o alcance global das nossas empresas e do governo é em alguns casos comparável ao de nações mais desenvolvidas. Temos companhias de primeira linha nas áreas de de tecnologia espacial, matrizes energéticas e biotecnologia. São mercados disputados nos quais cada informação pode fazer uma grande diferença no preço final do produto. É um campo muito fértil para os arapongas. A espionagem econômica se dá de empresas contra empresas e de governos contra governos.

DINHEIRO ? Quais são os alvos prioritários no País?
Lima e Silva ? Já identificamos alguns setores da economia, mas por questão de segurança não podemos revelar os casos já rastreados. Há exemplos públicos como a tentativa de registro da marca Cupuaçu no Japão (uma empresa solicitou, mas após uma batalha jurídica financiada por companhias brasileiras a Justiça daquele país rejeitou o pedido). Também temos informações sobre a atuação de ONGs na selva amazônica e de cientistas de outros países fazendo biopirataria.

DINHEIRO ? As empresas do Brasil não protegem de maneira adequada as suas informações estratégicas?
Lima e Silva ? Infelizmente não. Nossas companhias relaxam quando a economia está crescendo como agora e tentam fechar as portas quando o cenário piora. Não existe a estratégia da antecipação. É preciso criar mecanismos de blindagem para evitar a perda das informações estratégicas e também um plano de contingência para quando ocorrer a quebra de segurança. As empresas nacionais precisam proteger o seu conhecimento sensível que vai desde as informações econômicas até planos estratégicos de expansão.

DINHEIRO ? A Abin tem como ajudar o empresariado nacional a se proteger dessa ameaça?
Lima e Silva ? Uma das minhas tarefas à frente da agência é mostrar para a sociedade como ainda é equivocada essa idéia que somos um bando de 007 fazendo espionagem política. Não quero ficar preso ao que já foi. Quem olha pelo retrovisor bate de frente com o futuro. A Abin sabe o que está acontecendo no mundo de hoje e temos as ferramentas adequadas para ajudar quem nos procura. Tanto no governo como na iniciativa privada. Quando cheguei encontrei em execução o Programa Nacional de Proteção ao Conhecimento. A idéia é simples e muito eficaz. Nossos analistas (o diretor da Abin não utiliza a expressão espião ou araponga para se referir aos 1.700 funcionários da agência) viajam pelo País fazendo palestras e seminários para empresários e executivos da área pública. Esse é o primeiro passo.

DINHEIRO ? E os outros?
Lima e Silva ? Em breve vamos elaborar um documento com algumas medidas que as empresas devem tomar para tentar evitar a quebra da segurança das suas informações. É uma maneira de demonstrar para sociedade brasileira qual o nosso papel dentro da ordem constitucional vigente. Quero fugir do estigma de ser o extinto SNI.

DINHEIRO ? O antigo SNI foi criado para atender as supostas necessidades de segurança nacional dos governos militares. Era o Estado querendo se proteger e investigar seus próprios cidadãos.
Lima e Silva ? Conheço o desafio e agradeço ao presidente Lula por me oferecer esta oportunidade. O serviço de inteligência é uma atividade de Estado, e não de governo. Sou funcionário do Estado brasileiro que respeita a Constituição, as instituições democráticas e os Três Poderes da República. Esse é o grande diferencial da minha gestão à frente da Abin.

DINHEIRO ? E o governo, como se protege?
Lima e Silva ? Temos instrumentos sofisticados para evitar a quebra de segurança das nossas informações confidenciais. Toda a comunicação do presidente, o vice e os ministros é feita por canais seguros e criptografados, tecnologia que codifica qualquer tipo de informação em equipamentos eletrônicos. Temos na Abin um departamento que cuida exclusivamente do desenvolvimento de tecnologias para garantir a privacidade dos integrantes do governo. Parte desses recursos podemos colocar à disposição da iniciativa privada.

DINHEIRO ? Qual a missão de uma agência de inteligência no século 21?
Lima e Silva ? Depende muito da questão cultural. Por exemplo, em Israel a estratégia é voltada para a guerra com os palestinos. Nos Estados Unidos, as questões mais importantes são relacionadas à segurança interna e ao terrorismo. No Brasil é complicado. Não temos inimigos. Atuamos basicamente em dois vetores: inteligência e contra-inteligência. No primeiro, coletamos fatos e produzimos relatórios que ajudam nas decisões governamentais. Montamos cenários para auxiliar o presidente na tomada de decisões. Oferecemos informações e o presidente dá a palavra final, como ocorre em todos os casos. Na contra-inteligência temos o chavão da proteção da sociedade, do Estado democrático e das instituições nacionais. São diversos aspectos que envolvem bioterrorismo, biopirataria e problemas na fronteira.

DINHEIRO ? Como é na prática o trabalho dos analistas da Abin?
Lima e Silva ? Vamos imaginar que uma praga comprometa as plantações de soja nos Estados Unidos. Identificamos o problema e informamos ao presidente, porque pode ser importante para o governo naquele momento incentivar os produtores nacionais a buscar oportunidades de negócios no mercado americano. Outro exemplo. O tráfego do Canal da Panamá (a passagem entre os oceanos Pacífico e Atlântico) fica comprometido em função de um acidente com alguma embarcação. O Brasil tem 200 navios cargueiros se dirigindo para aquela região. Isso vai afetar o desembarque, nossa economia e nós precisamos de um plano estratégico para antever esse problema e dá uma sugestão ao presidente de como direcionar uma saída.

DINHEIRO ? Esse procedimento é adotado dentro do País? Como investigar as ações do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e informar tudo ao governo?
Lima e Silva ? Como já falei, a agência trabalha dentro da ordem democrática. Não investigamos grupos específicos como o MST. Nossa tarefa interna é acompanhar as demandas sociais. O MST não é um problema nosso. Agora, a questão agrária exige cuidado e atenção de nossa parte porque o governo não pode ser surpreendido.

DINHEIRO ? Quem no governo centraliza os relatórios diários da Abin?
Lima e Silva ? O ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Jorge Amando Félix, a quem estou subordinado. É ele que faz os despachos diários com o presidente e entrega nossos documentos.

?O MST não é um problema
nosso. O que nos interessa é
a questão agrária do País?

DINHEIRO ? Os grupos internos que existem na Abin criaram até agora algum tipo de problema para o sr.?
Lima e Silva ? Existem dois mundos dentro da agência. O primeiro é pessoal, mais antigo, que tem uma visão bem diferente da atividade de inteligência. São antigos funcionários da época do SNI. Temos uma nova geração que entrou recentemente vindo de ambientes mais questionadores como universidades. Até agora, esses grupos estão trabalhando sem problemas. Modifiquei 80% da área de comando e estou prestigiando funcionários de carreira. Quero implementar uma visão para todos em que tudo muda e de que a atividade de inteligência precisa mudar.

DINHEIRO ? O sr. assumiu a função sob algumas críticas em relação ao fato da sua ligação com o FBI, a polícia federal americana. Isso o incomodou?
Lima e Silva ? Acho tudo uma bobagem. Sou brasileiro e funcionário do gover-
no brasileiro. Minhas obrigações são com o meu País. A relação com o FBI é puramente educacional. Estudei lá como outros já fizeram. Não fui o primeiro nem serei o último a aprender as boas técnicas de investigação e conhecer os recursos tecnológicos que os agentes americanos têm à disposição. Também fiz cursos no Japão e no Canadá e ninguém me acusou de ter estreitas ligações com os serviços
de inteligência desses países.

DINHEIRO ? Por que o sr. evita o termo espião quando se refere aos empregados da Abin?
Lima e Silva ? É um termo da literatura e distante da nossa atual realidade. Não somos espiões nem agentes secretos. Somos analistas. A espionagem é a busca da informação por meios ilegais. Nós buscamos dentro da legalidade.