06/10/2000 - 7:00
DINHEIRO ? Por que o saldo da balança comercial brasileira vai tão mal?
carlos LANGONI ? Havia uma visão distorcida das perspectivas da balança. Por muitos anos chegamos a acumular mega-superávits comerciais. No cenário atual é pouco provável que isso se repita. Se o País crescer 4% ou 5%, os superávits vão ficar na faixa de US$ 2 bilhões. O que mudou? A diferença é que a recuperação brasileira está ocorrendo em uma economia aberta, com menos protecionismo e tarifas de importação menores. A retomada do crescimento brasileiro implica um maior volume de importações, principalmente de produtos intermediários, componentes, bens de capital e de consumo. Vai ser assim daqui para frente. Acabaram os mega-superávits.
DINHEIRO ? O governo previa um superávit comercial de US$ 5 bilhões para 2000, reviu essa meta para US$ 2,8 bilhões e, no momento, não se arrisca a dar um novo palpite. Alguns analistas já trabalham com saldo negativo…
LANGONI ? Neste ano deverá ficar muito abaixo de US$ 1 bilhão, talvez apenas ligeiramente positivo. Mesmo com as exportações voltando a crescer entre 18% a 19%, as importações aumentaram rapidamente. Além disso, tivemos dois complicadores: o aumento do petróleo, que representou um gasto adicional significativo, e o preço das commodities exportadas pelo Brasil, que continuam caindo ou se recuperando lentamente. É um resultado frustrante, mas reflete a nova realidade do País.
DINHEIRO ? Quais os maiores entraves para as exportações?
LANGONI ? Um deles é a competitividade. O Brasil já eliminou uma grande distorção que era a âncora cambial, mas isso por si só não torna o Brasil mais competitivo. Existem dois elementos que definem a competitividade. Um é dentro da empresa. Nesse aspecto, as companhias brasileiras avançaram muito nos últimos anos, por meio de processos de reestruturação e modernização. Nosso problema é o outro elemento, a competitividade sistêmica. Ele envolve, por exemplo, a eficiência da infra-estrutura e a qualificação de mão-de-obra. É por isso que o Brasil aparece mal classificado na lista de competitividade global. Se não avançar substancialmente e elevar as componentes sistêmicas de competitividade, o País não vai conseguir avançar muito, ainda que tenha um setor privado dinâmico e eficiente.
DINHEIRO ? Se não temos perspectivas de grandes superávits, como ficam as contas externas?
LANGONI ? O déficit em conta corrente vai se estabilizar na faixa de US$ 24 bilhões a US$ 25 bilhões. Esse nível de déficit é muito alto. É verdade que como o PIB vai crescer, a relação entre o déficit em conta corrente e PIB vai cair para cerca de 3,5%. Mas o ideal é que pudéssemos reduzir para algo em torno de 2,5% do PIB. Realisticamente, é preciso transformar as exportações em um objetivo permanente do governo. Não temos um banco de comércio exterior. O volume de recursos é limitado. E financiamento é uma das grandes restrições, pois esbarra no elevado custo de capital doméstico.
DINHEIRO ? Mas o volume atual de investimento estrangeiro direto, que tem permitido fechar as contas externas, não vai durar para sempre…
LANGONI ? Acredito que ainda vá durar bastante tempo. Pela ótica do mercado financeiro, que vê os níveis de reservas e os baixos superávits comerciais, o Brasil ainda é muito vulnerável, fica mal na foto. Mas o investidor estratégico, que vem produzir no País, tem outra visão. Ele olha mais para o tamanho do mercado e suas perspectivas de crescimento. Mesmo depois das crises da Ásia e da Rússia, e da crise cambial brasileira, o fluxo de investimento direto continuou crescendo. Ele saiu de um patamar US$ 4 bilhões, em 95, e chegou a US$ 30 bilhões no ano passado. Neste ano deve fechar em US$ 28 bilhões. E deve ficar acima de US$ 25 bilhões nos próximos três anos. Não acredito que isso possa cair subitamente.
DINHEIRO ? Mas os investimentos estrangeiros que estão chegando ao País são em sua maioria para o setor de serviços, que não gera exportações e ainda aumenta as remessas de lucro e dividendos para o exterior.
LANGONI ? É verdade, mas modernizar o setor de serviços é fundamental para tornar o País mais competitivo. Os investimentos no setor de telecomunicações, por exemplo, não vão gerar diretamente exportações, mas indiretamente elas serão beneficiadas, uma vez que o Custo Brasil é reduzido. Da mesma forma, o setor de energia, gás, petróleo e bancos.
DINHEIRO ? Aumentar a poupança interna não ajudaria a resolver o balanço de pagamento?
LANGONI ? A formação de poupança doméstica ainda é baixa. Cresceu um pouco com a queda da inflação, mas anda beirando 17%. Esse número já foi 20%. Para elevar a poupança doméstica temos de reduzir o déficit público, que é uma poupança negativa. Assim, serão liberados mais recursos para se financiar investimentos privados. Mas isso depende de um novo ciclo de reformas que vai além da reforma tributária. Para aumentar a poupança doméstica, também é preciso ter um ambiente macroeconômico com menor incerteza em relação ao futuro. No Chile, a poupança é superior a 25% do PIB. Lá, os fundos privados de pensão são os grandes financiadores dos projetos industriais e imobiliários. A síntese disso é a taxa de juros. Ainda que a nossa taxa de juros tenha caído, ainda é o dobro da taxa de juros real dos países desenvolvidos e mesmo de países em desenvolvimento. Elevar a taxa de poupança não é uma tarefa fácil. A grande virada seria equacionar de forma definitiva o déficit público.
DINHEIRO ? O sr. acredita que o País está no rumo do crescimento?
LANGONI ? Não podemos achar que o crescimento está garantido porque saímos da crise. A recuperação existe, não é uma bolha de consumo, mas também não é o crescimento sustentável. O Brasil precisa continuar avançando para consolidar reformas que permitam essa passagem de uma recuperação para um crescimento mais sustentável. Essa passagem ainda não ocorreu. O único país que fez isso com sucesso na América Latina foi o Chile, que há 12 anos vem crescendo de forma ininterrupta, porque foi o primeiro país da região a começar as reformas profundas.
DINHEIRO ? Quando o sr. estava no governo, o principal problema era uma inflação de 80% ao ano. Hoje, qual seria a principal meta da economia brasileira?
LANGONI ? Em primeiro lugar, o problema brasileiro é consolidar a estabilização. Vivemos em mundo muito diferente dos anos 80. O processo de globalização avançou muito. Os países e as instituições competem entre si, não são só empresas. O Brasil tem de ter um nível de desempenho macroeconômico que seja convergente com os melhores desempenhos no mundo. Basta pensar que os países desenvolvidos vêm conseguido crescer a um ritmo superior ao do Brasil, com inflação mais baixa. A verdade é que o Plano Real não teve sucesso na transição da estabilidade para o crescimento. Temos apenas espasmos de crescimento, que além de instável, é vulnerável a choques externos. O que eu chamo de crescimento sustentável tem de ser contínuo, próximo da taxa potencial, em torno de 6% no Brasil, inflação baixa e ao longo de, pelo menos, 10 anos. Não é uma tarefa fácil. Poucos países conseguiram atingir esse objetivo, mas é a única forma de sair do status de economia emergente para um status superior, de país desenvolvido. O problema brasileiro não é falta de recurso. É a má qualidade na aplicação dos recursos existentes.
DINHEIRO ? O problema então é o fator humano?
LANGONI ? É a ineficiência da gestão pública que não avançou nada. Há um enorme descompasso entre a capacidade de gestão pública e privada. Um exemplo: quando entrei na Fundação Getúlio Vargas, em 1973, 70% dos alunos queriam trabalhar no setor público. Hoje, 90% quer ir para o setor privado. O setor público brasileiro precisa premiar a qualidade e o desempenho para atrair os bons profissionais. Quem começou a fazer isso foi o Paulo Renato de Souza, ministro da Educação, que está alocando recursos públicos em função do desempenho das universidades e das escolas. Isso significa premiar, por exemplo, o funcionário com um bônus salarial, o médico com mais recursos. Isso é fundamental para que os gastos públicos possam ser um instrumento redistributivo. O Banco Mundial percebeu muito bem que os gastos públicos brasileiros têm sido um fator de concentração de renda, e isso incomodou muito o governo.
DINHEIRO ? Com a experiência de quem já passou pelo Banco Central, qual estilo de gestão lhe agrada mais: Gustavo Franco ou Armínio Fraga?
LANGONI ? Tenho respeito pelos dois, mas o Armínio Fraga tem sido mais realista e tem tido mais sucesso na administração política e monetária do País. A visão de Fraga se adapta às características do Brasil atual e da situação mundial de alta volatilidade. Ou seja, a âncora cambial do Gustavo Franco é muito pouco eficiente em mundo volátil. Essa é a experiência do Brasil, México, Colômbia. É também a experiência dramática da Argentina. Eu acho que Gustavo Franco e o governo demoraram demais a reconhecer que a âncora cambial deveria ter sido substituída antes.
DINHEIRO ? Como o sr. avalia o desempenho do ministro Alcides Tápias no comando das exportações?
LANGONI ? Ele está fazendo o que pode, com instrumentos muito limitados. Mas é preciso traçar objetivos de médio prazo, que melhorem a mão-de-obra, que facilitem a incorporação de novas tecnologias. O mais importante, que são os financiamentos, não depende do ministro Tápias. Depende da melhoria da percepção do risco Brasil.