O Ministério Público Federal avalia que o esquema supostamente adotado pelo ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobrás Aldemir Bendine – preso nesta quinta-feira, 27, na Operação Cobra, fase 42 da Lava Jato – é ‘semelhante’ ao usado pelas maiores empreiteiras do País que formaram cartel de propinas na estatal petrolífera e se valeram de contratos de consultoria fraudulentos para justificar pagamentos milionários a políticos e ex-dirigentes da companhia.

Bendine foi preso em regime temporário por cinco dias, inicialmente, por suspeita de recebimento de R$ 3 milhões em propinas da Odebrecht. Ele está recolhido em uma cela da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, base da Lava Jato. A PF também prendeu, por ordem do juiz federal Sérgio Moro, os irmãos publicitários Antonio Carlos e André Gustavo Vieira Junior, apontados como ‘profissionais da lavagem de dinheiro’ e operadores financeiros de Bendine.

Os investigadores suspeitam que André Gustavo forjou contrato de consultoria da MP Marketing, Planejamento e Sistema de Informação Ltda – supostamente de fachada e da qual ele é sócio – com a Odebrecht para tentar ‘justificar’ o recebimento dos R$ 3 milhões que teriam sido destinados a Bendine.

Para os investigadores, André Gustavo adotou ‘modus operandi’ aparentemente semelhante ao das construtoras, entre elas OAS, Camargo Corrêa e UTC, investigadas na 7.ª fase da Lava Jato.- a Operação Juízo final – que se valeram de notas fiscais ‘frias’ emitidas pelas empresas controladas pelo doleiro Alberto Youssef para tentar fazer prova de que os pagamentos de propina destinados ao esquema de corrupção na Diretoria de Abastecimento da Petrobrás eram, na verdade, remuneração de serviços de consultoria prestados pelo operador financeiro’.

A força-tarefa do Ministério Público Federal aponta, ainda ‘incontáveis outras incongruências e inconsistências’ na versão de André, em cuja residência, no Lago Sul, em Brasília, o empreiteiro e delator Marcelo Odebrecht se reuniu com Bendine para supostamente acertar a propina – inicialmente, dizem os investigadores, o ex-presidente da Petrobrás, exigia R$ 17 milhões, mas acabou aceitando reduzir a quantia em troca de ajudar a companhia na estatal, quando a Lava Jato já estava a pleno vapor e cercava as grandes construtoras do País.

“Estranhamente, o negócio jurídico de consultoria alegado por André Gustavo, no montante de milhões de reais, não foi objeto de formalização em um contrato escrito”, afirma a Procuradoria da República. “André Gustavo também não apresentou qualquer comprovante da efetiva prestação do suposto serviço pactuado, nem demonstrou qual a formação técnica que justificava sua contratação por cifras vultosas, pelo grupo empresarial Odebrecht.”

Para os investigadores existem ‘fortes evidências’ de que a versão do aliado de Bendine seria ‘fantasiosa e minuciosamente fabricada para ludibriar as investigações, inclusive com a apresentação de documentos aparentemente fraudulentos e a adoção de recentes condutas com o escopo de acobertar os crimes aqui narrados’.

Eles se referem ao recolhimento de impostos sobre os R$ 3 milhões. A propina, segundo delação de Odebrecht, foi paga em três parcelas de R$ 1 milhão cada, entre o final de julho e o iníciol de julho de 2015 – duas parcelas foram ‘quitadas’ quando Odebrecht já estava preso pela Lava Jato.

Apenas em 2017, o operador de Bendine declarou imposto sobre os R$ 3 milhões, segundo a Procuradoria. A declaração foi feita ‘para tentar fazer prova da efetiva prestação do alegado serviço de consultoria’. A investigação revela que os tributos foram recolhidos nos dias 14 de março e 6 de abril de 2017.

Os investigadores constataram que André também apresentou dois comprovantes de arrecadação de tributos que alegou serem referentes aos pagamentos milionários da Odebrecht, realizados em 2015, ’em razão do serviço de consultoria supostamente prestado pela MP Marketing, Planejamento e Sistema de Informação Ltda’.

“Ambos comprovantes demonstram duas arrecadações via DARF realizadas pelo contribuinte pessoa física André Gustavo, em momento muito posterior aos pagamentos da suposta consultoria”, assinala a Procuradoria.

O primeiro recolhimento, no valor de R$ 75.171,60, ocorreu em 14 de março de 2017, exatamente o dia em que foi protocolada pelo procurador-geral da República, Roidrigo Janot, a manifestação que deu origem à Petição 6646 e ao inquérito contra Bendine por ordem do juiz Sérgio Moro com base na delação de Odebrecht.

O outro pagamento de tributo, no valor de R$ 1.001.189,75, ocorreu no dia 6 de abril, apenas dois dias após o Supremo Tribunal Federal determinar a remessa de cópia da Petição 6646 para a 13.ª Vara Federal de Curitiba, sob titularidade de Moro.

“Tais condutas, além de demonstrarem claro intuito de turbação das investigações, consubstanciam evidência de ocultação e dissimulação da origem, natureza, movimentação e propriedade dos valores ilícitos auferidos por André Gustavo e Aldemir Bendine”, sustenta a Procuradoria.

Os investigadores verificaram que André apresentou cópia da Alteração e Consolidação Contratual nº 10, do contrato social da MP Marketing ‘para ilustrar que possui empresa especialmente constituída para esta finalidade [atividade de consultoria]’.

“Observa-se, contudo, que, além de o objeto social declarado da empresa não ser específico, mas sim absolutamente genérico e variado, a referida alteração contratual modificou o objeto social da empresa na data de 28 de janeiro de 2016, ou seja, é posterior à suposta consultoria prestada para o Grupo Odebrecht”, pontua a investigação.

“Em verdade, há fortes evidências de que a MP Marketing é uma empresa de fachada, uma vez que, a despeito da profusão de atividades cobertas por seu objeto social declarado, o quadro de empregados da empresa durante toda sua existência foi absolutamente exíguo ou nulo”, afirma a força-tarefa do Ministério Público Federal.

Os investigadores consultaram Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) e descobriram que a MP Marketing não tem nenhum funcionário desde 2006.

COM A PALAVRA, O ADVOGADO PIERPAOLO BOTTINI, QUE DEFENDE ALDEMIR BENDINE:

“Desde o início das investigações Bendine se colocou à disposição para esclarecer os fatos e juntou seus dados fiscais e bancários ao inquérito, demonstrando a licitude de suas atividades. A cautelar é desnecessária por se tratar de alguém que manifestou sua disposição de depor e colaborar com a Justiça.”

COM A PALAVRA, ADEMAR RIGUEIRA, QUE DEFENDE ANDRÉ GUSTAVO VIEIRA E ANTONIO CARLOS VIEIRA:

“Há uma precipitação em relação ao André. Ele vem, desde que o inquérito se encontra no Supremo, ele vem se manifestando, vem peticionando. A própria competência do juiz Sérgio Moro foi determinada pelo ministro Fachin e dessa decisão nós agravamos. Não há ainda nenhuma manifestação do Supremo sobre a competência. Há uma dúvida ainda sobre a competência, então, me parece precipitado o juiz ter decretado a prisão temporária antes mesmo do Supremo delimitar qual é o juiz competente para apreciar o feito. Independente disso, ele vem contribuindo, já trouxe a versão dele nos autos, ele vem comunicando ao juiz Sérgio Moro todas as viagens que faz. Essa viagem (para Portugal, hoje) foi comunicada ao juiz Sérgio Moro desde o início da semana com passagem de ida e vbolta, local de hospedagem, motivo da viagem. Não nos parece necessária essa prisão. A discussão de indícios de autoria, de prova ou materialidade vão ser auferidas duramente o inquérito, durante o processo. Não se furtou a colaborar desde o início. Ele se coloca a disposição em completo respeito à decisão. A relação mesmo de mérito foi um negocio feito com a Odebrecht, foi procurado pela Odebrecht, se colocou para resolver um problema, resolveu e cobrou os honorários. Ele tem uma relação de conhecimento, de amizade com o ex-presidente do Banco do Brasil, foi colocado para ele um problema, ele se prontificou a ajudar, identificou qual era o problema, levou para Odebrecht e o corpo técnico do Banco do Brasil solucionou o impasse. Já houve auditoria do Banco do Brasil que comprovou que tudo foi feito dentro da legalidade. Ele apenas facilitou os trâmites legais. Ele não é economista, não deu parecer. Mas ele resolveu a identificar o problema e facilitar um diálogo com a Odebrecht e cobrou por isso. O Antonio não tem nenhuma relação, ele é irmão de André Gustavo. A relação que se fala do apartamento em que foi feito um pagamento, que ele era o locatário de um apartamento em São Paulo que servia a ele e ao irmão André Gustavo, e um pagamento foi feito lá. Não tem nenhuma vinculação. Ele não é citado em nenhum momento se fala no nome dele. Nem os delatores da Odebrecht, nem nenhuma outra pessoa. Isso para mim é uma grande injustiça, uma pessoa presa sem qualquer vinculação com isso.