09/06/2001 - 7:00
DINHEIRO ? Como o sr se sente no papel de principal negociador brasileiro da Área de Livre Comércio das Américas e dos acordos com a União Européia?
JOSÉ ALFREDO GRAÇA LIMA – Sou um funcionário público que exerce um cargo de confiança na área econômica do Itamaraty. A partir de outubro, quando o Brasil passará a ter a presidência do Comitê de Negociações Comerciais e a co-presidência da Alca, meu envolvimento poderá ser ainda maior do que é hoje. Estarei à frente dessa missão até quando o presidente Fernando Henrique e o ministro Lafer desejarem.
DINHEIRO ? O sr. tem mais de 30 anos de experiência como negociador. Qual a sua expectativa agora?
GRAÇA LIMA ? Todas as negociações são tão pesadas que, muitas vezes, você precisa ter um preparo físico especial. É necessário muita disposição, estar com a cabeça arejada para ser criativo e rápido nas reações para que a negociação tenha um desenvolvimento positivo. A paciência é um requisito básico. É uma espécie de jogo, mas é um jogo de longo prazo. É como uma maratona onda todas as etapas têm de ser planejadas com antecipação e não no último minuto. Em 1986, em Genebra, enfrentei a negociação mais demorada de minha vida. Negociávamos o Quarto Protocolo de Extensão do Acordo de Multifibras. A negociação começou numa manhã de segunda-feira e só terminou na sexta-feira. É um jogo bruto, muitas vezes do qual você não pode fugir.
DINHEIRO ? Quais as armas do Brasil?
GRAÇA LIMA ? A estratégia é chegar na mesa negociadora numa situação de vantagem política e econômica. Queremos, também, evitar repetir erros do passado. Antigamente, em razão da política de proteção do mercado interno, o Brasil não conseguiu obter vantagens no exterior. Para piorar, a postura dos negociadores brasileiros era muita tímida e equivocada. Lembro-me que era considerado uma vitória terminar uma negociação sem ter feito nenhuma concessão ao outro lado. Isso era fruto de uma visão extremamente protecionista. O que ninguém se dava conta é que também não se conseguia nada do outro lado.
DINHEIRO ? O que mudou?
GRAÇA LIMA ? Com o mercado mais aberto, liberalizado, como é hoje, o clima é mais propício para avançar nas negociações. E, ao contrário do passado, o Brasil não só quer como precisa dessa integração com o exterior. Por isso, está disposto e já fez uma grande parte de concessões, inclusive com a redução tarifária em acordos do Mercosul.
DINHEIRO ? Desde a Reunião de Brasília, em agosto do ano passado, o Brasil definiu como uma das estratégias negociar em bloco com outros parceiros.
GRAÇA LIMA ? Sim. As parcerias básicas já estão montadas. É Mercosul, Caribe e Pacto Andino juntos. E Nafta de outro. Na verdade, em relação à Alca, será uma polarização entre Mercosul e Estados Unidos.
DINHEIRO ? No caso de os Estados Unidos, o principal mercado da Alca, dificultarem as negociações, uma aliança com a União Européia pode ser o plano B?
GRAÇA LIMA ? Ambas as negociações são o plano A . Não temos plano B.
DINHEIRO ? O País trabalha em várias frentes?
GRAÇA LIMA ? O Brasil tem hoje um comércio bem distribuído entre quatro áreas geográficas: América Latina, Estados Unidos, União Européia e Ásia. E queremos manter essas relações. A única maneira de fazer isso é dando as mesmas vantagens para todos. Posso assegurar que o acordo que estivermos fazendo com os Estados Unidos, também estaremos negociando com a Alca, União Européia e Mercosul.
DINHEIRO ? Como negociar questões comerciais num clima de ameaças, como acontece com o aço brasileiro, cujas importações o governo Bush quer restringir?
GRAÇA LIMA ? A situação não é boa. Mas o mundo não acabou ainda. A medida do presidente Bush antecipa um futuro que é muito preocupante para a indústria do aço. Se a ITC (Comissão de Comércio Internacional) determinar que há danos, o passo seguinte será a aplicação da salvaguardas. Isso distorce o mercado, pois torna a indústria americana protegida e limitada. Por outro lado, salvaguarda é muito difícil de você aplicar. Os americanos sabem disso é já acenam com um acordo multilateral.
DINHEIRO ? Brasil e Canadá continuam a guerra comercial por causa dos subsídios no setor da aviação. Já há uma luz na fim do túnel para essa guerra?
GRAÇA LIMA ? A situação é esdrúxula, porque os canadenses restringiram a guerra à imprensa. Acusam o Brasil, injustamente, de estar aplicando subsídio como pretexto para eles darem mais subsídios à Bombardier e, assim, ganharem novas concorrências. Quanto ao novo convite para o Brasil voltar à mesa de negociação, acho muito suspeito. Afinal, negociar o quê?
DINHEIRO ? É cada vez maior o número de disputas envolvendo o Brasil na OMC. Isso é resultado da política comercial brasileira?
GRAÇA LIMA ? Claro. Temos um pannel sobre patentes, mas ele está seguindo vagarosamente. Os americanos fizeram uma grita geral, principalmente com dois artigos da nossa lei. O que eles mais protestam é o artigo 68, que permite conceder licença compulsória para produzir medicamentos que não sejam fabricados em território nacional.
EIRO ? O Brasil está preparado para sair bem das negociações com a Alca?
GRAÇA LIMA ? Precisamos dar maior competitividade à nossa economia, e isso independe do processo negociador em que estaremos envolvidos. Pode ser tanto Alca, União Européia ou mesmo OMC. O desafio agora é buscar um equilíbrio entre a liberalização do nosso mercado e as oportunidades e vantagens que poderemos obter disso expandindo nossa presença no exterior. Na medida em que abrimos a economia, conseguimos melhores condições de acesso. Ao mesmo tempo, o nosso parque produtivo é obrigado a tornar-se mais eficiente para enfrentar a competição. Admito, porém, que a competitividade também passa pela desoneração da carga tributária. Claro que tudo isso terá que ser feito de modo a não prejudicar, por exemplo, as metas fiscais. Tudo a seu tempo.
DINHEIRO ? Lá fora, o principal entrave dos acordos de integração será, sem dúvida, o protecionismo dos países ricos. Há espaço para negociar isso?
GRAÇA LIMA ? A batalha será difícil. Mas não há mais nenhuma justificativa para se continuar a dar alguns subsídios. É o caso do subsídio à exportação. Isso é quase que um crime comercial e uma injustiça tremenda para os países que exportam eficientemente.
DINHEIRO ? O governo americano diz que o Brasil chora à toa. Que, na média, as tarifas deles giram em torno dos 2%.
GRAÇA LIMA ? Na minha opinião as tarifas, em geral, não são mais um sinônimo de proteção. Isso só acontece quando elas são muito altas, como no caso do suco de laranja, que é mais de 40%. No caso do tabaco, onde as tarifas podem chegar a 350%, ninguém se arrisca a exportar fora da cota.
DINHEIRO ? Com problemas como a desvalorização do real, a crise argentina e os ataques do ministro Domingo Cavallo, ainda resta alguma esperança para o Mercosul?
GRAÇA LIMA ? O momento mais delicado do bloco foi a mudança cambial do Brasil. Depois tivemos problemas com salvaguardas e acordos setoriais. Agora, o grande problema é a decisão de Domingo Cavallo de alterar as tarifas do bloco. Dependendo da forma como isso for feito, poderá ser muito desfavorável para o progresso do Mercosul.
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DINHEIRO ? Tem muita gente dizendo que o Mercosul já acabou. DINHEIRO ? Não está faltando um comprometimento político entre os parceiros? DINHEIRO ? A expectativa é que as arestas sejam aparadas na reunião do Mercado Comum no próximo dia 21… DINHEIRO ? Vários negociadores argumentam que não se pode baixar demais a TEC, agora, mas sim quando se discutir a Alca. |