03/05/2013 - 21:00
Um grupo de mães de recém-nascidos, que trabalha numa metalúrgica no interior de São Paulo, se reuniu com seus patrões para pedir uma adaptação simples da lei trabalhista. Em vez de contar com os dois descansos diários e a meia hora a que têm direito, para amamentar seus filhos em casa até que eles completem seis meses, as mulheres pediram para transformar esses intervalos em dias extras da licença-maternidade. Os patrões concordaram, e deveriam ter colocado a extensão de dias na carteira de trabalho. Mas a Justiça vetou a proposta e as mães não puderam usufruir desse direito acordado com os empregadores.
O descanso de meia hora está previsto no Artigo 396 da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), criada há 70 anos, quando a maioria dos brasileiros com carteira assinada trabalhava perto dos seus empregos, portanto, podia se deslocar até a sua casa e voltar em 30 minutos. Hoje, a exemplo das metalúrgicas paulistas, muitas mulheres perdem o benefício porque se torna impossível exercê-lo. Quando criou a CLT, em 1943, o presidente Getúlio Vargas tentou pensar em tudo que pudesse garantir proteção aos trabalhadores brasileiros, que viriam a ser empregados com a industrialização do País. Mas Vargas não tinha como antever as mudanças sociais e tecnológicas que o mundo traria.
Como ele iria prever o teletrabalho, derivado da expansão da internet? Ou adivinhar que os trabalhadores com 50 anos de idade de hoje estão no auge da atuação profissional, e não prestes a se aposentar, como na década de 1940, por conta da melhoria nas condições de saúde e no aumento da longevidade da população brasileira? Ou, ainda, que patrões e empregados poderiam chegar a acordos simples e adotar a prática do “ganha-ganha”, no século 21? Essas e tantas outras mudanças não constam do extenso conjunto de leis trabalhistas brasileiro. E é por isso que a revisão da CLT é mais do que necessária. É saudável, para constatar o que já foi incorporado nas relações entre empregados e patrões e que não demanda mais amparo legal.
E também, para avaliar o que ainda requer controle do Estado para evitar abusos. É inadmissível, por exemplo, que exista trabalho escravo no País, e somente isso já justificaria ter uma legislação que balize o mercado. A herança escravocrata na sociedade brasileira ainda mantém uma inércia tentadora de subjugar pessoas simples, principalmente nas regiões em que há maior concentração de renda e impera a lei do “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Há relatos de pessoas que morreram por cobrar a indenização trabalhista a que tinham direito em cidades pequenas do Nordeste. Ninguém sabe, ninguém viu e o País continua caminhando, convivendo com essas mazelas.
Trata-se de um mundo à parte na mesma nação que atraiu as mais modernas multinacionais, em particular na região Sudeste, onde o movimento sindical ganhou músculos e aprendeu a negociar um modelo empresarial que privilegia a criação e manutenção de empregos. Quem diria que os trabalhadores da Ford de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, lograriam estabelecer um acordo com a direção do grupo americano para que fosse mantido o projeto global do Ecosport em sua fábrica do ABC? O acordo garantiu estabilidade de pelo menos duas décadas aos trabalhadores, num momento em que a montadora começava a fechar plantas pelo mundo para conter gastos.
Para quem concorda com a necessidade de um redesenho da CLT, com a adaptação aos novos tempos, eis uma boa notícia: no próximo dia 14, terá início uma rodada de negociações entre governo federal, centrais sindicais e representantes do setor privado para buscar pontos de convergência que ajudem a aperfeiçoá-la. Com a vantagem de envolver as partes interessadas, que defenderão democraticamente suas posições, no lugar de ser fruto da imposição imperial, como aconteceu nos anos 1940, a discussão sobre uma nova CLT será um teste para medir a maturidade do País, tanto para reconhecer seus avanços, como para corrigir suas ineficiências.