DINHEIRO – O senhor acaba de terminar uma reunião de dez horas com executivos brasileiros em sua primeira visita ao País neste ano. O senhor ouviu boas ou más notícias?
PAOLO MONFERINO – As notícias são excelentes, principalmente se considerarmos que há dois anos o setor vivia uma grande crise. Agora, começamos a enxergar boas perspectivas.

DINHEIRO – Como quais, por exemplo?
MONFERINO – Uma delas é a própria condição econômica do País. O futuro se mostra muito positivo. Lembro-me que quando vivi aqui tínhamos que trabalhar com uma inflação mensal de 10%! Gerir uma empresa naquelas condições era praticamente impossível. Hoje o cenário é infinitamente melhor, com índices estáveis e com tendência de ficarem ainda melhores. Inflação baixa, custo do dinheiro diminuindo, crédito abundante. Este é o melhor momento para investir no Brasil.

DINHEIRO – A Iveco está investindo?
MONFERINO – Sim. Neste ano vamos investir R$ 150 milhões e no ano que vem o mesmo montante. Recursos que serão aplicados em produtos. Temos dois lançamentos programados para 2007 e outros dois para 2008. E junto conosco, crescem também as revendas. Hoje temos 62 concessionários, mas o programa é aumentar o número de pontos de venda e de assistência técnica. Só neste início de ano fechamos acordos com quatros novos parceiros.

DINHEIRO – Esse crescimento vem acompanhado de rentabilidade?
MONFERINO – O resultado deste ano será positivo e, acredito, será ainda melhor do que as projeções feitas pelos nossos executivos, afinal o desempenho das vendas neste ano está superando todas as expectativas. No primeiro quadrimestre, as vendas internas de caminhões cresceram 23,6%, ultrapassando 28,9 mil unidades. A Iveco cresceu 35,4%.

DINHEIRO – Com o aquecimento na demanda, há risco de falta de produto?
MONFERINO – O que está acontecendo é um alongamento no prazo de entrega. Isso quer dizer que o cliente compra hoje e demora um certo tempo para receber, dependendo do modelo escolhido. Isso está acontecendo com toda a indústria. Ao mesmo tempo há uma movimentação muito grande dos fornecedores de autopeças para conseguir atender a demanda. É um momento de crescimento muito forte que necessita de alguns pequenos ajustes de toda a cadeia. Mas estamos todos trabalhando e não faltará produto.

DINHEIRO – Este ritmo é sustentável?
MONFERINO – Este crescimento continuará pelo menos pelos próximos três anos. Estamos vivendo um momento de grande entusiasmo. E, acredito, que a economia brasileira em geral viverá excelentes momentos neste período, inclusive a economia agrícola que nos últimos anos enfrentou problemas e que agora se recupera. O etanol e o biodiesel surgem como uma grande promessa de incrementar ainda mais o agronegócio aqui e em outros países, como os Estados Unidos. Como o mercado de caminhões é muito conectado ao agrícola, as perspectivas de negócios são muito boas.

DINHEIRO – No resto do mundo, o setor de caminhões também vive uma boa fase?
MONFERINO – A única exceção é a América do Norte, mais especificamente os Estados Unidos. A economia americana não vai lá muito bem. O mercado imobiliário está fraco e leva consigo toda a economia local. O mercado de caminhões está sofrendo este impacto negativo. É a única região do mundo, no nosso segmento, que está fraca. Na Europa as vendas vão muito bem, na Ásia o crescimento é assustador, com números incríveis. Na China o crescimento é da ordem de 25% ao ano. E aqui, como já comentamos, o desempenho é bastante positivo.

DINHEIRO – A Iveco produz na China?
MONFERINO – No ano passado, fizemos três joint-ventures na China, onde já produzimos a linha completa. Em números isso significa que 95 mil caminhões deixam as nossas fábricas por ano. Se você considera que em toda a Europa a Iveco produz e vende cerca de 180 mil unidades, temos outra pequena Iveco na China.

DINHEIRO – Há chances de a China ser um grande centro exportador de caminhões?
MONFERINO – As nossas três fábricas chinesas produzem só para consumo local. São produtos muito simples, baratos e com uma qualidade que dificilmente permitiria sua exportação. Mas acho que em dois, três anos, quando toda a tecnologia que estamos repassando a eles já tiver sido absorvida, estarão prontos para exportar. Não digo que para a Europa ou para as Américas, devido à distância. Mas para os países asiáticos, certamente. E esse é um comportamento da indústria chinesa de forma geral.

DINHEIRO – Hoje a América do Norte é a única região onde vocês não produzem. Por quê?
MONFERINO – Realmente. Estamos olhando oportunidades, estudando perspectivas de produzir por lá talvez por meio de uma aliança para atingir nichos específicos de mercado. Mas vamos ver. Hoje a China nos demanda muito empenho tanto de recursos como de pessoas. E a América Latina também. Pela primeira vez a Iveco decidiu que o Brasil é um dos principais países na nossa estratégia de crescimento. Temos muito a trabalhar.

DINHEIRO – Em termos práticos o que isso significa?
MONFERINO – Hoje a Iveco é a única empresa no Grupo Fiat que ainda não consegue dar retornos incríveis no País. E isso é muito ruim porque este é o segundo maior mercado do grupo no mundo. A Fiat é a líder em carros. A CNH, no mercado agrícola, também vai muito bem.

DINHEIRO – O fato de vocês já terem saído do País na década de 80 atrapalha os negócios?
MONFERINO – Nossa história aqui começa quando a Fiat comprou a Alfa Romeo, que produzia carros em uma fábrica no Rio de Janeiro, e passa a fabricar alguns caminhões. Mas a marca Iveco nasceu em 1975 quando houve a junção de três fábricas de caminhões da Europa. Em 1985, estávamos passando por uma grande reestruturação quando o board decidiu interromper a produção aqui. Em 2000 voltamos. O nosso problema aqui é, em primeiro lugar, a falta de reconhecimento da marca. Hoje o brasileiro não reconhece a empresa como uma grande montadora local. Quem testa os nossos caminhões, gosta e compra. Então vamos fortalecer nossa imagem aqui, mostrando a qualidade dos produtos, a boa relação de consumo de combustível.

DINHEIRO – Uma dificuldade que o setor enfrenta é a pouca disponibilidade de crédito, principalmente para autônomos. Como enfrentar este problema?
MONFERINO – o

DINHEIRO – Apesar da melhoria das condições, a frota nacional ainda é bastante antiga.
MONFERINO – Frota ultrapassada é um problema global. Na Europa temos uma questão semelhante, que se agrava ainda mais à medida que a legislação sobre emissão de poluentes fica mais rígida. Hoje, a Europa trabalha com a Euro V, em dois anos teremos a Euro VI. E o problema é que faremos um grande investimento para reduzir a emissão de poluentes em veículos novos enquanto temos milhares de veículos que rodam dentro da Euro I ou até sem obedecer legislação ambiental alguma. Aqui o problema é mais ou menos o mesmo. Tem uma quantidade muito alta de veículos velhos andando nas ruas. Isso significa mais consumo de combustível, mais emissão de poluentes. É um custo ambiental muito pesado para o País.

DINHEIRO – Falta comprometimento do governo com a renovação da frota?
MONFERINO – O governo brasileiro tem uma lista imensa de problemas a resolver. É compreensível que haja escolhas a serem feitas, com prioridades em problemas que sejam estratégicos para o crescimento do País. Nos últimos anos, por exemplo, houve um importante subsídio para a agricultura e foi uma boa escolha. Essa decisão contribuiu para o crescimento do País. Ainda hoje, mesmo com a crise dos últimos tempos, a exportação agrícola brasileira é uma das mais expressivas do mundo. Mas, hoje já há possibilidade de trocar um pouco o endereço dos subsídios governamentais para a infra-estrutura e a indústria de veículos.

DINHEIRO – Um desafio da indústria automotiva é reduzir a emissão de poluentes. Como o setor de caminhões está trabalhando para contribuir com isso?
MONFERINO – Existem dois problemas hoje para a indústria automotiva e sobretudo para os fabricantes de caminhões. O primeiro deles é a necessidade de reduzir o consumo de combustível. Não sabemos até quando haverá combustíveis fósseis. Talvez pelos próximos 20, 30 anos, depois eles irão acabar e é preciso pensar em substitutos.

DINHEIRO – E o segundo?
MONFERINO – São os poluentes. Os combustíveis alternativos têm que ser preparados para reduzir drasticamente a poluição ambiental. O grupo Fiat é um dos líderes do mundo na pesquisa de combustíveis alternativos. Estamos pensando em várias alternativas. Hoje trabalhamos muito o gás, que é o melhor combustível para o ambiente.

DINHEIRO – Hoje o Brasil está se transformando em um centro de engenharia mundial em automóveis. Em pesados a tendência também se consolidará?
MONFERINO – Hoje temos um grupo de engenharia na Argentina, mas nossa melhor fábrica está no Brasil. Vamos manter o grupo argentino, mas vamos construir o centro de engenharia e de treinamento da América Latina entre Belo Horizonte e Sete Lagoas (MG). Este centro terá a responsabilidade de desenvolver projetos de produtos específicos para países com as mesmas características do Brasil. As mesmas características sociais, econômicas e geográficas.

DINHEIRO – Algum projeto em vista?
MONFERINO – Algumas em estudo. Uma das grandes responsabilidades será fazer produtos para o México, onde ainda não temos atividades. Caminhões para o restante da América Latina e África também sairão daqui.