19/12/2014 - 6:45
Como único brasileiro no International Institute for Management Development (IMD), de Lausanne, na Suíça, o diretor do Grupo Evian e ex-diretor de Relações Exteriores do Banco Mundial Carlos Braga tem acompanhado a leitura que a comunidade internacional de negócios vem fazendo do Brasil. E a conclusão não é das melhores. Embora o País tenha conseguido diminuir a desigualdade social nas últimas duas décadas, o modelo de expansão da economia alavancado pelo consumo está esgotado. “O País tem apresentado taxas de crescimento anêmicas e muito abaixo do seu potencial”, diz Braga. Para ele, alguns fatores impedem o desenvolvimento brasileiro, como as barreiras protecionistas e a falta de competitividade das empresas locais. No entanto, o principal problema se tornou o Mercosul. “Está na hora de o País buscar por conta própria a globalização”, afirma o professor. Isso significa deixar de lado o atraso do bloco econômico da América do Sul em favor de uma maior aproximação com os mercados da Europa e dos Estados Unidos.
DINHEIRO – Como a comunidade internacional está avaliando o Brasil neste momento?
CARLOS BRAGA – Fizemos uma conferência na sede do IMD, em Lausanne, na Suíça, que se chamava “Brazil What Next?”, entre o primeiro e o segundo turno das eleições no País. O tema do debate era se o modelo baseado em expansão do crédito, redistribuição de renda e expansão da economia mundial, que é voltado para dentro, o que chamamos de mercado doméstico, está esgotado ou não. Havia duas visões. Uns poucos acham que o modelo tem fôlego, outros, como eu, estão convencidos de que o modelo chegou ao limite. Para essa corrente, é necessário um choque de produtividade na economia brasileira, se quisermos voltar a crescer 3% ou 4% ao ano.
DINHEIRO – Mas o País dificilmente vai crescer a essas taxas nos próximos anos.
BRAGA – A maioria dos economistas concorda que a taxa potencial de crescimento do Brasil está na faixa dos 3% a 4%. No entanto, desde 2011, estamos paralisados entre 2% e neste ano o PIB ficará em 0,3%, um crescimento anêmico e abaixo do nosso potencial. Isso acontece, justamente, porque o modelo se esgotou. É um modelo baseado na expansão de consumo, mas financiado por dívida, o que leva as pessoas a ficar no limite. E, se em cima disso há uma crise de confiança em relação às medidas do governo para favorecer o investimento, tem-se um coquetel muito maléfico para o crescimento. O consumo não mantém o dinamismo da economia e, por outro lado, o setor privado não está disposto a fazer apostas significativas de investimento.
DINHEIRO – Qual foi a conclusão desse encontro?
BRAGA – Na avaliação da maioria dos participantes, havia duas hipóteses. A primeira é a de que, embora esse modelo tenha chegado ao limite, não haveria mudança por questões ideológicas, caso a presidenta Dilma Rousseff se reelegesse. Outros, ao contrário, tinham a impressão de que mesmo que o PT ganhasse, como acabou acontecendo, haveria mudanças e um reconhecimento, apesar de o governo não dizer isso abertamente, de que é necessário um novo padrão de desenvolvimento. Nesse sentido, a nomeação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda mostra que vai haver mudança, sim. Apesar de fundamental, não será fácil – 2015 será um ano difícil, pois alguns segmentos da economia brasileira, justamente os mais competitivos, como o agronegócio e a exportação de minério, dependem da economia mundial.
DINHEIRO – O que o sr. espera da economia mundial em 2015?
BRAGA – A economia mundial é como se fosse um avião com quatro motores. Um deles são os EUA, que funciona bem, deve crescer 2% a 3%. O problema lá é muito mais político do que econômico, pois o país está extremamente polarizado em dois partidos, algo que os analistas dizem nunca ter visto, desde a guerra civil no século XIX. Mais complicado do que perder a maioria na Câmara, como ocorreu recentemente com os democratas, é ver como eles votam. No passado, havia uma coincidência entre os republicanos mais liberais e os democratas mais conservadores, que conseguiam fazer uma coalizão para avançar a política em certas áreas. Agora, isso não existe mais.
DINHEIRO – No entanto, mesmo com a recuperação americana, o crescimento da economia mundial é decepcionante…
BRAGA – É porque o segundo motor é a Europa e esse não funciona bem. E existe um perigo nessa região. Nos próximos meses, haverá eleições na Grécia, França e Itália, além de um plebiscito no Reino Unido, e a tendência é favorecer partidos que são contra a Comunidade Europeia (CE) e a Zona do Euro. Isso cria um clima de desconfiança que não ajuda. A situação é parecida com a que o Japão vivia nos anos 1990, de endividamento excessivo, com ajustes para fazer. O que se pode apostar é que não haverá crescimento significativo. O Japão é o terceiro motor e sabemos que há 20 anos está estagnado. Além disso, presencia um processo de envelhecimento da população, que é dramático. Atualmente, 35% da população é dependente de pensões do Estado. Se nada mudar, em 2050 esse percentual será de 70%. Isso produzirá muita pressão nas contas fiscais do Japão no futuro.
DINHEIRO – Qual é o quarto motor da economia mundial?
BRAGA – São as economias emergentes, e entre essas está a China, o elefante na sala. Será que o governo chinês consegue manter a taxa de crescimento que vinha apresentando? Já não consegue. Há quem acredite, e eu me incluo nesse grupo, que a economia chinesa não voltará a crescer dois dígitos, ficando no patamar de 6% no ano que vem. Isso representará uma aterrissagem suave, no estilo chinês. Com isso, as cotações das commodities devem cair, o que afetará o Brasil. Mas há pessimistas que apontam uma aterrissagem brusca, que, caso aconteça, será ainda pior para a economia mundial. Para complicar, temos, ainda, fatores além dos econômicos, a ameaça de conflitos armados, no Leste Europeu e no Oriente Médio, e epidemias. Se dois dos motores não estão bem e o terceiro está se desacelerando, a conclusão é de que a economia mundial não vai estar com aquela corda toda em 2015. Isso não é bom para o Brasil nem para ninguém.
DINHEIRO – Qual o balanço que o sr. faz do desempenho da economia brasileira nos últimos anos?
BRAGA – Pode se dizer que ele foi bem-sucedido em relação à distribuição de renda, pois o Brasil é o único país de grande porte que registrou queda da desigualdade nos últimos 20 anos. O nosso Índice de Gini, que mede a desigualdade, era por volta de 0,63 em 1989 e hoje é de 0,52. Uma queda dessa magnitude, que quer dizer menos desigualdade, mostra que o Brasil foi muito bem nesse quesito.
DINHEIRO – Qual é a razão dessa queda?
BRAGA – O governo do PT vai argumentar que são as políticas sociais, como o Bolsa Família. Não resta dúvida de que houve impacto. Mas só elas não explicam essa mudança. O que explica é muito mais a melhoria na quantidade da educação e o processo de urbanização, que no final das contas é o melhor contraceptivo populacional. Os custos de ter uma família grande se tornam muito elevados nos centros urbanos. E o Brasil é um dos países com maior nível de urbanização. Hoje, 85% da população é urbana. Na China, 50%.
DINHEIRO – O economista francês Thomas Piketty defende que a desigualdade é muito maior do que se tem divulgado. O sr. discorda?
BRAGA – Quando olhamos o Índice de Gini, tipicamente estamos examinando pesquisas como a Pnad. Ela olha retorno obtido pelo trabalho e como ele está distribuído, mas não captura o retorno do capital. Provavelmente, a desigualdade é maior se olharmos pelo viés do capital. Mas isso não diminui o fato de que houve redução da desigualdade no Brasil.
DINHEIRO – Então, a redução da desigualdade se deve ao acesso à educação?
BRAGA – No passado, tínhamos um número grande de analfabetos, que não tinham capacidade de trabalhar em um ambiente moderno, de tecnologia. Isso mudou muito em 20 anos. Se você tem o mais elevado grau de educação, terá um retorno muito maior do seu investimento do que aquela pessoa que cursou apenas o ensino médio. Mas a quantidade de gente com ensino médio aumentou, embora a qualidade ainda seja um problema. E isso diminuiu um pouco, na média, a diferença do retorno de quem tem altos níveis de educação em relação àqueles com baixo nível de educação. Esse é o impacto da educação na redistribuição de renda. O que quero dizer é que, hoje, temos educação universal e que quase todo mundo com 14 anos está na escola. Isso não era realidade há 20 anos. É um grande avanço quantitativo. Agora temos de fazer muito mais em qualidade, o que não é fácil, mas é um desafio para o futuro. A Coreia,um país que abraçou a globalização, mostra que isso é possível. Mas não seguiu um modelo de laissez-faire. Ao contrário, sempre foi um país muito intervencionista, mas que sempre prestou atenção na questão da competitividade internacional. No Brasil, ao contrário, criam-se cartéis protecionistas, já que o interesse das companhias é apenas o mercado interno.
DINHEIRO – Esse é o caso do Mercosul, que tem países apenas olhando para dentro e não consegue estabelecer acordos com outros continentes e blocos?
BRAGA – O Mercosul só atrapalha o Brasil. Ele foi desenhado como um empreendimento geopolítico do Brasil e da Argentina, com o objetivo de criar comércio de um bloco regional. Na América Latina, há estilos diferentes de integração internacional. Um é o bloco do Mercosul em negociações com a União Europeia, há mais de dez anos, que não avançam porque a Argentina não quer avançar nesse sentido de liberalização. O outro é a Aliança do Pacífico, que tem acordos comerciais com Deus e todo mundo e tem uma estratégia que é voltada para fora. Mas o Brasil está à margem desse processo. Cada medida de intervenção protecionista cria um viés antiexportador. Ainda atraímos muitos investimentos, somos o quarto ou quinto país mais atrativo, com US$ 65 bilhões de investimento direto estrangeiro (IDE) por ano. Mas, do ponto de vista de competitividade internacional, não funciona. Se o modelo voltado para dentro está esgotado, concluímos que o Mercosul é um atraso. Está na hora de avançar e, se o Mercosul não quiser, o Brasil deveria ir sozinho.