28/04/2004 - 7:00
DINHEIRO ? O sr. foi um grande incentivador da candidatura de Lula à Presidência da República. Como está vendo o atual momento do governo?
IVO ROSSET ? Eu estou vendo o presidente Lula e o governo que está aí superando todas as expectativas. No início da campanha, em 2002, existia uma preocupação enorme quanto ao que esse governo de esquerda iria fazer. Existia o medo, a sensação de surpresas desagradáveis para o País. O governo assumiu e está procurando fazer o melhor. No campo econômico eu vejo uma conduta absolutamente coerente com o que foi proposto na campanha. É a retomada econômica ?lenta e gradual?. Sem promessas mirabolantes, sem atropelos. Você pode me perguntar: o cenário econômico que está aí é o que a gente quer? Bom, evidente que eu quero desenvolvimento do setor produtivo e reaquecimento do mercado. Mas a gente tem que ter bom senso e esperar um pouco até as coisas se acertarem. Eu estou absolutamente confiante e tranqüilo com o governo Lula.
DINHEIRO ? O governo prometeu 10 milhões de empregos e o desemprego hoje no País é recorde.
ROSSET ? O presidente Lula prometeu… Melhor, ele não prometeu. Ele colocou a necessidade de se criar 10 milhões de empregos. É evidente que a gente tem essa necessidade e é preciso criar condições para que o plano se concretize.
DINHEIRO ? Os juros estão nas alturas, a alíquota do Cofins teve um aumento de 3% para 7,6% e a economia está parada. Como o setor produtivo está vendo essa situação?
ROSSET ? O empresariado sempre chora um pouco mais do que deveria. Eu sou empresário e sei disso. Mas é preciso paciência. O governo segue com uma política firme e um horizonte traçado.
DINHEIRO ? O sr. está satisfeito com 16% ao ano de juros?
ROSSET ? Não estou. Mas estou satisfeito com outros indicadores. O risco Brasil, por exemplo. Estava a dois mil e pouco e hoje está em 600. A gente sente de fora uma credibilidade enorme, um respeito maior ao País do que era em 2002. O investidor estrangeiro está confiando no Brasil.
DINHEIRO ? Mas e os juros?
ROSSET ? Eles oneram a produção. Eu gostaria de ter hoje a minha empresa operando em plena capacidade. E ela não está. Eu gostaria muito que os juros já estivessem mais baixos. Mas eu não posso exigir que o governo faça isso da noite para o dia. É bom deixar claro que ninguém mais do que o presidente Lula e ninguém mais do que o próprio PT querem que este País cresça. A questão dos juros é polêmica. Eu tenho uma opinião muito própria sobre o assunto. Se hoje o governo resolve fixar os juros imediatamente em 12%, o que aconteceria? Voltaria a inflação? Eu acho que não. Porque não há poder aquisitivo para sustentar uma inflação de demanda. Eu não vejo um reaquecimento gerando inflação. Uma idéia seria um pacto. Não controle oficial de preço, porque eu não acredito nisso. Mas um acordo entre o setor produtivo e o governo. Basta reunir os 50 maiores empresários do País e sugerir um pacto por uma derrubada forte dos juros. Em troca, eles teriam de se comprometer a não aumentar suas margens de lucro.
DINHEIRO ? Seria possível tamanho engajamento num momento como este?
ROSSET ? Acho que sim. Nós, empresários, estamos tocando nossas empresas sem rentabilidade e sem condição de reinvestir. O que me preocupa é falta de recursos para investimento. A gente não quer lucro maior através de preço maior. Mas lucro melhor através do uso da capacidade total da empresa, o lucro da eficiência.
DINHEIRO ? A idéia de fazer o pacto já foi conversada no governo?
ROSSET ? Foi ventilada. Mas eles estão muito firmes naquela retomada lenta e gradual, crescimento sustentado.
DINHEIRO ? Como o sr. acha que a economia vai se comportar ao final de 2004?
ROSSET ? Eu vejo crescimento. Algo em torno de 3,5%. Temos ainda alguns fatores que inibem a recuperação do País e precisam ser ajustados. Não só os juros. Os juros viraram bode expiatório. Há a carga tributária, por exemplo. É herança antiga, que nada tem a
ver com Lula. A única coisa que aconteceu neste governo foi a mudança do Cofins. Talvez alguns setores tenham sido penalizados e outros tenham sido beneficiados, mas a carga tributária que o País tem já vem de outros tempos. E tudo isso está sendo jogado neste governo. Pode ter certeza que com o crescimento, o governo Lula vai rever a carga tributária. Ele sabe que não dá para uma empresa conviver com tantos impostos.
DINHEIRO ? O sr. esteve com o presidente Lula recentemente?
ROSSET ? Encontrei com o presidente na última reunião do Conselho (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, do qual Rosset faz parte), que foi no mês passado. Ele está tranqüilo quanto ao futuro do País e a retomada do crescimento. Mas vale dizer que enquanto esse dia não vem é preciso buscar alternativas.
DINHEIRO ? Quais?
ROSSET ? Nossa empresa dobrou o volume de exportação em relação a 2002 com os produtos Rosset, Valisére e Companhia Marítima. Fomos ao mercado externo buscar clientes. O empresário tem que se mexer e não só ficar chorando. Os juros estão altos, então vai buscar outra saída. Quer um exemplo? O Brasil tem que ser uma alternativa à China. A China pensou, estudou e bolou um plano de desenvolvimento. Alguns anos atrás, a China exportava para os Estados Unidos a mesma coisa que o Brasil: US$ 7 bilhões. A exportação do Brasil dobrou para US$ 14 bilhões. A da China foi para US$ 140 bilhões. Ou seja, eles fizeram lá um trabalho focado para transformar aquele país no maior exportador do mundo. Eu tenho sentido com os clientes com quem a gente trabalha ? tenho grandes redes na Holanda, na Suécia, que importam maiôs da Companhia Marítima ? que eles querem uma outra opção. O mercado europeu ficou extremamente caro. O mercado têxtil americano praticamente desapareceu. Quem é a alternativa hoje? É a China. Quem seria a segunda alternativa? O Brasil. Nós somos competitivos, temos uma mão-de-obra ainda barata em relação à Europa e aos EUA e uma criatividade que os chineses ainda não têm. Nós temos que fazer com que o Brasil se desenvolva para poder exportar muito.
DINHEIRO ? Qual seria a forma?
ROSSET ? Se você analisar o setor agrícola dez anos atrás, os produtores iam com os tratores na porta do Banco do Brasil e largavam as máquinas lá porque eles não tinham dinheiro para pagar. O que foi feito. Foi feita uma análise do setor. Em seguida, bolaram uma linha de crédito especial, com juros menores, e houve um investimento enorme em maquinário, novo plantio. Houve recurso do governo para fomentar o setor. O resultado está aí: recordes, recordes, recordes. Então essa indústria se desenvolveu por meio de um plano específico. É isso que o têxtil e outros segmentos têm que buscar. É preciso desenvolver a política de planos específicos para as necessidades de cada setor.
DINHEIRO ? Há quem compartilhe dessa idéia no governo?
ROSSET ? Há pessoas empenhadas no desenvolvimento do empresariado brasileiro. O sr. Carlos Lessa, presidente do BNDES,
por exemplo, é muito preocupado em gerar recursos para que o empresário invista na produção, tanto para o mercado interno
quanto para o externo. O BNDES está aberto a isso. Mas os empresários têm que se mexer.
DINHEIRO ? O que o sr. acha da política industrial anunciada no
início do mês?
ROSSET ? É um começo. Um sinal de que o governo está preocupado com o desenvolvimento do País.
DINHEIRO ? Falando em desenvolvimento, comentava-se no
começo do governo Lula que o sr. poderia assumir o Ministério
do Desenvolvimento, Indústria e Comércio…
ROSSET ? Andaram falando. Mas o que importa é o desenvolvimento do País e o trabalho de quem está lá.
DINHEIRO ? Quem está lá é Luiz Fernando Furlan. Qual sua opinião sobre o trabalho do ministro?
ROSSET ? O Furlan tem uma pasta muito importante e está levan-
do o País ao exterior. Eu só acho que ele deveria ampliar seus horizontes para além da agropecuária. Deveria se preocupar também com outros segmentos. O têxtil, por exemplo. Se eu te disser o número das exportações do setor têxtil eu fico até envergonhado. Não vende mais do que US$ 1,6 bilhão. É muito pouco. Apenas para efeito de comparação vale citar o caso da Wal-Mart americana. A rede importa só do setor têxtil chinês US$ 1 bilhão. Só ela. A China exporta hoje mais de US$ 50 bilhões nesse segmento. Ou seja, há mercado de sobra. Com o potencial que nós temos, dá para exportar US$ 20 bilhões, pelo menos. O importante para o País é vender produtos com valor agregado. É aí que se gera divisas e se cria
mão-de-obra. Para fazer um biquíni, eu preciso de uma mulher sentada em uma máquina de costura.
DINHEIRO ? O sr. falou do campo econômico. E os graves arranhões políticos com o episódio Waldomiro Diniz?
ROSSET ? É um episódio desgastante, sem dúvida, mas estão fazendo desse episódio muito mais barulho do que deveriam fazer. A oposição, que não é construtiva, está tentando desestabilizar o governo. Está torcendo para que o governo não dê certo. Apareceu o Diniz e era o que eles queriam. É claro que esse episódio é um caso de polícia. Vai ser investigado e tem que ser mesmo. Agora, o caso Waldomiro não pode e não vai desestabilizar o governo. O governo é muito mais forte que isso. Foi um problema isolado.
DINHEIRO ? Há uma corrente que defende a saída de Dirceu…
ROSSET ? O Dirceu não pode sair do cargo em hipótese nenhuma. Seria catastrófico. O ministro José Dirceu é uma peça muito importante dentro desse governo. Ele é um grande articulador, um grande conciliador, é extremamente hábil. Ele colocou o partido numa direção correta, um pouco mais ao centro. Isso fez com que o PT tivesse muito mais credibilidade tanto no Brasil como no exterior. Não vejo nenhuma razão para críticas pessoais a ele. Ele é uma pessoa idônea. A única crítica que faço ao José Dirceu, que é meu amigo, é que ele foi ingênuo no caso Waldomiro. Ele mesmo admitiu isso. Não percebeu quem tinha colocado ao seu lado. Dirceu pode ter sido ingênuo, mas não há como duvidar de sua idoneidade. Ele forma com o presidente e o ministro Palocci um trio muito bem alinhado, preocupado com o futuro do País. Tenho absoluta certeza que o trio vai continuar e levar adiante um governo de sucesso.
DINHEIRO ? Qual sua opinião sobre Henrique Meirelles, presidente
do Banco Central?
ROSSET ? É competente. Mas ele deveria pensar um pouco mais
no setor produtivo e um pouco menos no setor financeiro. Ele tem uma cabeça financeira. É um banqueiro.