O cenário é perfeito. De um lado, pessoas querendo imigrar para escapar da situação de incerteza. De outro, um país que procura imigrantes para cobrir lacunas de qualificação e mão de obra. Juntando tudo, há um aumento no número de brasileiros que têm ido fazer a vida na Terra do Tio Sam. Apesar das recentes polêmicas — o país fechou o cerco a cidadãos latinos na fronteira ­—, os Estados Unidos mantêm ativo duas categorias de vistos cada vez mais procuradas e acessadas. O J1, para trainees, e o EB, que garante o desejado Green Card para profissionais qualificados.

Desde a eleição brasileira do ano passado, que resultou na derrota de Jair Bolsonaro, a assessoria imigratória D4U Immigration viu crescer em 33% a demanda pelo EB. Disponível para todo o mundo, o Brasil é o segundo país na lista de nacionalidades que mais acessam o Green Card por essa categoria, com 7% do total disponível, que neste ano chega a 141 mil, segundo dados do departamento de imigração dos EUA. Com grande demanda por profissionais que atuam principalmente nas áreas de engenharia, tecnologia e saúde.

No caldeirão que forma o cenário perfeito para a imigração, há duas tendências nos Estados Unidos, que foram acentuadas pela pandemia, e influenciam as oportunidades oferecidas. A primeira é a falta de mão de obra. De acordo com o governo americano, há 10 milhões de vagas de emprego abertas no país, e 5,7 milhões de pessoas desempregadas. Ou seja, há um déficit de trabalhadores. A maioria delas, é verdade, são em funções não especializadas, como atendimento ao cliente e setor de serviços, mas não apenas. Há também aquelas que exigem mais qualificação.

O outro ingrediente é o número cada vez mais baixo de americanos interessados em ingressar no ensino superior, muito caro e, para muitos, demorado, o que gera uma baixa nos profissionais especializados. Em dez anos, a quantidade de estudantes em cursos de graduação no país diminuiu em 4 milhões. E o interesse dos estudantes do ensino médio em entrar em uma universidade também tem caído. Em 2016, 70% desses graduandos queriam iniciar a vida universitária. Em 2020, foi de 63%.

JOVENS Essa receita abre espaço para que brasileiros possam tentar a vida no Norte do mundo. Para os profissionais menos experientes, a alternativa é o programa J1 Visa, focado no desenvolvimento de carreira. Com a obrigatoriedade de serem jovens de até 35 anos, os candidatos desse formato complementam seus estudos com a experiência profissional do intercâmbio. Em 2022 o governo americano concedeu 13,1 mil desses vistos para brasileiros. A BRC Brasil é uma agência especializada na modalidade e foca seus esforços em profissionais da hotelaria, turismo e gastronomia. Os estudantes ao se aplicarem para o visto têm direito de ficar morando e trabalhando por até 18 meses nos EUA, quando então são obrigados a voltar para o Brasil. A sócia-diretora da BRC, Juliana Daleva, criou a agência a partir de sua própria experiência e explica que a demanda de trabalho está tão alta, que ela tem vagas sobrando para quem deseja ir. “Houve evasão de profissionais durante a pandemia e muitos americanos não voltaram a seus empregos, então a oferta aumentou muito”, disse.

Tatiana Barbato é formada em hotelaria e em 2019 entrou no programa com a BRC Brasil. Ela foi selecionada para trabalhar em uma rede de hotéis, mas teve sua temporada americana encurtada pela Covid-19. A experiência, no entanto, reforçou o desejo de seguir a vida por lá. Hoje, ela estuda inglês nos EUA com um visto de estudo, mas o objetivo é conseguir algo mais permanente e ingressar em Harvard. “Acreditava que o sonho de todo hoteleiro era morar ou estudar nos Estados Unidos . Hoje vejo que tem se tornado o sonho não só de hoteleiro, mas de cada vez mais brasileiros.”

1,8 mil brasileiros tiveram acesso aos vistos da categoria eb-1 ou eb-2 em 2022. país é o segundo maior solicitante

QUALIFICAÇÃO Já para quem vai em busca de uma solução mais definitiva, como o Green Card, o cenário também tem sido promissor. O visto EB garante que imigrantes com alto grau de qualificação ou reconhecimento em seus meios de atuação tenham acesso ao visto permanente. Ele pode ser conquistado por artistas, atletas, pesquisadores, pessoas com muitos anos de experiência na carreira. Em 2022 as modalidade EB-1 e EB-2 somaram pra brasileiros 1,8 mil unidades. Paula Kasparian, diretora da D4U Immigration, diz que o perfil do imigrante mudou. “Os EUA escancararam as portas para quem tem mais experiência”, disse.

Mas por que o brasileiro? Pela experiência da Adecco, empresa de recrutamento, a busca tem algumas motivações: empresas de lá que querem ter operação no Brasil e procuram quem entende o mercado, além da necessidade de formar um quadro de funcionários mais diversos. Também conta o comportamento profissional do brasileiro, segundo a Adecco. Somos requisitados pela entrega de resultados, especialização na formação e pelos soft skills, como capacidade de comunicação e adaptação. “Qualificação com soft skill tornam o brasileiro mais completo”, disse Laiz Ramos, diretora comercial da Adecco Brasil.

Nessa onda de contratações, o home office também se torna um aliado. Muitas empresas juntam a qualificação brasileira com a possibilidade de um salário mais competitivo, dado o valor do real em relação ao dólar. Nesses casos, o sonho americano é cumprido do escritório de casa, com uma experiência internacional sem precisar passar pela mudança cultural. Um mundo globalizado, onde cada vez menos as fronteiras são limites.