DINHEIRO ? O setor eletroeletrônico é o vilão da
balança comercial?

CARLOS DE PAIVA LOPES ? Há, sim, um déficit importante na balança, mas o maior responsável são os chips. Esses chips são incorporados a um número cada vez maior de produtos, de carros a brinquedos. Pelo fato de não termos fábricas desses componentes, esse déficit vem crescendo. Nós preparamos um estudo que mostra que, se nada for feito, saltaremos de um déficit de US$ 8 bilhões no ano passado para US$ 40 bilhões em 2010. O consumo desses componentes cresce o equivalente a três vezes o crescimento do PIB. Além de ser matéria-prima de CD players, aparelhos de som e telefones, eles invadem mais produtos. As modernas empresas de pecuária hoje colocam um chip em cada boi.

DINHEIRO ? Por que se chegou à situação de déficit?
LOPES ? Porque não há fábricas aqui. Ainda há tempo para se resolver isso antes de chegar a uma situação calamitosa. Não adianta ter mercado aberto e livre se o País não tiver dinheiro para comprar esses produtos importados. E é isso que vai acontecer se nada for feito. Estamos a caminho de uma crise cambial anunciada.

DINHEIRO ? Em que momento o Brasil perdeu o pé?
LOPES ? Não se deu atenção ao problema, apesar de diversas entidades, economistas e especialistas terem cansado de avisar e alertar para esse risco. Por um lado, não foram criados estímulos para que as empresas pudessem fabricar aqui esses produtos. Por outro, não se agregou valor à nossa pauta de exportação para compensar o crescimento da importação desses chips. Por exemplo: o déficit comercial dos produtos eletroeletrônicos correspondeu a sete vezes o valor das exportações de café ou três vezes a exportação de minério de ferro. Não é com a exportação de produtos primários que se vai resolver o problema da balança comercial. Assim, não é possível contornar esse déficit.

DINHEIRO ? O governo continua desatento para a situação?
LOPES ? Alcides Tápias, quando foi titular do Ministério do Desenvolvimento, começou a se preocupar. Hoje, o secretário Benjamim Sícsu também tem se empenhado bastante. Ele está muito ativo nisso. Talvez não possa divulgar nada no momento, mas já há negociações e ele tem dito que as perspectivas são melhores do que antes.
Se houvessem começado antes, hoje já teríamos a solução que ainda não temos.

DINHEIRO ? Por que demorou tanto?
LOPES ? O problema veio crescendo e o governo demorou para fazer essa análise. Além disso, existe uma memória da época em que se tentou fazer todo o tipo de produto da área de informática internamente de preferência por indústrias brasileiras e, por isso, fechou-se o mercado. Foi a reserva de mercado da informática. Essa experiência deixou um saldo negativo. O que se quer agora não é isso. É incentivar a produção de componentes, um produto específico e importante para a indústria e o País.

DINHEIRO ? Quais as dificuldades para atrair empresa como Intel ou AMD para produzir aqui?
LOPES ? Primeiro é o porte de investimentos. Dependendo do tipo de chip e as dimensões, está-se falando em algo entre US$ 600 milhões e US$ 1 bilhão de investimento. Outra: nenhuma empresa virá para cá apenas por conta do mercado interno. Parte da produção, talvez a maior parte, o fabricante vai querer exportar.

DINHEIRO ? O sr. considera interessante trazer esses investimentos em troca de incentivos fiscais?
LOPES ? Até onde sabemos, eles não estão atrás de incentivos. Eles se preocupam mais com a estabilidade da economia e a manutenção das regras do jogo. É isso que eles querem ouvir. Eles também precisam de uma alfândega ágil na entrada e na saída para importar insumos e exportar parte da produção, pois o estoque é a morte para essas companhias. É claro que eles querem algo em termos de benefícios mas não é o mais importante. Quem pode dar garantias nesse sentido é o governo. Outra coisa que eles nem querem ouvir é que haverá uma crise de energia.

DINHEIRO ? Com o passado recente na área de energia e a situação de desconfiança gerada pelas eleições, existem condições de atrair esses investimentos?
LOPES ? Acho que sim, porque a hipótese de o Brasil não continuar crescendo é muito remota. Além disso, se houver uma crise cambial devido ao déficit nas contas externas, eles perdem o cliente porque não poderão vender para o Brasil. É o caso de preservar um cliente importante na carteira dessas grandes companhias. Não se esqueça que o Brasil é 50% do mercado latino-americano.

DINHEIRO ? A Intel tem uma fábrica na Costa Rica. Há espaço para outra fábrica na América Latina?
LOPES ? Há. Porque o Brasil tem um mercado enorme e grande potencial. A indústria automobilística tem um parque instalado aqui e não vai sair ? e eles são, cada vez mais, grandes consumidores de chips. Já produzimos 7,5 milhões de receptores de tevê por ano e hoje fazemos 5 a 6 milhões. Isso é escala em qualquer lugar do mundo. No mercado de celulares, temos ainda muito a crescer. No mundo, o número de celulares já é maior do que o número de aparelhos fixos. No Brasil, temos 40 milhões de linhas fixas ativas e cerca de 30 milhões de celulares. Então, há uma espaço de pelo menos 10 milhões de celulares para que aconteça aqui o que aconteceu em todo o mundo. Esse é um mercado para chips.

DINHEIRO ? Se é tão bom por que elas não fabricam aqui?
LOPES ? Porque preferem importar. O
Brasil tinha condições de comprar tudo isso. Só vão decidir vir para cá quando perceberem que estão perdendo o cliente porque ele não pode pagar.

DINHEIRO ? Pode haver um aumento
de alíquota de importação para
esses produtos?

LOPES ? Não acredito porque não haveria agora como substituir as importações. A fabricação de chips exige uma tecnologia muito complexa, que evolui muito. Os investimentos são constantes.

DINHEIRO ? O sr. falou muito do
governo. Uma parte do trabalho não
cabe à indústria?
LOPES ? Nós temos alertado sobre esse problema. Também sugerimos que neste momento, em que o Brasil está definindo o padrão de tevê digital, se utilize isso para trazer esse tipo de investimento para cá, numa espécie de compensação.

DINHEIRO ? Tudo isso leva alguns anos. Qual a forma de amenizar a decisão a curto prazo?
LOPES ? Até que a montagem de uma fábrica não demora tanto tempo. O que é demorado é a decisão. Evidentemente nada acontecerá até o início do próximo governo, pois as empresas irão esperar para ter uma visão mais clara do quadro econômico.

DINHEIRO ? O que fazer então até lá?
LOPES ? Pode haver uma atuação em relação aos equipamentos importados prontos. Nesse caso poderia haver mais proteção. Só o PIS, Pasep, Cofins e CPMF no setor eletroeletrônico atingem 6,9% do valor do produto fabricado aqui, segundo um estudo da Fiesp. Nos elétricos é 9,4%. Então, tem de haver um imposto de importação que proteja os produtos brasileiros e compense esses impostos. À medida em que se desonera a cadeia produtiva, vai se abaixando esse imposto de importação e abrindo o mercado. Por exemplo: uma central de comutação por pacote, um produto de última geração que ainda não é produzido no Brasil. Hoje são fabricadas e utilizadas as centrais por circuito. Atualmente a tarifa da central de comutação por pacote tem alíquota de 3%. É muito pouco. Todos os fabricantes das centrais por circuito, cuja alíquota é 16%, vão passar a vender as centrais por pacote. O que vai acontecer então? Eles não vão fabricar aqui, pois preferem importar com uma alíquota de 3%. Outro caso são os roteadores digitais para transmissão de dados. A alíquota é de 3%. A Lucent, Siemens, Alcatel, Ericsson são capazes de produzir isso, mas, se não alterar a alíquota, vão importar em vez de produzir. Além disso, há uma enorme capacidade ociosa em todas as fábricas do mundo e as empresas aproveitam para desovar sua produção em países como o Brasil. Ninguém vai fazer esses produtos aqui.

DINHEIRO ? O que a indústria sugere?
LOPES ? Sugerimos alíquotas de 12% a 16%.

DINHEIRO ? Isso não é protecionismo?
LOPES ? Não. Porque nossa proposta é que, à medida em que a produção local seja desonerada com uma reforma tributária, as alíquotas sejam reduzidas na mesma proporção, de modo que haja sempre igualdade de condições na concorrência. A reforma tributária não vai acontecer, evidentemente, neste ano. Então, o que estamos propondo é uma política de desenvolvimento para o setor, uma política competente em que o governo vai administrando.

DINHEIRO ? Não falta uma política industrial ao Brasil para evitar esses problemas ?
LOPES ? O pessoal do governo não gostava de tratar desse tema, mas hoje já está claro que alguns setores devem receber cuidados diferentes e o eletroeletrônicos é um deles. Hoje os próprios candidatos à Presidência da República estão apoiando essa idéia.

DINHEIRO ? Qual das propostas dos candidatos o sr. considera mais próxima daquilo que os empresários do setor esperam?
LOPES ? Ainda não conheço todas as propostas em detalhes. Mas pelo que tem dito, o que mais se aproxima, que tem abordado com mais profundidade, é o ministro José Serra. Os outros ainda falam de forma mais genérica.

DINHEIRO ? Mas o ministro Serra faz parte de um governo que não se mostra simpático à questão da política industrial…
LOPES ? Com o detalhamento dos planos, você tem condições depois de cobrar a promessa feita na campanha.

DINHEIRO ? A Zona Franca de Manaus não alimenta o
déficit do setor?
LOPES ? É necessário fazer uma política gradativa de substituição das importações. Mas o que precisa é resolver esse problema. A Zona Franca necessita de certa proteção, mas não se pode deixar que tudo seja feito lá. Deveriam definir alguns grupos de produtos que seriam protegidos. Mas não pode ser tudo como hoje. Deve-se criar um programa de redução das importações para que as empresas se adaptem. A Suframa deveria não só estimular a isso como também exigir. O próximo governo terá de enfrentar esse assunto de frente.