21/02/2014 - 21:00
Bacharel em direito, mestre em economia, ex-diretor-geral-adjunto do FMI e hoje representante do lobby dos bancos no Brasil, ele realizou um périplo por Brasília. Na agenda, reuniões com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), buscando impedir uma derrota na questão mais candente para os banqueiros: a reivindicação de investidores afetados pela mudança nas regras da correção das cadernetas de poupança. As indenizações poderiam custar mais de R$ 340 bilhões às instituições, dentre elas Banco do Brasil, Caixa, Itaú, Bradesco e Santander. O périplo deu certo. No fim da tarde da quarta-feira 19, o STF anunciou que havia retirado da pauta a proposta que seria analisada na quarta-feira 26. Antes do anúncio, Portugal falou com a DINHEIRO:
DINHEIRO – As estimativas da indenização aos poupadores não convergem. Os representantes dos consumidores dizem ser de R$ 26 bilhões e os bancos falam em mais de R$ 340 bilhões. Como se explica uma diferença tão grande?
MURILO PORTUGAL – Há diversos cenários possíveis para a questão. Além das propostas em discussão no STF, há outros pontos ainda em discussão no STJ, e a interpretação dos ministros vai definir o valor definitivo. As entidades de defesa do consumidor entraram com diversas Ações Civis Públicas, as ACPs, solicitando a correção de seus depósitos em poupança. Há mais de mil ações em andamento, mas a grande maioria delas está fora do prazo de prescrição.
DINHEIRO – Ou seja, não têm mais validade legal.
PORTUGAL – Exato. No entanto, há uma questão em discussão no STJ sobre a prorrogação do prazo de prescrição dos atuais cinco para 20 anos. Já entramos com recurso, mas essa questão ainda está em aberto. Uma derrota no STJ aumentaria o número de ações na Justiça e o valor das correções.
DINHEIRO – O que mais é discutido?
PORTUGAL – Um dos pontos é o período sobre o qual devem ser calculados os juros. Outro é a abrangência territorial, se as decisões válidas para uma associação de consumidores de um determinado Estado valem para todo o Brasil. E, finalmente, se as ações valem apenas para os filiados às associações ou se para todos os poupadores.
DINHEIRO – Com que cifra o sr. trabalha?
PORTUGAL – Estamos em linha com o Ministério da Fazenda, que avalia a causa em R$ 150 bilhões. O primeiro cálculo, de 2008, era de R$ 105 bilhões, e fizemos apenas a atualização monetária. Esse cálculo não é aleatório, foi realizado pela consultoria econômica LCA, que consolidou os dados dos maiores bancos e considerou diversos cenários possíveis.
DINHEIRO – Se os bancos forem derrotados, qual é o efeito no crédito?
PORTUGAL – Muito ruim. Basta fazer uma conta simples. Na média, a alavancagem dos bancos brasileiros é de nove vezes. Ou seja, para cada real do patrimônio, eles concedem nove reais em crédito. Uma indenização que custasse R$ 150 bilhões aos bancos afetaria diretamente seu patrimônio e poderia reduzir o crédito em R$ 1,35 trilhão, em uma conta simples. Mesmo na melhor das hipóteses, se a indenização limitar-se aos R$ 8 bilhões que já estão lançados como provisões nos balanços, isso vai representar uma redução de R$ 72 bilhões no crédito. É quase três vezes o orçamento do Bolsa Família, com impactos muito ruins sobre o emprego e o crescimento econômico.
DINHEIRO – Quais?
PORTUGAL – O estudo da LCA avalia que, para uma indenização de R$ 100 bilhões, o crescimento do Produto Interno Bruto seria 1,6 ponto percentual menor ao longo dos próximos dez anos. Nesse período, a arrecadação tributária do governo poderia diminuir R$ 72 bilhões e a massa de renda das famílias encolheria em R$ 111 bilhões. Em qualquer um dos casos, a redução do PIB e da renda das famílias seria maior que a indenização paga aos poupadores, o que geraria um custo social significativo.
Eric Maskin, Nobel de Economia
DINHEIRO – Isso ocorreria de uma vez?
PORTUGAL – Não, os bancos teriam de elevar as provisões à medida que novas ações judiciais forem chegando. O problema é que a repercussão seria imediata, pois o mercado financeiro tende a antecipar os movimentos. Foi mais ou menos o que ocorreu em meados de 2013, quando o então presidente do Federal Reserve (o Banco Central americano), Ben Bernanke, fez comentários sobre o programa de recompra de títulos públicos e de papéis imobiliários dos Estados Unidos. Ele foi cauteloso e disse que, talvez, se os dados assim o indicassem, eles estariam estudando a possibilidade de reduzir os estímulos. Mesmo assim, a repercussão foi imediata, as moedas dos países emergentes se desvalorizaram, os juros subiram. O mercado antecipa, não tem jeito.
DINHEIRO – Uma decisão desfavorável aos bancos pode afetar o risco Brasil?
PORTUGAL – Seria mais uma notícia ruim, em razão tanto da natureza do assunto e da magnitude dos números quanto em função do momento de mercado internacional. Há um questionamento, por parte de entidades, inclusive o Federal Reserve, sobre a solidez dos fundamentos dos países emergentes. Vem ocorrendo uma reversão dos fluxos de capital, o que causa desvalorização cambial e pressão inflacionária nos países emergentes, elevando a desconfiança dos investidores. Essa decisão iria afetar a avaliação de algo considerado muito importante pelas agências de classificação de risco, que é a solidez e a capacidade de pagamentos do sistema bancário brasileiro. Não haverá um impacto favorável, é algo que não ajuda.
DINHEIRO – Um argumento dos poupadores é que eles foram prejudicados pelos planos e que os bancos, ao contrário, ganharam dinheiro com a volta da inflação.
PORTUGAL – Isso não é verdade. Se relembrarmos o que ocorreu nos planos econômicos, vamos recordar que diversos agentes econômicos sofreram uma intervenção estatal direta. Os salários foram congelados, até algumas datas-base foram mudadas. Preços foram congelados, aluguéis foram congelados e, em alguns casos, aplicações financeiras prefixadas que embutiam uma expectativa de inflação futura sofreram descontos, as famosas tablitas. O investidor que havia comprado um CDB que embutia uma taxa de inflação que não ocorreu teve o rendimento de sua aplicação corrigido para baixo. Seria estranho que apenas um grupo de investidores, os que aplicavam nas cadernetas de poupança, não fosse atingido pelas medidas dos planos.
DINHEIRO – Voltando à pergunta: os bancos não ganharam dinheiro com os planos?
PORTUGAL – Não. A Febraban contratou o economista Eric Maskin, professor de Harvard e Prêmio Nobel de Economia, para estudar o tema, e ele avaliou os resultados dos grandes bancos durante um período de 13 anos, entre 1981 e 1994. Os números foram avaliados por oito métricas diferentes e em nenhuma delas ficou provado que os bancos tiveram um resultado extraordinário. Segundo o professor Maskin, os trabalhadores assalariados foram mais prejudicados com as alterações nos cálculos de correção inflacionária. Os bancos só cumpriram a lei.
Zélia Cardoso de Mello, ministra da Economia de Fernando Collor de Mello
DINHEIRO – Como assim?
PORTUGAL – A poupança é um contrato com características muito específicas. Ele é fechado entre o banco e o poupador, mas as condições, como prazo e a rentabilidade da aplicação, são estatutárias. Ou seja, não podem ser mudadas nem pelo banco nem pelo poupador. Quem quiser aplicar na poupança tem de aderir a essas cláusulas. Nos planos econômicos, os bancos apenas cumpriram o que foi determinado pela legislação da época. O governo alterou a metodologia de cálculo da poupança e os bancos seguiram as instruções à risca. Eles não ganharam dinheiro, isso está claramente demonstrado no parecer do professor Maskin. Ao contrário, quem ganhou foi quem deixou seu dinheiro aplicado nas cadernetas.
DINHEIRO – Então os planos foram benéficos para os poupadores?
PORTUGAL – Sem dúvida. Consideremos, por exemplo, o plano Bresser, de julho de 1987. Nesse plano, a remuneração da poupança, que era calculada pelo Índice de Preços ao Consumidor, passou a ser calculada pela Obrigação do Tesouro Nacional (OTN). Essa mudança fez com que, no mês imediatamente após a decretação do plano, a rentabilidade da poupança caísse anormalmente, mas esse efeito foi compensado nos meses seguintes. Quem não sacou não perdeu. Ao contrário. Os poupadores que mantiveram seus recursos aplicados até ganharam com os planos econômicos. Isso é verdade para o Plano Bresser e, no caso do Plano Verão, em que a política monetária foi mais apertada, o ganho foi maior ainda.
DINHEIRO – Se os bancos foram tão estritos no cumprimento à lei, por que eles são os principais alvos dos processos? Pelo fato de eles terem dinheiro? Há uma indústria de indenizações?
PORTUGAL – Prefiro não comentar.
DINHEIRO – Há um componente político pesado nessa decisão, com o governo e os representantes dos bancos atuando de maneira bastante ativa junto aos tribunais. Como o sr. vê a atuação do STF? Teme um julgamento político?
PORTUGAL – Prefiro não fazer comentários sobre a atuação do Supremo. Mas nós acreditamos que o julgamento será pautado por argumentos jurídicos e legais, e estamos confiantes na vitória.