Em janeiro deste ano, o executivo português Miguel Setas, 43 anos, assumiu a presidência da companhia Energias de Portugal (EDP) no Brasil, com o desafio de levar adiante os projetos de investimento em usinas hidrelétricas e parques eólicos no País. Apesar do cenário adverso no setor elétrico brasileiro, a operação local é a que vem apresentando os melhores resultados da EDP no mundo. No primeiro trimestre, o lucro da companhia no País teve um crescimento de 10,3%, totalizando R$ 99,6 milhões, enquanto o grupo inteiro registrou uma queda de 12%. Setas falou à DINHEIRO em Londres, após um encontro anual com investidores. O executivo afirmou que, apesar das incertezas sobre um possível racionamento, a empresa não vai adiar os seus projetos. “Nenhum compromisso de investimento no Brasil será prejudicado por essa situação atual”, disse.

DINHEIRO – Qual é a importância da operação brasileira para a EDP global?
MIGUEL SETAS –
A operação brasileira representa entre 15% e 20% do negócio global da EDP. No Brasil, temos três áreas de negócios: geração, distribuição e comercialização. Em geração, estamos com 14 usinas hidrelétricas, uma termelétrica e três parques eólicos em parceria com outra área da empresa, a EDP Renováveis. São dois parques eólicos em Santa Catarina e um no Rio Grande do Sul. No País, tivemos um aumento da receita de 14% no primeiro trimestre de 2014, em relação ao mesmo período de 2013. Tivemos um aumento de 10,3% no lucro, totalizando R$ 99,6 milhões, além de uma queda de custos de 2% no mesmo período.

DINHEIRO – A crise no setor não afetou a EDP?
SETAS –
A margem da empresa foi bastante pressionada pela questão dos déficits tarifários e do custo da energia térmica. Nossa margem caiu cerca de 9% de um ano para o outro. Mas, apesar disso, conseguimos aumentar o lucro líquido da empresa. Tivemos um aumento de 30% em comercialização e de 8% em distribuição porque o consumo aumentou 5,5%.

DINHEIRO – Quais são os principais projetos de investimento da EDP no Brasil?
SETAS –
Neste momento, temos três usinas hidrelétricas em parceria com a chinesa CTG: Cachoeira Caldeirão e Santo Antônio do Jari, na divisa entre Amapá e Pará, e São Manoel, entre o Pará e Mato Grosso. Os investimentos somam R$ 5 bilhões. Até 2017, faremos um aporte de R$ 1,7 bilhão nesses três projetos, em geração de energia. E, anualmente, vamos investir outros R$ 300 milhões em manutenção e distribuição.

DINHEIRO – Como o sr. avalia a conduta do governo na crise do setor?
SETAS –
Se o governo não tivesse instituído os mecanismos de compensação com os R$ 4 bilhões (aporte feito pelo Tesouro Nacional) e mais R$ 11,2 bilhões (empréstimo intermediado pela Câmara de Comercia­li­zação de Energia Elétrica), haveria muitos problemas. Sem esses recursos, teríamos um impacto negativo de R$ 414 milhões em nosso caixa devido ao custo maior da energia térmica.

DINHEIRO – Essa crise afeta de alguma maneira a decisão de investimento?
SETAS –
Obviamente, num momento de maior risco, a decisão de investimento fica mais cautelosa. A EDP é uma empresa que preza a gestão e o controle de risco. Mas o fato é que os compromissos de investimento entre 2014 e 2017 estão assumidos. Não há nenhum compromisso de investimento no Brasil que será prejudicado por essa situação atual. Na distribuição, temos empresas reguladas, e temos de cumprir as metas regulatórias. Não podemos, de um momento para o outro, deixar de in­­vestir. Essa crise, de certa forma, coloca uma pressão maior sobre a eficiência da empresa.

DINHEIRO – Os srs. encaminharam sugestões ao governo?
SETAS –
A EDP mantém um diálogo contínuo com as entidades setoriais e o governo. Apesar de o setor estar em um momento de tensão, as soluções existem. Temos duas propostas. Uma delas é a reintrodução antecipada das bandeiras tarifárias, que permitiria às empresas repassarem aos consumidores, mês a mês, tarifas de acordo com o uso da energia. Existiria uma escala de cores que representa a quantidade de consumo. Isso permite que a cada mês, se o custo da geração de energia for alto ou baixo, o consumidor pague mais ou menos. É um mecanismo que a Aneel tinha previsto para entrar em vigor no início de 2014, mas foi adiado para 2015. A outra proposta é a de redesenhar o cálculo do Preço de Liquidação das Diferenças (PLD), que é o preço da energia no mercado livre. Hoje, ele é calculado com base nos custos marginais do sistema, ou seja, pelo custo da energia que está sendo gerada pela usina mais cara. Achamos que esse PLD deveria ser calculado com base no custo médio e não no custo marginal. Isso faria com que os custos ficassem mais baixos e diminuiria os déficits. O governo tem recebido essas propostas com muita abertura.

DINHEIRO – A bandeira tarifária para o consumidor é uma medida impopular…
SETAS –
O que é mais impopular: reajustar a energia de maneira gradual ou de uma vez só, chegando a 15% ou 20% ao ano? O custo acaba sempre indo para o consumidor final. A bandeira tarifária é uma forma mais suave de repassar os custos aos consumidores.

DINHEIRO – Alguns executivos e empresários reclamam que o governo está sempre mudando as regras do jogo na economia. O sr. concorda?
SETAS –
Acho que esse comentário tem de ser feito com cautela, porque não estamos passando por um período de normalidade. Não estamos num céu de brigadeiro, mas num momento de crise. Todos têm de ser flexíveis. O governo está tomando as medidas necessárias para lidar com o momento atual. Estamos em um período de muita pressão, porque o cenário hidrológico é negativo e os desequilíbrios no setor tiveram de ser corrigidos.

DINHEIRO – O baixo crescimento da economia afeta os negócios da EDP?
SETAS –
Nossos resultados são bastante afetados pelo cenário macro. Em um cenário de maior crescimento econômico, aumenta o consumo de energia e isso se traduz em mais receita para a empresa. Neste momento, a economia não está crescendo tanto, mas o consumo aumentou por causa da redução da tarifa. O problema é que o custo da energia aumentou devido à falta de chuvas.

DINHEIRO – Como as questões macroeconômicas afetam os negócios da companhia?
SETAS –
Num cenário de pleno emprego, há uma pressão sobre os salários e isso aumenta os nossos custos com funcionários. A inflação de serviços também nos afeta, porque há uma pressão por reajuste de contrato de serviços de fornecedores.

DINHEIRO – Um dos estágios pelos quais a empresa tem de passar para conseguir o direito de construir uma usina hidrelétrica é a licença ambiental. A EDP já enfrentou algum tipo de problema nessa área?
SETAS –
Nós conhecemos bem as exigências e os prazos. O projeto de São Manoel faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que recebe uma atenção muito especial do governo. Por ser um projeto prioritário para o Brasil, terá naturalmente uma atenção especial das autoridades ambientais. Estamos em contato com o Ibama e os demais órgãos ambientais para garantir todos os estudos necessários para obter o licenciamento. Esperamos que esse processo possa evoluir rapidamente, embora ele receba uma grande atenção de comunidades indígenas e da mídia. Temos consciência de que isso é algo desafiador na hora de cumprir o cronograma.

DINHEIRO – O sr. acha que vai haver racionamento de energia?
SETAS –
Essa é a pergunta de um bilhão de dólares. Não sabemos. Sabemos que o cenário hidrológico é um cenário desfavorável. De janeiro a março, tivemos menos chuvas do que o necessário. O despache térmico tem sido necessário para sustentar o sistema. Temos hoje uma situação diferente da verificada em 2001, quando aconteceu o apagão. Hoje temos um sistema mais avançado de transmissão de energia e, nos últimos anos, o Brasil ganhou mais capacidade em geração de energia elétrica, tanto hidrelétrica como termelétrica.

DINHEIRO – Mas há algum risco de racionamento de energia?
SETAS –
Vai depender da evolução da economia, se vai aumentar ou não o consumo de energia. Mas, sobretudo, vai depender do regime hidrológico. Se vierem chuvas, isso pode contribuir para que se dissipe o risco do racionamento.

DINHEIRO – A EDP está preparada para alguma eventualidade?
SETAS –
A empresa está preparada para um eventual racionamento, pois fizemos um plano de contingência. Fizemos um plano financeiro que nos permite responder às necessidades de financiamento da empresa. Se tivermos de financiar déficits tarifários, teremos linhas disponíveis para isso. Outro aspecto do plano é proteger o caixa da empresa. Para isso, vamos fazer uma contenção de custos. Pelo lado regulatório, te­­mos um conjunto de propostas que serão apresentadas ao órgão regulador, se for necessário. E o plano operacional irá trabalhar em sistemas operacionais, racionamento interno da empresa e call center para atender à população. Mas quero deixar claro que esse não é um plano emergencial. É um plano tranquilo, elaborado ao longo dos últimos meses. Estamos nos preparando para fazer o que for preciso, em caso de um racionamento.

DINHEIRO – Então a EDP não está apenas esperando que caia chuva do céu?
SETAS –
Não. Não podemos fazer isso. Se chover, ótimo. Se não chover, estamos preparados com um plano.

DINHEIRO – Portugal ou Brasil na Copa do Mundo?
SETAS –
Vai dar empate!

DINHEIRO – Mas alguém tem de ganhar na disputa de pênaltis…
SETAS –
Então é Portugal. Temos o melhor jogador do mundo (Cristiano Ronaldo). Mas o Brasil também está bem preparado e tem um dos melhores treinadores do mundo (Luiz Felipe Scolari, que já foi técnico de Portugal).