DINHEIRO ? A Petrobras abriu várias frentes de negócios, como o gás, a energia e estuda a aquisição de um distribuidora de combustíveis. Aonde o sr. quer chegar?
HENRI REICHSTUL ?
Queremos que a Petrobras sobreviva ao petróleo. Por isso, definimos que somos uma empresa de energia e que seremos a maior da América Latina. Pode ser que, dentro de alguns anos, por questões ambientais, as pessoas decidam reduzir o consumo de derivados de petróleo. Vamos oferecer o produto adequado a cada momento. Em 2010, 25% do faturamento virá de atividades não ligadas ao petróleo.

DINHEIRO ? Que iniciativas estão sendo tomadas
nessa direção?
REICHSTUL ?
Temos um plano de investimentos de US$ 31 bilhões até 2005, já em execução. Boa parte desse dinheiro está sendo aplicada em projetos ambientais. Esses recursos vêm da geração própria de lucros e de empréstimos tomados a longo prazo, geralmente de financiadores japoneses.

DINHEIRO ? Não há nenhum ônus para o Tesouro Nacional?
REICHSTUL ?
O ônus para o Tesouro é zero.

DINHEIRO ? No ano passado, o lucro da empresa foi de R$ 10 bilhões e, em 2001, será parecido. Foi o preço do barril do petróleo que ajudou?
REICHSTUL ?
Certamente, uma parte do resultado é fruto dos preços internacionais. Mas a outra parte é fruto da redução de custos, da reestruturação e do fato de a Petrobras ter se reposicionado como empresa.

DINHEIRO ? O terrorismo
e a instabilidade
internacional afetaram
os negócios da Petrobras?
REICHSTUL ?
Pelo contrário. Depois de 11 de setembro, fomos reavaliados para melhor pela Moodys e estamos a um nível do investment grade (papéis sem risco de crédito). Isso é fruto do reposicionamento da Petrobras, que pode ter uma estratégia financeira de empresa internacional. Em 2010, estamos prevendo um faturamento de US$ 35 bilhões, isso com o petróleo a US$ 15,00 o barril. Entre as empresas abertas, a Petrobras já está entre as seis ou sete maiores do mundo. Por isso é preciso ter um certo cuidado ao falar em Seis Irmãs, porque a Petrobras logo será uma delas.

DINHEIRO ? Na estratégia de diversificação, o gás
natural é uma prioridade, mas as térmicas só começaram
a sair do papel depois que o governo obrigou a Petrobras a assumir o risco cambial do produto comprado da Bolívia.
Foi a solução ideal?
REICHSTUL ?
A solução foi boa para os vendedores de gás, que somos nós. Nós produzimos gás no Brasil e na Bolívia e precisamos vender. O mecanismo incentiva o uso desse gás. Foi uma situação em que os interesses do Brasil e da Petrobras coincidiram.

DINHEIRO ? E na petroquímica, quais os planos da Petrobras?
REICHSTUL ?
A Petrobras saiu do controle dos pólos petroquímicos no início dos anos 90, quando foi feita a privatização. Ficamos com participações minoritárias, fora dos acordos de acionistas. Ficou claro que teríamos que desenvolver a petroquímica do entorno, ao redor das principais centrais. Um exemplo é o projeto de ácido acrílico, que estamos executando junto com a Basf. A prioridade, nessa área, é valorizar nossas participações.

DINHEIRO ? Falou-se muito nos últimos dias de uma possível compra da Ipiranga. O que existe de concreto?
REICHSTUL ?
Estamos lendo isso na imprensa; alguns bancos de investimento nos procuraram, mas não existe nada de concreto. Vamos esperar.

DINHEIRO ? Esse negócio não concentraria demais o mercado de distribuição?
REICHSTUL ?
Mas qual é hoje a nossa participação na
distribuição de combustíveis para automóveis? É de 24%. Temos menos de um quarto e queremos aumentar isso. Podemos alcançar esse objetivo com mais postos, com mais volume de venda por
posto ou partindo para uma aquisição. Nossa meta é chegar a 35% ou 40% desse mercado.

DINHEIRO ? Isso já é uma estratégia para a empresa se defender da abertura de mercado que começa em 2002?
REICHSTUL ?
Queremos ter uma ação mais integrada, da produção à distribuição. Quanto à abertura para a importação, tudo depende do valor que será cobrado. O petróleo é uma commodity. Nós não somos os formadores de preço.

DINHEIRO ? Mas então a competição será limitada?
REICHSTUL ?
Não quero subestimar a questão. Hoje, nós importamos 250 mil barris/dia. Somos obrigados a vender tudo tabelado. O preço não depende da localização da refinaria ou da condição do cliente. Agora, tudo mudou. Será o jogo do mercado e estamos prontos para isso. Se alguém quiser importar, eu ainda tenho a alternativa da exportação. Estamos falando de um produto
que tem liquidez.

DINHEIRO ? O sr. não parece muito preocupado…
REICHSTUL ?
Nossa maior preocupação é ambiental. Estamos investindo bilhões nessa área porque achamos que o mercado brasileiro exige produtos ambientalmente corretos. No mundo, existe uma gasolina de baixa qualidade, que não entra nos Estados Unidos nem na Europa. Isso pode acabar vindo para o Brasil e o problema é que o consumidor não vê o que compra ? mesmo que visse, não teria condições de avaliar a qualidade. Ele só vai saber que comprou algo ruim quando o motor estiver bichado. Por isso é tão importante a confiança na marca.

DINHEIRO ? Não seria importante fiscalizar mais?
REICHSTUL ?
Isso é vital e acho que tanto a ANP quanto a Receita Federal estão se equipando para isso. Antes, só nós importávamos. Agora, não. É importante que o Estado e a sociedade se mobilizem. Não queremos proteção, mas apenas uma legislação adequada.

DINHEIRO ? Mas a fiscalização das empresas que adulteravam e sonegavam parece não ter sido das melhores…
REICHSTUL ?
De fato, há distribuidoras com quem tivemos problemas constantes. O exemplo maior é o de empresas de Goiás, que fizeram um ataque aos cofres da Petrobras. Com documentos falsos, transformaram discussões de R$ 100 mil em pendências de R$ 20 milhões ou R$ 30 milhões. Esse tipo de distribuidora pode resolver importar produtos fora das especificações.

DINHEIRO ? A Petrobras está também adquirindo 700 postos na Argentina. É um bom negócio?
REICHSTUL ?
Além de ser uma empresa de energia, queremos ser internacionais. Isso é fundamental para que o mercado financeiro dê à Petrobras as mesmas condições de financiamento que dá para os nossos concorrentes, independentemente da condição de risco país. Nesse processo de internacionalização há duas avenidas. A primeira é a de exploração em águas profundas na bacia do Atlântico. Temos iniciativas na Nigéria, em Angola, na América Latina e também no Golfo do México. A segunda avenida é de integrar nossas atividades na área de energia. Nosso primeiro movimento foi comprar duas refinarias na Bolívia e o segundo negócio nessa expansão latino-americana é a troca de ativos que estamos fazendo com a Repsol. Ficamos com uma refinaria e uma rede de 700 postos na Argentina e, em troca, damos 30% da Refinaria Alberto Pasqualini, no Sul, e uma rede de uns 200 postos no Brasil, além da participação em um bloco de petróleo. Com os postos, teremos 11% do mercado argentino, o que já dá uma entrada de gente grande.

DINHEIRO ? Mas alguns procuradores alegaram que a Petrobras superavaliou os ativos argentinos…
REICHSTUL ?
Já foi resolvido. Abrimos todos os números, mostramos as avaliações e o mesmo juiz cassou a liminar.

DINHEIRO ? Como foram as resistências que o sr. enfrentou na Petrobras por ter promovido uma mudança tão radical?
REICHSTUL ?
Ninguém faz esse processo sozinho. Não seria possível passar por uma transformação tão forte sem o apoio dos empregados. Na gestão, implantamos unidades de negócio e temos métodos de remuneração muito mais flexíveis. Na área ambiental, estamos investindo US$ 1,3 bilhão até 2004.

DINHEIRO ? Mas ainda assim os maiores acidentes aconteceram na sua gestão…
REICHSTUL ?
Mas o importante é fazer o que é preciso. Só vamos ter sucesso como empresa de energia internacional se tivermos os melhores padrões ambientais. Isso hoje na Petrobras é visto como uma razão de negócio. A empresa precisa entender que seus clientes querem que ela seja impecável ambientalmente. O fato de terem estourado vinte, trinta anos de problemas na minha mão apenas acelerou esse processo de investimentos. Eu disso o seguinte: o que é preciso para a Petrobras atingir o estado da arte nessa área? Depois de dois meses de análise, me disseram que custaria US$ 1,3 bilhão. Não cortamos um centavo.

DINHEIRO ? Mas há analistas que alegam que os acidentes são fruto da política de terceirização. O sr. vê essa relação?
REICHSTUL ?
Não. Há pessoas que resistem um pouco ao modelo. O fato de termos uma empresa que procura resultados não significa que exista aqui um capitalismo selvagem. Na questão da terceirização, o que nós apuramos, com a ajuda da USP e da Fundação Dom Cabral, é que o nível é semelhante ao das maiores empresas de energia e de petróleo do mundo. Há problemas, ligados ao controle de algumas atividades, e isso terá de ser revisto. Mas ficou claro que a terceirização não foi o problema da P-36.

DINHEIRO ? O afundamento da P-36 foi certamente seu pior momento, não?
REICHSTUL ?
Certamente. Perdemos nossos funcionários.
Foi muito difícil.

DINHEIRO ? Estamos a menos de um ano das eleições. O sr. acredita que o modelo de implantado na Petrobras possa ser revisto por um novo presidente, como o Lula?
REICHSTUL ?
Não creio. Quando o presidente Fernando Henrique me convidou, ele disse que a empresa não seria privatizada, mas que deveria ser transformada em uma grande corporação. Para isso,
nós definimos que ela teria que ter os instrumentos de gestão dos seus concorrentes. A empresa triplicou de valor nos últimos dois anos e chegou a valer mais de US$ 30 bilhões em bolsa. A transformação também foi reconhecida pelos nossos financiadores internacionais. Temos custos menores, mais oportunidades e voltamos a contratar depois de 12 anos. Recentemente, ganhamos um prêmio pela transparência no trato com os investidores. O que está sendo feito é a valorização da maior empresa do Brasil. Daí decorre a minha convicção de que qualquer presidente tenderá a preservar esse modelo. Não consigo ver no espectro político, seja no governo, na oposição ou no PT, nenhuma rejeição a esse processo. A meta é pegar a maior empresa do Brasil e transformá-la na melhor e mais internacional.