O professor de Ética e Filosofia da Unicamp, Roberto Romano, acredita que a elite empresarial e econômica erra em acreditar que Jair Bolsonaro (PSL) renunciará às convicções intervencionistas caso seja eleito presidente. Segundo Romano, a defesa do Estado grande está na raiz das Forças Armadas e será reproduzida num eventual governo do ex-capitão. Confira a entrevista que concedeu à DINHEIRO:

DINHEIRO – Devemos ter um segundo turno com dois candidatos considerados mais radicais nos dois polos ideológicos. O que explica esse fenômeno?

Roberto Romano – Vou discordar. Extremo seria um representante como o Guilherme Boulos, do PSOL, e de outros de partidos de origem trotskista e etc. O Fernando Haddad nunca foi extremo. Não é por acaso que Lula o escolheu. A linha política dele dentro da esquerda e do PT não difere de quando o Lula assumiu. O Lula apesar de ter uma retórica bastante forte, na carreira, como sindicalista, se notabilizou por dialogar com o empresariado. Daí o sucesso dele. O Haddad é um acadêmico e nunca foi pertencente ao setores mais à esquerda do PT. Ele está cada vez mais disposto a, se eleito, levar o programa do Lula, que foi um bom trato com o empresariado e com as finanças. Não quer dizer que a situação de ambos os candidatos, da direita, e da centro-esquerda é tranquila. Não é tranqüila em nenhum sentido. O problema é como eles vão desenvolver as suas campanhas e conquistar aliados. A situação do Haddad é difícil porque foi traumática em relação com a Marina Silva no passado. A relação com o Ciro Gomes foi mais do que traumática, foi violenta. A maneira como o PT afastou o Ciro foi uma clara tentativa de hegemonia absoluta. Não deu a oportunidade nenhuma vez de o Ciro ser cabeça de chapa e isso foi marca do Lula. E, por parte do PSDB, é muito improvável que vão embarcar na campanha do Haddad. No debate do segundo turno, é evidente que os problemas vão aparecer também da parte do Bolsonaro.

DINHEIRO – No discurso, eles vão fazer uma tentativa natural de convergir ao centro?

Romano – É o que se recomendaria. Numa boa engenharia política, agora, no segundo turno, seria a hora de fazer a jogada de atenuar as arestas. Essa fama que o Bolsonaro tem de ser truculento, de defender a ditadura, seria a hora de diminuir o tom. Aí há um problema interno na campanha, porque o vice dele não é propriamente alguém que passaria por uma metamorfose ambulante de se transformar em Mourãozinho paz e amor. Aliás, essa atitude corresponde a muitas pessoas que aderiram à campanha de Bolsonaro, não só na classe A, como nos setores mais pobres, por conta da questão de segurança.

DINHEIRO – É possível supor que o Haddad adotará esse perfil paz e amor?

Romano – Ele já está fazendo. Está mandando recados. Há consonância inclusive de revistas como “The Economist” e outras. Elas sabem perfeitamente que não existe da parte do Lula e do Haddad essa radicalização. É um ponto interessante porque não existe nada mais fraturado na história do Brasil e do mundo do que a esquerda. Existem divergências que vão até o fundo. Na primeira eleição do Lula, havia quem defendesse a auditoria da dívida externa, ruptura com o FMI… e esses perderam porque não é o perfil da liderança do Lula e nem dos setores que vieram da esquerda clássica no PT, como é o caso do José Dirceu.

DINHEIRO – O senhor mencionou as críticas da “The Economist”, mas parece que o empresariado brasileiro e o mercado estão pendendo para o Bolsonaro. É uma incoerência?

Romano – Infelizmente uma parte considerável das nossas elites empresariais não são cosmopolitas, não têm uma visão mundial do próprio movimento do capital e não tem uma formação científica e tecnológica capaz de perceber as derrapagens que estão ocorrendo entre a nossa situação e o mercado mundial. É uma visão bastante particularizada. Além disso, ela foi nutrida, desde o mar de lama da época do Getúlio Vargas a esse mantra. Sob o pretexto de combater a corrupção, na verdade eles defendem ideias de intervenção do Estado na vida econômica e na vida social. Não aprenderam a lição. O apoio que deram ao regime de 1964 foi de uma incoerência absoluta em relação a tudo que pregava a União Democrática Nacional (UDN). Veio um conjunto de militares com tecnocratas que reforçaram o Estado em detrimento da ampliação do mercado. Teve um período de regime autoritário que foi estatista até o cabelo. Foi autoritário, foi censório teve problemas seríssimos com as questões do direito, mas foi estatista. Agora, imaginam que o Bolsonaro conseguirá mais uma vez diminuir o poder do Estado e a intervenção do Estado, no que se enganam redondamente. Esse pensamento estatista está profundamente enraizado nas Forças Armadas desde o Império. Essas pessoas que pensam que, com o Paulo Guedes, vão conseguir quebrar a hegemonia do Estado estão redondamente enganadas.

DINHEIRO – O senhor vê risco de repetição das consequências de 1964, ainda que não nos mesmos moldes?

Romano – É claro. Como diz o ditado popular: se tem bico de pato, pé de pato e grasna como pato, é pato. Se é capitão, militar, general e diz que é preciso autoridade, preciso poder coercitivo, diz que é preciso recuperar a história da ditadura, se diz, como o Bolsonaro disse, que o grande erro do regime de 1964 não foi ter torturado e sim não ter matado, é evidente que essa tentação existe. Aí discordo de colegas meus que repetem essa cantoria de que as instituições brasileiras estão hígidas e funcionam normalmente. Não estão. A partir de qualquer momento, a tentação virá. Se uma pessoa como Fernando Collor de Mello, que tinha uma mensagem liberalizante em termos de mercado e tinha perfil autoritário, tomou como uma das primeiras medidas invadir a Folha de S. Paulo, é claro que a tentação vai aparecer.

DINHEIRO – O senhor vê alguma uma semelhança da ascensão da extrema direita no Brasil com o movimento mundial?

Romano – Existe sim. Porque a internet trouxe a rapidez de comunicação. O mimetismo, que é muito comum no ser humano, aumentou enormemente. Esse movimento mundial evidentemente traz esse renascimento do movimento de extrema direita. Enquanto isso, os liberais não têm a ideia da militância e a militância da esquerda não está aparelhada para enfrentar esse tipo de coisa.