17/05/2006 - 7:00
“Acho o socorro à Volks absurdo. Se for por causa do câmbio, tem de socorrer uma lista”
“O responsável pelos problemas é o presidente. Ele levou a País a esta situação”
DINHEIRO ? A Marcopolo está ampliando sua atuação internacional. Fará agora investimentos na Rússia e na Índia. Até que ponto o câmbio é responsável por isso?
JOSÉ MARTINS ? É importante deixar claro que a Marcopolo sempre foi um empresa que buscou expandir o seu mercado. O primeiro ônibus que exportamos foi em 1961 para o Uruguai e a partir daí expandimos para Paraguai, Chile, Colômbia, Peru e outros países da América Latina.
DINHEIRO ? Mas vocês reclamam da pressão do câmbio sobre os planos internacionais da empresa.
MARTINS ? Com câmbio ruim ou bom, nós teríamos ido para a Rússia e para a Índia. Essa expansão internacional faz parte da nossa estratégia. O que muda com esse câmbio é a fabricação das peças. A nossa intenção inicial era usar o Brasil para abastecer nossas unidades no exterior, mas agora isso será revisto.
DINHEIRO ? Como assim?
MARTINS ? A nossa estratégia era transformar o Brasil num centro de distribuição para as nossas montadoras no mundo inteiro. Mas esse câmbio nos obrigou a alterar esse plano inicial. Agora não vamos apenas montar os nossos ônibus lá fora. Também vamos fabricar as peças, que antes seriam fornecidas pelo Brasil. Iniciamos um processo de nacionalização das unidades de montagem que temos em outros países, como México e Colômbia.
DINHEIRO ? Isso é ruim para a empresa?
MARTINS ? É ruim para o Brasil. Pretendíamos ampliar as nossas exportações intra-company usando o Brasil como base e isso foi abortado por causa do câmbio. Ele impede que exportemos peças do Brasil para as nossas montadoras no Exterior. Nossa competitividade caiu muito.
DINHEIRO ? O sr. diria que a Marcopolo está gerando nesses países vagas de emprego que poderiam ser abertas no Brasil?
MARTINS ? Não só isso. Estamos exportando investimento e emprego.
DINHEIRO ? E isso pode resultar em demissões no Brasil?
MARTINS ? Não. A Marcopolo não vai desempregar ninguém. Apenas vai deixar de crescer aqui dentro, vai gerar menos emprego do que gostaria. O Brasil, do jeito que está indo com esse câmbio, vai obrigar as empresas exportadoras a passar por um processo de desnacionalização. O câmbio está desindustrializando o País. Talvez não fosse necessário colocar essas fábricas todas no Exterior, mas acabou sendo uma estratégia de sobrevivência.
DINHEIRO ? O mercado brasileiro não vai crescer?
MARTINS ? O mercado no Brasil está saturado. Desde 1995 que o mercado brasileiro de transporte não cresce. Tenho de exportar se quiser crescer. Já temos mais de 40% do mercado nacional e não temos como ampliar essa participação. Mas perceba que não estou falando da destruição da Marcopolo no Brasil. A Marcopolo vai continuar do mesmo tamanho no País. Não vai encolher porque temos um mercado muito forte no Brasil para abastecer a América do Sul. Eu não vou produzir ônibus na Rússia para enviar para o Paraguai.
DINHEIRO ? O que o Brasil perde?
MARTINS ? O Brasil deixa de criar empregos aqui na fabricação de peças. A nossa filial de plásticos, por exemplo, agora tem produção no México. Antes era tudo feito aqui no Brasil, mas começou a ficar caro a demais.
DINHEIRO ? De quantos empregos estamos falando?
MARTINS ? Hoje temos 5.650 empregados no Exterior. Daqui a quatro anos, vamos ter na Índia 7.000 e outros 1.000 na Rússia. Isso dará um total de 13.650 empregos lá fora. Será mais que os 10.850 que teremos no Brasil. A tendência é essa.
DINHEIRO ? Essa tendência pode se reverter se o câmbio se desvalorizar?
MARTINS ? Não diria que essa tendência vai ser revertida porque uma decisão de investimento como os que estamos fazendo para instalar as fábricas na Rússia e na Índia não se altera assim de uma hora para outra. Será complicado, mesmo com um câmbio mais favorável, exportar peças para esses países.
DINHEIRO ? Vocês continuam fortes no Oriente Médio?
MARTINS ? Já fomos fortes, mas hoje não atuamos mais no Oriente Médio.
DINHEIRO ? Por quê?
MARTINS ? Nós perdemos o mercado aos poucos. Vendíamos para a Arábia Saudita, Kwait, Emirados Árabes, Quatar e Dubai. Juntos eram um mercado para o qual exportávamos 2.500 ônibus por ano. Isso mudou do ano passado para cá, por causa do câmbio.
DINHEIRO ? Quem ?roubou? esse mercado da Marcopolo?
MARTINS ? A Turquia, que tinha um câmbio desatualizado e um juro lá em cima, se recuperou. O Egito também captou muitos dos nossos clientes porque tem um custo de frete menor que o nosso. Hoje não temos mais competitividade para exportar para o Oriente Médio, um mercado que representava US$ 40 milhões. E, neste caso, o câmbio foi a única razão. Ele nos liquidou.
DINHEIRO ? A Marcopolo compra matérias-primas no mercado chinês. Vocês pensam em se instalar na China?
MARTINS ? Sim. Futuramente poderemos ter uma unidade na China. Mas isso ainda está em estudo. Por enquanto, nós estamos apenas importando matéria-prima, como plástico, por exemplo. Importamos da China em vez de comprar no Brasil.
DINHEIRO ? Qual o motivo?
MARTINS ? Está mais barato. O Brasil poderia estar atraindo empresas que usariam o País como base exportadora, como faz a China. Mas o câmbio inviabiliza isso.
DINHEIRO ? Qual seria o câmbio ideal?
MARTINS ? Se o câmbio fosse para algo entre R$ 2,40 e R$ 2,60 nós poderíamos voltar a respirar.
DINHEIRO ? Mas tudo indica na direção contrária. Parece que o câmbio vai romper os R$ 2,00 para baixo…
MARTINS ? A situação ainda não é de desespero. Mas se o câmbio vier para baixo dos R$ 2 teremos um cenário imprevisível.
DINHEIRO ? Uma melhora da infra-estutura ajudaria?
MARTINS ? O mercado de transporte do Brasil não cresce há 15 anos porque não há investimento. Olhe o caso da Cide, a Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico. Ela arrecada R$ 10 bilhões por ano na venda de combustíveis, dos quais 25% deveriam ser investidos em infra-estrutura. Ela cobre o rombo das contas públicas e vira superávit primário. Se não construirmos e reformarmos as estradas, o transporte fica cada vez mais deteriorado e ninguém vai investir nesse setor aqui no Brasil.
DINHEIRO ? O sr. parece pessimista…
MARTINS ? Aqui no Brasil eu não tenho muito otimismo em relação aos negócios. A Marcopolo só vai crescer no mercado internacional. Ou isso ou teria de esperar que o mercado interno voltasse a crescer. Mas isso não acontece há 15 anos.
André Dusek | ||
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?O responsável pelos problemas é o presidente. Ele levou a País a esta situação? | ||
DINHEIRO ? Projetos como o das PPPs para financiar e acelerar investimento em infra-estrutura seriam a saída?
MARTINS ? Desde que o governo investisse. Porque infra-estrutura é responsabilidade do governo. Falta planejamento de longo prazo. O nosso mercado rodoviário, que era de 4.500 a 5.000 ônibus por ano, baixou para 2.800 unidades porque os empresários do setor não veêm perspectivas de futuro. Eu tampouco vejo perspectivas.
DINHEIRO ? Quem é responsável pelo câmbio?
MARTINS ? Ele é decidido pelo presidente do Banco Central e pelo Copom. O que valoriza o câmbio é o juro alto do Copom. E quem escolhe quem serão os membros do Copom e o presidente do BC? É o presidente da República.
DINHEIRO ? A culpa então é do presidente Lula?
MARTINS ? Claro que quem faz o sistema é o Lula, o Henrique Meirelles, o governo. Em última instância quem é responsável pelos problemas? É o presidente. Sem dúvida nenhuma foi ele que levou a País a essa situação.
DINHEIRO ? O que poderia mudar isso?
MARTINS ? Com juro menor, ampliando o CMN. O conselho monetário hoje tem apenas três pessoas: os ministros da Fazenda, do Planejamento e o presidente do Banco Central. É pouco. Qualquer empresa, por menor que seja, tem pelo menos cinco ou seis membros no seu conselho de administração. Na Marcopolo, somos seis.
DINHEIRO ? O sr. acha que essa tendência de queda extremamente gradual dos juros pode mudar com a chegada de Guido Mantega à Fazenda?
MARTINS ? O ministro Guido Mantega tem uma visão mais ampla e realista da economia brasileira se o compararmos ao ex-ministro Antonio Palocci, que tinha uma visão mais estreita de como funcionava o setor produtivo.
DINHEIRO ? O sr. concordou com o pacote de socorro à Volkswagem anunciado pelo governo, que vai usar dinheiro do BNDES?
MARTINS ? Eu acho o socorro à Volks um absurdo. Se for assim, por causa do câmbio, tem de socorrer também a Marcopolo, a Sadia e uma inúmera lista de empresas. Todos nós estamos dentro da panela do câmbio. Se a Volkswagen caiu na inviabilidade econômica por causa do câmbio, foi por problema puro e simples da própria Volkswagen. O governo não tem nada que se meter com isso.
DINHEIRO ? O setor produtivo está no fundo do poço?
MARTINS ? Não sei. O fato é que as empresas já cortaram tudo o que tinham para cortar para se manter competitivas. Conseguimos encolher e reduzir gastos até um determinado ponto, pois chega um momento em que a redução de custo acaba afetando a competitividade. Com esse câmbio, o governo está me expulsando da minha própria casa.
DINHEIRO ? O sr. vê luz no fim do túnel?
MARTINS ? Eu espero que isso acabe como no cinema ou novela: no fim, tudo sempre dá certo. E como não deu certo ainda é porque ainda não chegamos ao fim.