25/05/2016 - 0:00
Nesta semana tive a oportunidade de entrevistar a assessora principal da Divisão de Gênero e Diversidade do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em Washington, Judith Morrison, que discorreu sobre a inclusão do Brasil no século 21 do ponto de vista da gestão da diversidade nas empresas. Para a assessora, as empresas não só devem valorizar a diversidade por uma questão de justiça e equidade, mas com o objetivo de serem competitivas e com resultados de alta performance.
Judith comenta também o significado de recente estudo “Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas”, lançado em parceria com o Instituto Ethos e Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial (SMPIR), com patrocínio do BID -, que foca sua análise em quatro grupos considerados vulneráveis no ambiente profissional – mulheres, negros, pessoas com deficiência, e pessoas com mais de 45 anos.
De acordo com os resultados do estudo, a população negra continua sendo a mais vulnerável às desigualdades do mundo corporativo. Por exemplo, entre as empresas que buscam promover a igualdade em seu quadro de funcionários, 28,3% possuem políticas voltadas para pessoas com deficiência, 17% para mulheres, 9,4% para pessoas com mais de 45 anos, e apenas 8% para negros.
Judith Morrison assumiu o cargo de assessora sênior na Divisão de Gênero e Diversidade do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em 2009. Antes disso, foi diretora regional de América do Sul na Fundação Interamericana, diretora executiva da Consulta entre Agências na América Latina (do Banco Mundial, BID e a Fundação Ford) e diretora de programa no Diálogo Interamericano. Sua experiência trabalhando em desenvolvimento econômico na América Latina inclui a negociação de acordos para promover desenvolvimento com o setor privado nas áreas de aço, construção, defesa, manufatura, transporte, e tecnologia no Brasil, na Argentina e Colômbia. Ela negociou o primeiro fundo de ecodesenvolvimento com o setor privado no Brasil e tem trabalhado por mais de 20 anos no País.
Ganhou o Prêmio da Inovação e Sustentabilidade do BID em 2014 e 2015. É autora de vários livros e artigos sobre desenvolvimento econômico com ênfase nos setores mais vulneráveis. Judith tem mestrado em distribuição de renda e desenvolvimento econômico no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), onde recebeu o prêmio Carroll Wilson e foi fellow Woodrow Wilson.
MAURÍCIO PESTANA – São estarrecedores os dados revelados pela pesquisa sobre a presença de negros nos cargos de direção das grandes empresas. Como mudar isso?
JUDITH MORRISON – Acredito na urgência no assunto. Percebemos que na área de trainees e aprendizes houve algumas mudanças e também uma leve melhora. Na questão das mulheres em cargos gerenciais não vimos muito diferença e há muito trabalho pela frente. Considerando que a pesquisa é uma amostra das empresas mais interessadas no tema, é um pouco preocupante que muitas delas pensem que a situação das mulheres e dos afrodescendentes já esteja bem. Inclusive, acreditamos que isto seja um sinal que devemos trabalhar ainda mais com esse público nessas áreas.
MAURÍCIO PESTANA – Quais são os grandes gargalos na contratação, permanência e ascensão dos negros nas grandes empresas?
JUDITH MORRISON – Em termos de gargalos específicos há um pensamento sobre o tema. Existe um problema grande no repertório das empresas interessadas em olhar para as pessoas que estão ali, dentro das próprias organizações. Temos que pensar em um trabalho coletivo porque isto não impacta unicamente um setor no Brasil, é bastante generalizado.
MAURÍCIO PESTANA – De que forma a ausência de mulheres e negros nos cargos de gerência e direção das grandes empresas pode causar prejuízos?
JUDITH MORRISON – A ausência de mulheres e de afrobrasileiros, que são mais da metade da população do País, pode significar uma ineficiência por parte das empresas e uma perda de lucro muito significativa. Um exemplo concreto é que menos de 4% dos altos gerentes são pessoas negras, e as mulheres representam menos de 15%. Logo, os cargos de tomadores de decisão não são acessíveis para as pessoas que representam a maioria da população.
MAURÍCIO PESTANA – O Perfil também mostra que as empresas estrangeiras ainda são a maioria que se preocupam com essas questões. Por que é tão difícil as empresas brasileiras avançarem nesta área?
JUDITH MORRISON – Várias empresas estrangeiras têm metas de diversidade e sustentabilidade e precisam apresentar relatórios sobre a situação aqui no País. Elas também conhecem a parte demográfica e sabem que o mercado é grande. Esta percepção é muito notada na área de tecnologia. Nos EUA, há empresas como a Intel, que decidiu investir mais de US$ 300 milhões em fornecedores e funcionários negros, demonstrando que mais do que ser algo bom, representa negócios. E realmente, o uso da tecnologia e da rede social é uma questão sutil e cultural. Se você não sabe como seus clientes agem, você vai perder oportunidades e estas empresas querem ficar na vanguarda.
MAURÍCIO PESTANA – A senhora é uma estudiosa da América Latina mas sempre teve um grande interesse pelo Brasil. Como a senhora vê as empresas brasileiras nessa questão?
JUDITH MORRISON – Existem empresas brasileiras que pensam na questão racial, mas ainda há possibilidades de crescimento nesse grupo. A resistência e a falta de repertório ainda é um grande problema. Nos EUA usamos o conceito de minoria e no Brasil temos que criar um conceito de maioria. Quando a empresa está pensando em como ser mais eficiente e melhor no que está trabalhando, ela precisa enxergar o que está dentro dela própria. Ao obter todos os talentos de uma minoria, elas estão limitando o seu universo e isso não é meritocracia.
MAURÍCIO PESTANA – E o que senhora aconselharia para essas empresas?
JUDITH MORRISON - Para estas empresas são necessárias três reflexões fundamentais: primeiro, estamos procurando o melhor talento? Segundo: estamos promovendo os melhores talentos dentro da empresa? Digo isso porque sabemos de casos nos quais os empregos são destinados a pessoas da família ou de uma determinada rede, excluindo pessoas que muitas vezes possuem capacidade maior do que a pessoa indicada. E terceiro: estamos perdendo mercado porque estamos pensando iguais e não somos iguais, somos uma sociedade bastante diversa.
Outro aspecto que sempre comento com as empresas brasileiras que tem ambição em se tornarem multinacionais é: se você consegue lidar bem com a questão racial aqui no Brasil, você pode vender para qualquer mercado ou país. Um lugar com a maior população negra fora da África, a maior população japonesa fora do Japão, entre outras etnias, tem um valor de diversidade que ninguém mais tem.
MAURÍCIO PESTANA – Conhecendo nosso mercado, nossos avanços e sabendo que estamos passando por um período econômico e político muito difícil, quais as perspectivas para a questão racial no Brasil dentro deste cenário?
JUDITH MORRISON – Este é o momento ideal para falar da questão racial no setor privado no Brasil, que pode ter muito protagonismo nas questões mais sociais, que precisam estar fortalecidas neste momento. Não é hora para reflexão apenas, é um momento de urgência. Um momento de pensar eficiência e em como atingir novos mercados, utilizando os recursos que já existem. E nesse quesito, sabemos que os afrodescendentes representam um mercado enorme, que foi pouco estudado e tem muito potencial de crescimento. A inserção da comunidade negra na classe média tem sido forte e ainda não se sabe quais são todas as demandas, gostos e produtos que interessam para eles. E para as empresa não é apenas uma questão de fazer o bem, mas de fazer negócios.