18/04/2023 - 21:00
Por Vitoria Saddi
Passado o tumulto do mês de março quando, o Sillicon Valley Bank (SVB) e o Signature Bank quebraram e o Credit Suisse foi comprado pelo UBS, os analistas ainda estão se perguntando se este é um prenúncio e um ‘redux’ da Global Financial Crisis (GFC) de 2008. Naquele ano, houve a quebra do Bear Sterns em março e no início da primavera americana foi a vez da Lehman Brothers. No caso da Bear, a quebra foi contida pelo Fed, que ‘obrigou’ o JPMorgan a absorver a corretora por US$ 2 a ação (que valia mais de US$ 100). No caso da Lehman houve um misto de fatores. Primeiro, e mais importante, o fato de o Fed anunciar publicamente que não iria socorrer e injetar dinheiro na Lehman, pois, em tese, nenhum dos bancos de investimentos eram ‘bank holding companies’. Portanto, não ficavam sob jurisdição do Fed. Na época, todos estes bancos carregavam um ativo: obrigações de dívida colaterizadas (collaterized debt obligations). Eram derivativos baseados em títulos lastreados em hipotecas de casas. Tais títulos receberam nota A pelas agências de risco, sendo assim considerados livres de risco. Ou seja, a chance de não serem honrados era mínima. Mas havia uma voz discordante.
E essa única voz discordante era do meu chefe da época, Nouriel Roubini. Ben Bernanke (então presidente do Fed) costumava dizer que Nouriel iria ‘reinventar a roda’ pois nunca antes na história americana dos últimos 100 anos teria havido uma queda dos preços das casas de leste a oeste e de norte a sul. Bernanke estava errado. Como todos os bancos de investimento (Goldman, Morgan Stanley, Citi, Merryl Lynch) seguiam completamente carregados com tais títulos, a quebra da Lehman foi o início de um contágio de um processo que foi visto apenas na crise de 1929. O contágio foi rápido entre os países já que tais títulos foram vendidos na Europa (continental), Ásia e Inglaterra.
Vale ressaltar que até setembro de 2008, a economia americana estava crescendo a uma taxa de 5% ao ano, com desemprego baixo e todas as condições de estabilidade satisfeitas. O presidente do Fed emitiu comunicado para que os economistas não fizessem nada sobre uma ‘eventual crise financeira’. Quando ela eclodiu, apenas o Tesouro tinha um ‘plano’, que foi pequeno e inútil. Levou mais de seis meses para o Fed perceber a dimensão da crise. E mais de dois anos para a autoridade monetária regulamentar e passar a ter controle do seu sistema financeiro.
O Fed que emergiu da GFC é totalmente diferente. Além do maior controle e monitoramento do sistema financeiro, passou a exigir testes de estresse periódicos dos bancos e multas para os que não fossem aprovados. Um exemplo deste novo Fed foi a velocidade de resposta quando da pandemia de Covid. Velocidade também vista na quebra do SVB.
O ocorrido no SVB foi totalmente diferente da GFC e por isso eu acredito que não há chances de se tornar uma crise financeira nas dimensões de 2008. Mas o que ocorreu com o SVB? Em primeiro lugar, nos EUA há dois tipos de bancos comerciais. Os regionais e ‘credit unions’, que são bancos pequenos localizados em apenas um estado. E os bancos grandes, que existem no país todo. Os americanos valorizam muito os bancos regionais e prestigiam depositando suas economias lá. Há mais de 5 mil diferentes bancos privados nos EUA e uma grande maioria é regional.
O que ocorreu no SVB foi um descasamento entre o ativo e passivo, que estavam expostos de forma diferente a variações da taxa de juros. Em detalhes, o SVB estava carregado em títulos longos (30 anos) do Tesouro americano, que pagam mais do que títulos curtos. Enquanto o passivo do banco tinha ‘duration’ curta (depósito de curto prazo) os do ativo tinham ‘duration’ longa. Na marcação a mercado o descasamento levou a um grande desequilíbrio patrimonial do banco agravado pela corrida bancária que se seguiu.
O argumento dos analistas é de que o Fed deve parar de subir juros, pois poderemos observar novas falências bancárias. Ou seja, os bancos ‘se acostumaram’ com mais de dez anos de política monetária expansionista e assim todos podem estar carregando títulos longos, com hedge parcial ou ineficiente. Ainda que os bancos possam ter títulos longos nos ativos, os testes de estresse e monitoramento do Fed são feitos justamente para acompanhar os bancos que são ‘too big to be saved’. Houve uma evolução bastante positiva do sistema financeiro americano desde 2008. Por esse conjunto, o Fed deve seguir com o combate à inflação sem ser influenciado pelo episódio isolado de março.
VITORIA SADDI é estrategista da SM Futures. Dirigiu a mesa de derivativos do JP Morgan e foi economista-chefe de Roubini Global Economics, Citibank, Salomon Brothers e Queluz Asset. É PhD em economia pela University of Southern California.